sábado, 31 de dezembro de 2016

FELIZ ANO NOVO!



Aos leitores deste humilde diário, àqueles que o acessam de perto ou de longe, aos que nos enviam e-mails, àqueles que permanecem silentes, espalhados por tantos lugares mundo afora, aos colaboradores e a todos que compartilham conosco alguns momentos da vida e da arte, nossos votos de um ano de 2017 de muita saúde, paz, felicidade, solidariedade, sabedoria e amor!

UMA IMAGEM DO ANO



Leitura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) aos professores na ocupação da Secretaria de Educação do Estado do Ceará.

SONETO XI


De repente começa um novo ano,
Tanta coisa deixaste para trás;
Aquele velho sonho, o desengano;
A promessa de seres mais audaz. 

Renovaste de novo aquele plano;
Já não pedes que sejas mais sagaz;
Preferiste buscar ser mais humano,
Neste tempo de um mundo tão voraz.

Em ti mesmo procuras a mudança;
Não esqueças jamais a esperança,
E verás, muito em breve, que és capaz.

Mantenhas sempre acesa a lembrança,
Por onde quer que vás em tua andança,
De viver a lição de amor e paz.

Eliton Meneses

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

GUERRA E PAZ :: TOLSTÓI





"'Guernica' de Pablo Picasso está para o povo espanhol assim como Guerra e Paz de Leon Tolstói está para o povo russo. Ambos, na sua linguagem – pintura e literatura – atingiram um patamar de excelência artística alcançado apenas por um punhado entre milhões de postulantes. Picasso retratou em seu vasto painel a alma, o sacrifício e a grandeza do povo espanhol e, acima de tudo, produziu um símbolo da paz. Tolstói, em seu enorme e magnífico romance, retratou igualmente o sacrifício, o patriotismo e a grandeza do povo russo e, por sua vez, construiu também um monumento à paz.
Guerra e Paz está entre as grandes obras produzidas pelo ser humano, como 'Guernica', 'David' de Michelangelo, 'A Flauta Mágica' de Mozart, 'Monalisa' de Leonardo da Vinci. Copioso, às vezes irregular, no seu conjunto de mais de mil e quinhentas páginas ele possui, no entanto, luz própria como os grandes astros. Brilha como um livro maior entre milhões de livros, deslumbra como só uma verdadeira obra de arte é capaz de deslumbrar, e emociona como só as grandes histórias conseguem emocionar." (Ivan Pinheiro Machado)


GUERRA E PAZ :: CITAÇÕES

"(...) a única verdadeira felicidade da vida é a satisfação que se tira do bem que se faz."
"A ideia acabará por seguir o seu destino sozinha."
"(...) nenhuma verdade é vista do mesmo aspecto por duas pessoas."
"– A posteridade se encarregará de lhe fazer justiça."
"O homem vive conscientemente a sua vida individual, servindo de instrumento inconsciente à realização dos fins históricos da humanidade inteira."
"(...) nada há que valha estes dois soldados – a paciência e o tempo!"
"(...) o absurdo da conclusão dada resulta apenas do fato de se decompor o movimento arbitrariamente em unidades, quando o certo é que o movimento de Aquiles e o da tartaruga se produzem ininterruptamente."
"Foi a soma das vontades humanas que fez a revolução e que tornou possível Napoleão, e só ela os manteve e aniquilou."
"A palavra é de prata, mas o silêncio é de ouro."
"(...) no sonho tudo é inverossímil e absurdo menos o sentimento que o conduz."
"Os atos dos homens são uma consequência do seu caráter inato e das influências que sobre ele atuam."
"A responsabilidade parece maior ou menor consoante o conhecimento das condições em que se encontra o homem cujo ato julgamos, segundo o maior ou menor lapso de tempo transcorrido desde a realização do ato até o momento de ser julgado e segundo a maior ou menor compreensão do mesmo."
(Leon Tolstói)

domingo, 25 de dezembro de 2016

(IN)COERÊNCIA HUMANA


Sobre Kutuzov, quando se anunciou, em Petersburgo, que o exército russo havia vencido a Batalha de Borodino:
– Que foi que eu lhe disse do Sereníssimo? Sempre disse que me parecia o único capaz de vencer Napoleão.
Sobre Kutuzov, horas depois, quando se soube que o exército russo havia abandonado Moscou sem resistência:
– (...) não era de esperar outra coisa daquele velho cego e pervertido.
(Guerra e Paz. Tolstói)

NASCIMENTO DE JESUS



"Aconteceu que, naqueles dias, César Augusto publicou um decreto, ordenando o recenseamento de toda a terra.
Esse primeiro recenseamento foi feito quando Quirino era governador da Síria.
Todos iam registrar-se cada um na sua cidade natal.
Por ser da família e descendência de Davi, José subiu da cidade de Nazaré, na Galileia, até a cidade de Davi, chamada Belém, na Judeia, para registrar-se com Maria, sua esposa, que estava grávida.
Enquanto estavam em Belém, completaram-se os dias para o parto, e Maria deu à luz o seu filho primogênito. Ela o enfaixou e o colocou na manjedoura, pois não havia lugar para eles na hospedaria." (Lucas 2:1-7)

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

CONTO DE NATAL


Enquanto o filme estrangeiro mostrava um Papai Noel gordo aboletado num trenó puxado por renas na neve de Nova Iorque, do lado de fora da sala o sol quente de dezembro revelava a pobreza crônica da rua vazia. Dedé e Pitica, hipnotizados pelo filme, mal pestanejavam. Os olhos dos meninos brilhavam sobretudo quando Papai Noel começava a distribuir os presentes de Natal.  
– O que tu vai ganhar esse ano, Chico? Perguntou Pitica. 
– O que ganho todo ano... Nada! Respondeu-lhe o amigo. 
Pitica todo ano sonhava ganhar uma bicicleta do Papai Noel. Todo ano se frustrava, mas não deixava de acreditar no bom velhinho. Na manhã do dia 25, de olhos ainda fechados, tateava debaixo da sua rede para ver se encontrava algo e, depois, contemplava com os olhos decepcionados o chão vazio. 
Dedé era mais realista. Acreditava que Papai Noel só aparecia para os ricos. Todo ano Hallison ganhava presente do Papai Noel. Logo ele que já tinha tanto brinquedo...  
– O que tu queria ganhar no Natal, Dedé? Perguntou Pitica.
– Um banheiro para minha casa! Respondeu ele.
– Papai Noel só dá brinquedo, bicho besta! 
– Dizem – continuou Pitica – que o Hallison reza toda noite. Talvez por isso ele sempre recebe a visita do Papai Noel. Tereza contou que antes de dormir ele sempre reza um pai-nosso, uma ave-maria e diz assim: Deus é força, Deus é poder. Estou com Ele e hei de vencer! 
– Se for por isso – atalhou Chico –, eu deveria ganhar todo ano cinco presentes do Papai Noel, porque toda noite rezo cinco pai-nossos e cinco ave-marias...
– Mas não diz: Deus é força, Deus é poder... Gracejou Dedé. 
– Não acredito que a fé em Deus seja o motivo da visita do Papai Noel. Se ele fosse enviado por Deus daria presente era para os pobres e não para os ricos. Afirmou convicto Chico. 
– De repente não é uma questão de fé, mas de merecimento. Questionou Pitica. 
– Então nós nunca merecemos! Precisamos acrescentar: Deus é força, Deus é poder.... às nossas orações. Sorriu Dedé. 
– Papai Noel é uma invenção do comércio para vender mais, pessoal. O espírito natalino é outra coisa. É o amor ao próximo. É a fraternidade entre as pessoas. É o nascimento de Cristo, que nasceu e morreu pobre.  Disse Chico com ar professoral.
– Nasceu pobre mas recebeu presente dos reis magos... Interviu mais uma vez o risonho Dedé.
– Mas Cristo é Cristo... e nós somos nós... Não ganhamos presente nem do Papai Noel, imagina dos reis magos... Completou Chico.    
Nesse Natal, cada um dos três amigos amanheceu com dois presentes debaixo de suas redes. Chico recebeu dois carros, um de madeira e outro de lata; Pitica recebeu um patinete e uma bola e Dedé, um cavalinho de pau e um dominó. 
Desde aquele dia, os meninos passaram a concluir suas orações com o Deus é força, Deus é poder... Mas, mais importante do que o acréscimo às suas orações, naquele dia os três meninos começaram a praticar a fraternidade entre si.

sábado, 17 de dezembro de 2016

COREAÚ


De repente sumiram todos:
O cachorro, o rio e a praça,
O nome escrito de giz,
A escola e o oitavo ano.
Hoje vejo as ruas pelo alto,
Miúdas, estreitas e distantes.
Meu amigo Francisco foi embora,
Sem mãe, sem lenço e esperança.
O mato cobriu a estrada
O tempo, o cajueiro grande.
O rio seco, a ribanceira torta
A gaiola aberta, uma cigarra
O redemoinho na campina larga
O mugido de uma rês cansada
Na torre, a rasga-mortalha
Espreita uma encruzilhada
De uma longa noite solitária
Não adianta esperar o chamado
Do padeiro, do amigo, da menina
Sumiram todos no último biu da gata.   

Eliton Meneses

domingo, 11 de dezembro de 2016

EDUCAÇÃO EM DIREITOS




Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
(...)
III – promover a difusão e a conscientização dos direitos humanos, da cidadania e do ordenamento jurídico; (Lei Complementar 80/94, com redação conferida pela Lei Complementar 132/2009).

sábado, 3 de dezembro de 2016

SONETO X


Passo o dia debaixo deste sol;
Meu ofício é plantar na terra dura; 
Fatigado, em meio a tanta agrura,
 Ouço o canto feliz do rouxinol. 

Quando chega dolente o arrebol,
Me assombra a grandeza da natura;
Peço a Deus outro tempo de fartura;
 Uma chuva que encharque este crisol. 

Sigo assim, resistindo à estiagem:
Tomo um gole de água na cabaça;
Tenho marcas da vida em minha mão.

Eu sou feito de sonho e de coragem;
 Num roçado com cheiro de fumaça,
Vou plantando sementes pelo chão.
 
Eliton Meneses

quarta-feira, 30 de novembro de 2016

CEL. AURELIANO BUENDÍA


"El coronel Aureliano Buendía promovió treinta y dos levantamientos armados y los perdió todos. Tuvo diecisiete hijos varones de diecisiete mujeres distintas, que fueron exterminados uno tras otro en una sola noche, antes de que el mayor cumpliera treinta y cinco años. Escapó a catorce atentados, a setenta y tres emboscadas y a un pelotón de fusilamiento. Sobrevivió a una carga de estricnina en el café que habría bastado para matar un caballo. Rechazó la Orden del Mérito que le otorgó el presidente de la república. Llegó a ser comandante general de las fuerzas revolucionarias, con jurisdicción y mando de una frontera a la otra, y el hombre más temido por el gobierno, pero nunca permitió que le tomaran una fotografía. Declinó la pensión vitalicia que le ofrecieron después de la guerra y vivió hasta la vejez de los pescaditos de oro que fabricaba en su taller de Macondo. Aunque peleó siempre al frente de sus hombres, la única herida que recibió se la produjo él mismo después de firmar la capitulación de Neerlandia que puso término a casi veinte años de guerras civiles. Se disparó un tiro de pistola en el pecho y el proyectil le salió por la espalda sin lastimar ningún centro vital. Lo único que quedó de todo eso fue una calle con su nombre en Macondo. Sin embargo, según declaró pocos años antes de morir de viejo, ni siquiera eso esperaba la madrugada en que se fue con sus veintiún hombres a reunirse con las fuerzas del general Victorio Medina." (Cien años de soledad. Gabriel García Márquez)



ABORTO


Eis um tema que seria preferível não ter que enfrentar. Um tema em que, ao fim e ao cabo, todos saem de alguma forma perdendo. Mas um tema que não pode deixar de ser enfrentado, muito embora talvez jamais se encontre uma solução ideal. 
Milhares de mães morrem em clínicas de aborto clandestino todo ano somente no Brasil. As causas que levam essas mães a abortarem são as mais diferentes. Entre nós, o aborto é crime, passível, em tese, de prisão, de toda sorte, a experiência revela ser bem raro uma mãe ser punida pelo aborto, sobretudo pela clandestinidade da ação. O crime de aborto acaba sendo praticamente letra morta. Diante disso, surge a questão: Não seria preferível legalizar logo o aborto? Assim, as mulheres que desejassem abortar teriam como recorrer a um hospital para realizar o procedimento de modo seguro...
Essa solução seria simples se não implicasse um outro interesse que a ordem jurídica também protege. Não se pode esquecer que o feto e o embrião são uma vida humana em desenvolvimento. Não sei se porque costumo desviar a pisada até para não atingir uma formiga, acho muito espantosa essa ideia de um aparato médico-hospitalar a postos para realizar um aborto, sem uma razão séria a justificar a medida, como nos casos de risco de vida da gestante e de gravidez resultante de estupro, já autorizados pela lei. 
Quando se fala em legalizar o aborto, qual seria o fundamento desse direito de abortar? A integridade do corpo da mãe? A liberdade da mãe? E o direito à vida do embrião? Ora, na ponderação do interesse mais relevante, considerando o embrião ou o feto uma vida, não haveria como a balança não pender em favor do nascituro. A não ser que não se considere o feto ou o embrião uma vida humana, algo absolutamente incompatível com o atual estágio da ciência, não haveria como não priorizar a vida do ser em formação. Na quarta semana de gestação, o pequeno coração do ser humano em desenvolvimento já começa a pulsar de maneira vibrante. A decisão do STF que, há poucos dias, não considerou crime o aborto antes do terceiro mês de gestação, prioriza interesses secundários da mãe e esquece um pequeno coração humano que bate com tanto anseio de viver. 
Espantam-me certas incoerências. Já testemunhei camaradas chorarem, por exemplo, pela prisão de um canário na gaiola e, logo em seguida, vibrarem pela legalização do aborto, sem aparentemente se importarem com os milhares de pequenas vidas humanas que seriam ceifadas nesse processo. A vida humana, mesmo embrionária, me interessa mais do que a liberdade de um canário. Se o conceito de justiça que mais prezo significa estar do lado do mais fraco, com Norberto Bobbio, pergunto: Na relação entre a mãe e o nascituro, quem é o mais fraco?
Digo isso, mas também considero que o aborto, especialmente para a mãe, é sempre um drama. Assim, pensar em prisão para a mãe que aborta é algo sobremodo despropositado. Decerto seria recomendável uma pena diversa da prisão, uma multa, uma prestação de serviço à comunidade, algo que, ainda que simbolicamente, representasse uma reprimenda pela atitude reprovável. Prisão, não. A prisão só se prestaria a agravar ainda mais o drama já existente. 
Também simplesmente descriminalizar seria reconhecer a licitude da conduta, dizer que o ato de abortar não merece qualquer reprovação social,  além de permitir que um hospital realizasse um aborto por um mero capricho da mãe, sem qualquer fundamento razoável. É possível que haja outros motivos para se realizar um aborto, para além dos atualmente previstos em lei. Também concordo em discutir a ampliação dessas hipóteses. O STF incluiu a hipótese dos anencéfalos. Acho isso possível. Mas simplesmente descriminalizar o aborto, o que na prática significaria legalizar o aborto imotivado, acho algo absurdo. Algo que significaria um convite à irresponsabilidade. Numa época com tantos métodos contraceptivos, engravidar e depois ter a liberdade de ceifar a vida do embrião ou do feto ao seu bel-prazer é algo que, para mim, beira o absurdo. Acho que o aborto para acontecer tem que ter ao menos um motivo convincente, um motivo que transcenda a ideia egoística de que a mulher é dona do seu corpo, afinal, o feto não é o corpo da mulher.  
Num tema tão espinhoso, não há alternativa melhor do que um meio termo, que não se prenda a argumentos estatísticos enviesados. De fato morrem muitas mulheres em clínicas clandestinas. É lamentável que morram milhares de mulheres em clínicas clandestinas. Mas será que a melhor solução para reduzir esse quadro tão dramático seria mesmo legalizar o aborto? Talvez para a mulher, sim. Sem dúvida para a vida humana em formação, não. Nesse dilema, não seria melhor construir uma cultura de gravidez responsável? Disseminar ainda mais os métodos contraceptivos? Quem sabe até com o pílula do dia seguinte?
Sou um entusiasta da causa feminina, toco nesse tema com bastante desconforto, mas tenho uma opinião que não posso esconder. Sou contra o aborto imotivado. Sou contra o aborto que não tenha uma razão séria a justificá-lo. Sem um motivo bem sério, a minha opção é pelo pequeno coração que pulsa, com muita vontade de viver. 
Nossa missão é salvar a todos, mães e filhos.

domingo, 27 de novembro de 2016

RÁPIDAS

I. 
O Golpe de 2016 é golpe não apenas por destituir, sem razão suficiente, uma presidenta da República legitimamente eleita, mas também por visar à instalação de um Estado liberal – prova disso é a PEC do Corte de Gastos –, com a indisfarçável pretensão de destruir o Estado social implantado pela Constituição de 1988.

II. 
O Congresso Nacional está prestes de anistiar o Caixa 2, uma verdadeira carta branca para a corrupção generalizada, e a indignação das panelas, por onde anda? Será que o problema era mesmo a corrupção?

III.
Interessante que os nossos neofascistas são defensores ardorosos dos direitos humanos, mas somente quando os direitos humanos são violados em Cuba! Quando os direitos humanos são violados no Brasil ou nos EUA não se importam, porque 'bandido bom é bandido morto'...

IV. 
– E a ordem, pai?
– A ordem é dinâmica, filho! Agradeça aos loucos por não mais vivermos na Idade da Pedra!

V.
A grande dupla do Século XX da periferia do mundo!

sábado, 26 de novembro de 2016

FIDEL



"Os homens passam, os povos ficam; os homens passam, as ideias ficam." (Fidel Castro) (1926-2016)

domingo, 20 de novembro de 2016

ONEIDA



Meu nome é Oneida. Nasci na Palma em 1936, a primogênita do casal Maria do Carmo e Valdemar. Quando nasci, meu pai, cheio de alegria, tomou um trago e cantou bem alto:
– O pinto piou, seu Zé?! Piou no ovo?! É pinto novo!   
Tive uma infância feliz entre a Palma, as Pedrinhas e a Volta, cuidando dos irmãos mais novos e tomando banho no rio.
Quando dei por mim, já era uma adolescente e, na Volta, conheci José, rapaz bonito e elegante que me esperou ficar moça para nos casarmos. Fomos morar em Parnaíba. Tivemos Rita e Mauro, vivíamos felizes, até que José perdeu a vida num acidente de trânsito. Voltei para a Palma num caminhão de mudança com os meninos ainda pequenos. Comprei uma casa perto do meu irmão Oneon e procurei reunir forças para tocar a vida sozinha.    
Nunca esqueci José, ainda tenho no dedo a aliança dele junto da minha. Olho para a nossa foto na parede e acho que o tempo não passou; sonho com o retorno dele, sei que um dia nos reencontraremos.    
Quando a Rita e o Mauro já estavam criados, comecei a criar uma outra filha, Mariana Joyce. Pouco depois, a Rita casou, foi morar em Belém, o Mauro a acompanhou logo em seguida e a Mariana passou a ser minha única companhia. 
A Rita me deu três netos; o Mauro, três netas, mas, apesar dos muitos apelos, eu nunca quis largar a minha Palma. Tenho a minha casa, moro perto da igreja de Nossa Senhora da Piedade, assisto minhas novelas, conheço todo mundo... Papai e mamãe estão enterrados nesta terra; foi aqui que nasci, é aqui onde hei de morrer. 
Aos cinquenta anos começaram meus problemas de saúde. Assistia o Roque Santeiro quando tive a primeira crise. Hoje tenho oitenta anos. Nesses trinta anos passei por muita coisa. Estive entre a vida e a morte, fiz muitas cirurgias, não passo sem os remédios para isso e aquilo, mas estou aqui, resistindo, com fé em Deus e em Nossa Senhora. A Joyce já casou e teve dois filhos. Quando eles me visitam, fico em festa; quando vão embora, bate uma saudade!
No final do ano passado o Onezi veio me visitar. Ele mora em São Paulo e fazia muito tempo que não aparecia. Foi uma festa; Rita, Mauro, Joyce, os primos quase todos. Fazia tempo que eu não era tão feliz. 
Não ando bem de saúde. Nos últimos anos tenho piorado. Completei oitenta anos e sinto que, com a idade, fica cada vez mais difícil suportar as dores no corpo. Os remédios não fazem mais efeito. A cada despedida dos filhos e dos netos imagino que foi a última. 
O Oneon aparece à tarde para conversar comigo. Meu irmão tem muita história. Gosto de ouvir as histórias da família, de lembrar da mamãe, do papai, da Popô... A Onete morreu faz mais de dez anos. A Oneci está bem, mora perto e está sempre aqui por casa. Quero viver mais, quero viver até os cem anos.
Ano passado o Mauro me levou até a Parnaíba. Revemos a casa onde moramos, visitamos o túmulo do José, tomamos um banho na mesma praia, tive muitas recordações nessa viagem.  
Hoje já não posso mais me levantar. As pernas não respondem mais. Tenho dores por todo o corpo. Em setembro apareceram os meninos do Oneon. As meninas da Oneci e da Onete sempre me visitam. Depois da festa de setembro tive uma crise. Rita, Mauro e Joyce vieram às pressas. Achei que dessa não passaria. Com os três filhos por perto e os dedos cravados no rosário, tive uma melhora. Mauro pôde voltar para Beĺém. Com a ida dele, bateu-me uma saudade e as dores retornaram. Logo que peguei no sono, sonhei com o José vindo me buscar.

sábado, 19 de novembro de 2016

GOLPE LIBERAL


"Não resta dúvida que em determinados círculos das elites vinculadas a lideranças reacionárias está sendo programada a destruição do Estado social brasileiro. (...)
A Constituição de 1988 é basicamente em muitas de suas dimensões essenciais uma Constituição do Estado social. (...) Uma coisa é a Constituição do Estado liberal, outra a Constituição do Estado social." (Paulo Bonavides. Curso de Direito Constitucional. 5.ª edição. Malheiros. 1994. p. 336)

O Golpe de 2016 é golpe não apenas por destituir, sem razão suficiente, uma presidenta da República legitimamente eleita, mas também por visar à instalação de um Estado liberal – prova disso é a PEC do Corte de Gastos –, com a indisfarçável pretensão de destruir o Estado social implantado pela Constituição de 1988.

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

SONETO IX


Meu amigo, não sei por onde andas;
Ando atrás já faz tempo de saber.
Há na vida da gente tais demandas,
Que nos trazem o amargo padecer.

As medidas decerto não são brandas,
Mas não tens coisa alguma a esconder. 
Aparece aqui por estas bandas,
 Que te digo de pronto o que fazer.   

Os problemas se encaram pela frente;
É preciso manter-se adimplente,
No afeto e também no de comer. 
   
 Talvez foste um pouco indiferente,
Quando a vida te espera diligente
 Para veres sem medo o amanhecer.

Eliton Meneses

domingo, 13 de novembro de 2016

CEM ANOS DE SOLIDÃO


Uns anos atrás, peguei-me lendo Cem anos de solidão, numa tradução que acompanhava um certo jornal, e, sinceramente, não entendi nada. Estava lendo outras coisas e, naquela leitura rastejante, cheguei a duas conclusões: ou Cem anos de solidão não era tudo aquilo que falavam ou o problema estava em mim, talvez a falta de maturidade literária, talvez a falta de tempo, de sensibilidade ou de compromisso com aquela leitura específica. Por volta da página 50, sem achar nenhuma graça em meninos com rabos de porco, parei a leitura.
Há poucos dias, vi, na livraria, uma edição comemorativa de Cien años de soledad, semelhante à edição comemorativa dos 400 anos de Dom Quixote, da Real Academia Española, e resolvi comprar.
Quando comecei a ler, não parei mais. Parei de ler Guerra e Paz, parei de ler o Código de Processo Penal comentado, parei de fazer um recurso, parei tudo, até terminar a estória mais fantástica já escrita na América Latina, talvez a estória mais fantástica sobre a América Latina, aquela que toca o homem universal a partir do cotidiano do homem latino-americano, encenada num povoado chamado Macondo, que poderia muito bem chamar-se Coreaú ou qualquer outro rincão longínquo da América Latina.
O problema decerto estava em mim. Cien años de soledad desbrava um território antes inexplorado, abre uma dimensão do nosso inconsciente latino esquecido em meio a superficialidades tão óbvias.
A impressão que tive é de, visitando Macondo, ter revisitado a minha Coreaú, de ter penetrado na minha própria história por um atalho que me trouxe de volta cores, cheiros e gostos de outros tempos, de um tempo que realmente dá voltas em torno de si.
Lendo Cem anos de solidão, não há como não se afeiçoar por essa Pátria Grande que se chama América Latina, por essa comarca do mundo tão explorada, mas ao mesmo tempo tão fértil na relevação de um homem novo, um homem mestiço e plural, misto de Aurelianos, José Arcadios e Úrsulas, louco e gênio a um só tempo, que de um quarto escuro de um povoado esquecido consegue sentir e entender a solidão do mundo.
Vendo, por curiosidade, a lista dos 100 melhores livros de todos os tempos da Revista Bula, notei que Dom Quixote figurava na 1.ª posição e Cem anos de solidão na 5.ª. Não li muita coisa na vida, mas do que li, acho que Cem anos de solidão poderia subir facilmente para a 2.ª posição, e, quem sabe, a depender da perspectiva, desbancar o próprio Quixote.
Quem não leu Cem anos de solidão, ainda não teve o enorme prazer de mergulhar numa das maravilhas da literatura, numa maravilha que está plantada no nosso quintal, que está plantada dentro de nós mesmos e que retrata de maneira fiel o inconsciente coletivo de toda a América Latina.

CIEN AÑOS DE SOLEDAD


"Muchos años después, frente ao pelotón de fusilamiento, el coronel Aureliano Buendía había de recordar aquella tarde remota en que su padre lo llevó a conocer el hielo."
"El padre Nicanor, que jamás había visto de ese modo el juego de damas, no pudo volverlo a jugar. Cada vez más asombrado de la lucidez de José Arcadio Buendía, le preguntó cómo era posible que lo tuvieran amarrado en un árbol.
– Hoc est simplicisimum – contestó él –: porque estoy loco."
"Estaremos perdiendo el tiempo mientras los cabrones del partido estén mendigando un asiento en el congreso."
"La embriaguez del poder empezó a descomponerse en ráfagas de desazón."
"Extraviado en la soledad de su inmenso poder, empezó a perder el rumbo."
"En verdad, lo que interesaba a él no era el negocio sino el trabajo."
"– ¿Cómo está, coronel? – le dijo al pasar.
– Aquí – contestó él – . Esperando que pase mi entierro."
"'No estamos volviendo gente fina', protestaba. 'A este paso, terminaremos peleando otra vez contra el régimen conservador, pero ahora para poner un rey en su lugar'."
"Encerrado en el taller, el coronel Aureliano Buendía pensaba en estos cambios, y por primera vez en sus callados años de soledad lo atormentó la definida certidumbre de que había sido un error no proseguir la guerra hasta sus últimas consecuencias."
"– Lo mismo que Aureliano – exclamó Úrsula –. Es como si el mundo estuviera dando vueltas."
"Fue allí donde los ilusionistas del derecho demostraron que las reclamaciones carecían de toda validez, simplemente porque la compañía bananera no tenía, ni había tenido nunca ni tendría jamás trabajadores a su servicio, sino que los reclutaba ocasionalmente y con carácter temporal."
"Úrsula los oyó pasar desde su lecho de tinieblas y levantó la mano con los dedos en cruz."
"– Qué quería – murmuró –, el tiempo pasa.
– Así es – dijo Úrsula –, pero no tanto.
(...) y una vez más se estremeció con la comprobación de que el tiempo no pasa, como ella lo acababa de admitir, sino que daba vueltas en redondo."
"(...) escarbó tan profundamente en los sentimientos de ella, que buscando el interés encontró el amor, porque tratando de que ella lo quisiera terminó por quererla. (...) y fue así como en la plenitud del otoño volvió a creer en la superstición juvenil de que la pobreza era una servidumbre del amor."
"Su punto de vista, contrario a la interpretación general, era que Macondo fue un lugar próspero y bien encaminado hasta que lo desordenó y lo corrompió y lo exprimió la compañia bananera, cuyos ingenieros provocaron el diluvio como un pretexto para eludir compromisos con los trabajadores."
"(...) la verdad de que tambíen el tiempo sufría tropiezos y accidentes, y podían por tanto astillarse y dejar en un cuarto una fracción eternizada."
"(...) la historia de la familia era un engrenaje de repeticiones irreparables, una rueda giratoria que hubiera seguido dando vueltas hasta la eternidad, de no haber sido por el desgaste progresivo e irremediable del eje."
"Era lo último que iba quedando de un pasado cuyo aniquilamiento no se consumaba, porque seguía aniquilándose indefinidamente, consumiéndose dentro de sí mismo, acabándose a cada minuto pero sin acabar de acabarse jamás."
"– Ay, hijo – suspiró –. A mí me bastaría con estar seguro de que tú y yo existimos en este momento."
(Cien años de soledad. Gabriel García Márquez)

sábado, 5 de novembro de 2016

SONETO VIII


A riqueza existente neste mundo
Não se faz dividida por igual;
Um menino com fome, moribundo,
 Cata o lixo depois do Carnaval.

 Precisamos de corte mais profundo;
 Não somente migalha ocasional.
 Não podemos chamar de vagabundo
Esse órfão deitado num jornal.  

Vai fugindo tal qual um peregrino
Das trapaças da vida, sem ensino,
À espera das luzes do Natal.

Muitos sonhos povoam esse menino;
Ninguém sabe na vida o seu destino; 
Hoje um reles estorvo social.
 
Eliton Meneses

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

REFLEXÃO DO MÊS


Teve um tempo em que gente que hoje odeia o PT votava no PT. Teve um tempo até em que gente que hoje odeia o PT candidatava-se pelo PT... Era um tempo em que Lula estava na crista da onda. Um tempo em que o progressismo estava na moda. Nesse tempo, para ser ministro do STF, indicado pelo PT, ser progressista era uma condição indispensável. Nesse tempo, podem ter certeza, não passaria pela cabeça de certos ministros do STF – indicados pelo PT – votar, por exemplo, contra o direito de greve... Antes, era preciso ao menos simular progressismo para se chegar ao Supremo; hoje, no Brasil pós-golpe, pode-se agir com naturalidade, mesmo aqueles que deixaram um rastro de incoerência pelo caminho...

VIDA DE REPÚBLICA X



Os novatos que chegaram da Casa do Estudante pareciam ter saltado do inferno para o paraíso, sem escala no purgatório. Chegaram quando a casa já estava pacificada, sem Cabeça, Pedro Henrique e Bittencourt, e com mantimentos de sobra na geladeira. Mesmo assim, a dupla novata achou a casa o cúmulo da desorganização e ensaiou a imposição de uma nova ordem. Depois de provocarem a retirada de  Dona Marta e a filha, sugeriram a proibição da visita do T.A. e até certas restrições às visitas íntimas. O plano aparentemente era dominar a casa; no entanto, como a maioria estava coesa e incomodada com a ousadia deles, foi realizada uma reunião extraordinária e, após um debate renhido, eles passaram a compreender o significado de uma democracia. 
Finda a reunião, seguimos todos, até os novatos, na caravana do Chicão rumo à Mansão do Forró. Como ainda era cedo, mesmo sem dinheiro, paramos na Central para o esquenta. Sentar não podíamos, era cobrado couvert. O jeito foi ficar em pé, no aguardo de algum convite. Depois de alguns minutos, Caçador atendeu aos apelos de uma sorridente senhora. Ela deveria ter uns sessenta anos, mais de cem quilos e uma chapa que escorregava na boca. Ele sentou-se à mesa e, em seguida, me convidou para fazer companhia à amiga de Matilde, igualmente simpática. Em pouco tempo, todos estavam à mesa, tomando com desembaraço tudo o que era servido.
Matilde transbordava de felicidade. Enquanto dançava com o Caçador, mandou que nos servíssemos à vontade. A partir daí, o garçom não teve mais tempo de atender às outras mesas. Tudo corria bem, já havíamos até desistido de ir ao forró, quando, num deslize, Caçador jogou a noite da turma fora. Matilde tentou beijá-lo e ele, esquivando-se, pronunciou um audível: – Calma, tia!
Ela estancou prontamente, mudou de cor, olhou nos olhos dele e, com o dedo em riste, esbravejou:
– Tia? Você falou tia? Tia é o caralho, seu filho de uma puta! Dê o fora imediatamente daqui, seu veado! Você e todos esses vagabundos!
Ainda havia tempo, só não havia mais ânimo para ir ao forró. Voltamos para casa ainda cedo. Chicão e eu lamentando o ocorrido, os novatos se abrindo do Caçador.
Na segunda, uma nova greve foi deflagrada e a maioria dos residentes viajou para os seus interiores. Ficaram somente os novatos. Dois meses depois, finda a greve, encontramos um deles saboreando o que restara dos mantimentos. Uma xícara de café amargo acompanhada de chuchu.

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

VIDA DE REPÚBLICA IX



Dona Lúcia morava quatro casas depois da Réu. Fazia quentinha para sustentar as filhas e o ex-marido alcoólatra. Na semana tínhamos o RU, nos finais de semana e feriados, ou fazíamos a comida ou recorríamos à Dona Lúcia, que sempre nos acolhia com um sorriso largo. Comíamos com dinheiro ou sem dinheiro. A qualquer hora do dia ou da noite tinha sempre algo para saciar a fome dos residentes. Quando Caçador chegou embriagado de uma farra e desmaiou antes de chegar em casa, foi Dona Lúcia quem foi acudi-lo. Certa feita, o ex-marido tentou agredi-la, mas bastou a chegada de quinze residentes para o sujeito por o rabo entre as pernas e pegar o beco. 
As escavações do metrô já haviam começado e, apesar das rachaduras nas paredes de muitas casas, ninguém arredava pé da Carapinima. O comércio em frente não vendia fiado. O Minha Joia era simpático, mas não confundia amizade com negócio. A vizinha Rosa, enquanto esteve com o Cabeça, esbanjava simpatia, depois do fim do caso, virava o rosto sempre que nos via. Cabeça saía esporadicamente com ela até à festa do septuagésimo aniversário dela, depois se esquivou por completo até ela desistir de procurá-lo.  
Silvana, outra vizinha, não escondia o preconceito contra os residentes. Em toda conversa recomendava enfática aos demais moradores que não se misturassem com essa gente. Um bando de vagabundos. Até esses que se fingiam de estudiosos.  
Também próximo morava Seu Mário, cujos filhos adolescentes tinham aula de reforço na Réu duas vezes por semana. Seu Mário receava a má influência nos filhos da ala inconsequente da Réu, mas desejava a boa influência da ala estudiosa. Resolveu correr o risco. Poucos anos depois, um dos filhos se tornou médico, como o professor de reforço, e o outro, procurador federal. 
Com a interdição da rua pela obra do metrô, Minha Joia teve que mudar de endereço para não falir. Ninguém mais soube do seu paradeiro. Rosa foi acometida de Alzheimer e entregue a um abrigo. Soube-se de Silvana pela última vez suplicando um emprego a um ex-residente que se meteu na política. Seu Mário ganhou um apartamento dos filhos e também se mudou. Dona Lúcia, aos quarenta e dois anos, morreu de câncer. No seu velório, havia mais de cinquenta ex-residentes, todos com lágrimas nos olhos.

sábado, 22 de outubro de 2016

VIDA


O Carlos se foi 
O José se foi
Maria se foi...
Todos inda ontem
Com prata no bolso
Na flor da idade
Plantados no chão.

Ficou Dona Chica
Na praça, doente
Sorrindo sem dente
Velhinha, coitada
Me dando bom dia
De pires vazio  
Pedindo um tostão.

domingo, 16 de outubro de 2016

SONETO VII



Não sabemos o passo dessa dança,
Importada de terras bem distantes;
Nossos pares se lançam confiantes,
 Mas não acham a justa semelhança.

Não importa criar a nossa herança;
 Nossos passos são pouco relevantes;
Os insultos lançados nos rompantes
  Serão marcas perdidas na lembrança.

Somos feitos de bailes redundantes;
Um deserto de almas hesitantes,
Volta e meia tratadas qual criança.

Nesta terra de sonhos abundantes,
 Apesar dessas chagas lancinantes,
 Não podemos perder a esperança.

Eliton Meneses

quinta-feira, 13 de outubro de 2016

NOBEL DE LITERATURA


Para Harold Bloom, um dos maiores críticos literários da atualidade, o mexicano Octavio Paz e o português José Saramago são os dois únicos ganhadores recentes do Prêmio Nobel de Literatura que emprestaram dignidade ao prêmio.  
Neste ano de 2016, o laureado foi Bob Dylan, cantor e compositor célebre por clássicos como Like a Rolling Stone, Just Like a Woman e Blowin' in the Wind. Não tenho dúvida de que todas as homenagens prestadas a Mr. Bob Dylan no campo musical são mais que merecidas; não tenho dúvida de que, se houvesse um Prêmio Nobel de Música, ele estaria numa fila preferencial; não tenho dúvida até de que Mr. Bob Dylan poderia ser laureado sem contestação com um Prêmio Nobel da Paz, pelo teor pacifista de toda sua admirável obra musical... Mas Prêmio Nobel de Literatura? 
É preciso lembrar que esse prêmio foi negado a gênios como Jorge Luis Borges, Ernesto Sabato, Mario Benedetti, Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto. Só para ficar em escritores regionais que há pouco estavam entre nós. Os dois primeiros, argentinos; o segundo, uruguaio e os dois últimos, brasileiros.  
Não há dúvida de que a poesia de Bob Dylan contém literatura, mas uma literatura, digamos, convencional, muito distante, do ponto de vista literário, de algo fora de série como os contos de Borges ou a poesia de Drummond. 
Borges, Sabato, Benedetti, Drummond e João Cabral de Melo Neto não ganharam o Nobel de Literatura mesmo tendo escrito, cada um deles, o que há de melhor na literatura do seu tempo. A premiação de Bob Dylan confirma a tese de Harold Bloom. Octavio Paz e Saramago são apenas duas exceções, num prêmio cuja regra tem sido esquecer os melhores.
Não sei se compor na periferia do mundo traz alguma desvantagem na premiação, mas a impressão que se tem é que, ainda que fossem vivos, Cazuza e Renato Russo dificilmente seriam lembrados pela Academia Sueca... Belchior ainda não foi lembrado, talvez só porque meteu o pé na estrada... Like a Rolling Stone. Mas enquanto há vida, há esperança...

sábado, 8 de outubro de 2016

PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA


A Constituição Federal diz que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado – até o trânsito em julgado, gize-se – de sentença penal condenatória (art. 5.º, inciso LVII). Aí vem o STF e diz que, na verdade, não é bem assim; o certo é que ninguém será considerado culpado até decisão de 2.º grau...
O incrível é que ainda tem gente, com retórica utilitarista, que comemora essa decisão, como se isso não fosse um arrematado retrocesso numa garantia fundamental, como se isso não fosse mais um golpe constitucional, como se isso não fosse mais um precedente perigoso para a própria segurança jurídica do sistema constitucional. Daqui a pouco o STF interpreta ao seu bel-prazer todo e qualquer direito assegurado constitucionalmente, e já não poderemos dizer mais nada.
A Constituição Federal tem que ser respeitada naquilo que ela nos agrada, mas também naquilo que ela não nos agrada. Quanto àquilo que ela não nos agrada, temos duas saídas, se possível uma alteração, lutar por uma emenda constitucional, ou, em matéria de cláusula pétrea, como é o caso da presunção de inocência, ora tratado, lutar por uma nova Constituição Federal, mas nunca pensar em manobras hermenêuticas para reescrever a Constituição a pretexto de interpretá-la.
– Ah, mas dos 194 países do mundo, apenas no Brasil a presunção de inocência vai até o trânsito em julgado da decisão penal condenatória...
– Não são 194 países no mundo, são 206... De toda sorte, não tive tempo de ler as constituições de cada um deles, mas ainda que admitamos que todos os demais países do mundo prevêem prisão depois do julgamento de 2.º grau, quando a Constituição Federal de 1988 foi promulgada, todos os demais países do mundo já previam prisão depois do julgamento de 2.º grau e, ainda assim, a Constituição Federal optou pela prisão depois do trânsito em julgado. Seu argumento deveria ter sido levantado na Assembleia Constituinte, mais de 28 anos atrás; agora, é intempestivo e está precluso.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

FAIR PLAY


Numa eleição, há dois resultados possíveis: ou se ganha ou se perde. Quem ganha vira situação e quem perde vira oposição. Mais importante do que ganhar é saber ganhar e mais feio do que perder é não saber perder. Logo depois da vitória, o vencedor tem todo direito de comemorar, civilizadamente, sem necessidade de insultar o adversário. Logo depois da derrota, quem perde tem de botar a viola no saco e ir para casa, e não permanecer em campo tentando desqualificar o adversário. Mais importante do que o papel ou a posição que cada um desempenha no teatro da vida é o ser humano que atua nesse papel.

domingo, 2 de outubro de 2016

ETERNO RETORNO


Em Coreaú, ainda menino, vi uma pichação no Mercado que dizia: "Luiz Rico nunca mais!". Luiz Rico era Luiz Dico, tesoureiro plenipotenciário da gestão que acabava de ser derrotada nas urnas. Anos mais tarde, Luiz Dico foi derrotado por pouco mais de cem votos numa eleição acirrada; na eleição seguinte, foi eleito prefeito com sobra e depois reeleito com a saúde já debilitada, até que, poucos dias depois da posse no segundo mandato, veio a falecer. O certo é que, na democracia, assim como na vida, o eterno retorno é uma regra que jamais deve ser desprezada, porque "a eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez – e tu com ela..." (Nietzsche), até que a morte nos separe.

sábado, 1 de outubro de 2016

VÉSPERA DE ELEIÇÃO


Duas horas da madrugada, véspera de eleição, o candidato aparece no casebre no meio do nada.
– Ô, de casa!
Ninguém responde. O candidato insiste, bate palma, implora.
– Compadre, sou eu, o Vicente!
Depois de meia hora, finalmente um sinal de vida na casa.
– Apareceu, não é, compadre!? Depois de quatro anos é que apareceu! Não abro a porta para homem sem palavra.
– Que é isso, compadre?! Não me faça essa desfeita!
– Desfeita?! A desfeita quem fez foi o senhor!
– Ah, compadre, não diga isso! Não pense que esqueci a promessa da eleição passada!
– Não esqueceu? Pois o meu filho está aqui, quatro anos desempregado.
– Compadre, não é bem assim! Eu tinha um plano melhor para vocês.
– História de plano! Bastava o emprego do menino e pronto! Nosso voto o senhor não tem mais.
– Compadre, tenha calma, vou-lhe explicar o plano. Pensei assim, de que adiantaria um empreguinho de Prefeitura para o rapaz? A mixaria que ele ia ganhar não dava para pagar nem a caderneta da bodega e do bar. Depois de quatro anos, quando eu chegasse aqui, tenho certeza de que vocês não teriam guardado nem um conto de réis...
– Mesmo assim. O importante era cumprir a promessa!
– E cumpri. Cumpri de uma forma melhor do que o prometido.
– Não estou entendendo. O menino está aqui do meu lado, roncando, desempregado até hoje, e o senhor dizendo que cumpriu a promessa...
– Está desempregado, mas é como se estivesse empregado, compadre. O dinheiro do ordenado dele dos quatro anos, fui guardando, todo mês, sem precisar ele nem trabalhar, e está todo aqui, na minha mão; e eu vim hoje na sua casa não foi para pedir voto, mas só para entregar esse dinheiro todinho para o compadre e provar que eu sou é homem de palavra.
Dona Maria, que acompanhava atenta toda a conversa, tendo espiado pela brecha da janela e visto o maço de dinheiro na mão do candidato, quase deu uma agonia e repreendeu prontamente o marido ainda hesitante.
– Abre logo essa porta para o compadre, cabra sem-vergonha!

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

T. S. ELIOT


In the middle, not only in the middle of the way
but all the way, in a dark wood, in a bramble,
On the edge of a grimpen, where is no secure foothold,
And menaced by monsters, fancy lights,
Risking enchantment. Do not let me hear
Of the wisdom of old men, but rather of their folly,
Their fear of fear and frenzy, their fear of possession,
Of belonging to another, or to others, or to God.
The only wisdom we can hope to acquire
Is the wisdom of humility: humility is endless.

The houses are all gone under the sea.

The dancers are all gone under the hill.

(T. S. Eliot. Four Quartets)

No meio, não apenas no meio do caminho
mas ao longo do caminho, numa densa mata, num cipoal,
Na beira de um precipício, sem ter onde pisar,
Acossado por monstros, luzes surreais,
Meio enfeitiçado. Não desejo ouvir
A sabedoria do ancião, mas a sua loucura,
O seu medo de ter medo e a sua inquietação, o seu medo de ser dominado,
De pertencer ao outro, para o outro, ou para Deus.
A única sabedoria que desejo ter
É a sabedoria da humildade: a humildade sem fim.

As casas estão todas sob as águas.

Os dançarinos estão todos sob o chão.

(T. S. Eliot. Quatro Quartetos) (livre tradução)

VIDA DE REPÚBLICA VIII


A chegada do Gilmar foi um alento. Sujeito tranquilo, sábio, humilde. Era sobralense e a afinidade foi instantânea. Havia estudado em bons colégios, curtido uma infância e adolescência confortáveis, até a família sofrer um golpe do destino. Em verdade, um golpe de um agiota que se passara por amigo da família. O sujeito volta e meia almoçava na casa da família, seu Greta tinha nele um confidente, era praticamente um de casa. No entanto, depois da insistência do usurário, seu Greta tomou-lhe dois milhões de cruzeiros emprestados. Pouco tempo depois, a dívida atrasou, o amigo sumiu e apareceu o oficial de justiça com a polícia para penhorar a oficina de carros da família, de onde ela tirava todo o seu sustento.
A decepção talvez não fosse maior se não houvesse a agravante de ser o agiota um padre.
Depois do episódio, a família perdeu a veia capitalista. Os filhos saíram da escola particular e Gilmar acabou na Residência 1665 para estudar economia e se aprofundar em Marx.       
Com Gilmar, a troca de ideias era permanente. Debatíamos quase tudo, filosofia, história, música, futebol e até briga de galo. Gilmar assistira a muitas rinhas em Sobral e estava convicto de que a natureza dos galos os predispunha para o combate. Eu preferia acreditar que nas rinhas havia mais adestramento do que combatividade natural dos animais.  
Quando defendi que a resistência negra à escravidão teria sido tímida, contestou com veemência a ideia, obtemperando que a resistência negra foi maior do que se poderia esperar diante do bacamarte do opressor. 
Gilmar era um intelectual de esquerda, grande leitor, amante da cultura universal, companheiro de viagens, fã do Chico e do Belchior e, acima de tudo, um poeta, um poeta no sentido mais genuíno do termo. Foi por intermédio do Gilmar que cheguei em Dostoiévski, Borges, Rimbaud... 
Gilmar era um misto de filósofo pré-socrático e boêmio moderno, avesso ao vil metal, simpático ao budismo, flamenguista, chegado ao jazz de Sarah Vaughan e ao tango do Piazzolla e, obviamente, a um café e um chope. Tomamos muitos juntos e foram nesses momentos que as ideias fluíram melhor. Aliás, continuamos a tomar até hoje; afinal, Gilmar se tornou um amigo para a vida inteira, um daqueles que se contam nos dedos de uma mão. Decerto, a melhor herança da 1665.

sábado, 24 de setembro de 2016

CURTA-METRAGEM


Recebi há pouco e-mail com o seguinte teor:

"Assunto: Direitos autorais - Texto: 'Insana Guerra'

Olá, sr. Francisco! Tudo bom?

Sou o Fillipe dos Santos, diretor de produção em São Paulo. Estava na internet a procura de textos/poemas/poesias que possam gerar um bom roteiro e impacto para um curta-metragem promovendo a paz mundial e acabei encontrando seu texto, o 'Insana Guerra'. Gostaria de sua autorização para que eu possa criar um curta com base no seu texto. Quero deixar claro que o curta-mentragem não irá nos dar retorno financeiro. Seu nome estará nos créditos como autor do texto. Desde já agradeço e aguardo retorno.

Abraços!
Atenciosamente,
Fillipe d. Santos | Zero11 Agência
Dir. de Produção | (11) 2816-8493"

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

SONETO VI


Papagaio adestrado que repete
Cantilenas de livros ancestrais,
Passa o dia cuidando do topete
E a noite sonhando com metais.

Segue a vida tal qual marionete,
 Acredita em seres imortais;
Recusou a esmola do pivete,
Num boteco, cercado de vestais.

Preconceitos nutridos na fazenda;
São criados devotos de uma lenda
De que o mundo seria sempre igual.

Eu prefiro seguir por outra senda;
A difícil missão de uma emenda
 Do humano perdido em seu quintal.

Eliton Meneses

sábado, 17 de setembro de 2016

RAÍZES


Já não era o mesmo
Perdera o encanto
O trigo plantado
Na terra secou
Sonhara na messe
Fizera uma aposta
As velhas raízes
Não mais brotarão
A curva da história
Trará novo tempo
Todos de mãos dadas
Aos poucos iguais
Castelo de areia
As velhas raízes
Latentes na curva
Depois do sereno
Brotaram do chão
Há ódio na gente
O novo não veio
O aplauso de ontem
Também definhou
Horda puritana
De faca nos dentes
Por tamanha afronta
Só fala em prisão

Eliton Meneses

sexta-feira, 16 de setembro de 2016

TRIPLEX DO GUARUJÁ


A usucapião do famigerado Triplex do Guarujá – uma ação civil para o reconhecimento de propriedade – exigiria do Lula a prova de que possuía o imóvel como seu, ou seja, como dono, por 15 (quinze) anos ininterruptos e sem oposição (art. 1.238, Código Civil).
Na última usucapião que dei entrada, a petição inicial foi acompanhada de 126 (cento e vinte e seis) documentos comprovando a posse do imóvel, mas, ao longo do processo, ainda se exigiram outras provas.
Na ação penal por corrupção contra o Lula, quantas provas da posse do Triplex serão exigidas para a condenação?
– Nenhuma. Deixem de ser besta: Lula já está condenado! Com prova ou sem prova. Quando há a intenção de condenar, basta convicção, ilação e malabarismo retórico.

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

CERTEZA


Um professor de filosofia me dizia que começou suas investigações com muitas certezas, mas concluía a vida com apenas três: uma no passado, a certeza de que havia nascido; a segunda no futuro, a certeza de que de iria morrer, e a última no presente, a certeza de que Deus existe.
Em matéria de certezas, fico com Fernando Pessoa:
"Em todos os manicómios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?"

domingo, 4 de setembro de 2016

ANTÍGONA :: SÓFOCLES


"Há leis que não são direito e há um direito acima das leis (...) Quando nem sequer se aspira a realizar a justiça, quando na formulação do direito positivo se deixa de lado conscientemente a igualdade, que constitui o núcleo da justiça, então não estamos diante de uma lei que estabelece um direito defeituoso, mas o que ocorre é que estamos diante de um caso de ausência de direito." (Gustav Radbruch)


sexta-feira, 2 de setembro de 2016

SONETO V


Neste templo sombrio onde paraste,
 Vigem regras deveras obscuras;
Os pastores dirão que claudicaste
Ao rebanho sedento de almas puras.

Saberás para sempre que erraste;
Foste igual nesta vida a vis figuras;
Doravante, porém, que acordaste,
Afianças debalde as tuas juras. 

Não soubeste domar o teu instinto;
Te deixaste cair num labirinto,
Seduzido por falsas tentações. 

Não querias saber o que eu sinto,
 Nunca mais sairás desse recinto,
Onde sofres eternas provações.

Eliton Meneses

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

CANÇÃO DO TAMOIO


Não chores, meu filho;
Não chores, que a vida
É luta renhida:
Viver é lutar.
A vida é combate,
Que os fracos abate,
Que os fortes, os bravos
Só pode exaltar.

(Gonçalves Dias)

GOLPE DE 2016


A teratologia jurídica que foi esse golpe não poderia ter um desfecho que não fosse igualmente insólito. Condenar Dilma à perda do cargo, sem a inabilitação para o exercício de função pública, quando a Constituição dispõe que a condenação deve ser "à perda do cargo, com inabilitação, (...), para o exercício de função pública" (art. 52, parágrafo único, CF/88), é a confissão inconsciente de que Dilma não está sendo condenada por cometer crime de responsabilidade, mas por ganhar uma eleição...

CONSUMMATUM EST




terça-feira, 30 de agosto de 2016

MUNICÍPIOS MAIS POPULOSOS DO CEARÁ


Fortaleza :: 2.609.716
Caucaia :: 358.164
Juazeiro do Norte :: 268.248
Maracanaú :: 223.188
Sobral :: 203.682
Crato :: 129.662
Itapipoca :: 126.234
Maranguape :: 125.058
Iguatu :: 102.013
Quixadá :: 85.991
Pacatuba :: 81.627
Aquiraz :: 78.438
Quixeramobim :: 77.931
Canindé :: 77.261
Russas :: 75.762
Crateús :: 74.350
Tianguá :: 74.107
Aracati :: 73.188
Cascavel :: 70.574
Pacajus :: 69.877
Icó :: 67.345
Horizonte :: 64.673
Camocim :: 62.734
Morada Nova :: 61.722
Acaraú :: 61.715

Fonte: IBGE. Estimativa 2016

segunda-feira, 29 de agosto de 2016

RAZÕES DE APELAÇÃO :: CRIME


CURTAS


"A democracia é o lado certo da história." Dilma Rousseff

Se esse golpe se presta a alguma coisa de futuro, essa coisa é a prova do quão forte pode ser uma mulher.

Se esse golpe se presta a alguma coisa de futuro, essa coisa é a prova do quão forte pode ser uma mulher.

sexta-feira, 26 de agosto de 2016

SONETO IV


Tens o peso do mundo em tuas costas;
Uma vida envolta de problemas;
A cabeça repleta de dilemas;
Matutavas atrás de umas respostas.

Receavas descer altas encostas;
Desejavas criar novos sistemas,
Um modelo guiado por poemas,
Que tornasse reais tuas apostas.

Não querias cessar tua risada;
Não pensavas cair numa cilada,
Pois julgavas a vida uma ciranda.
 
Não sabias do mundo quase nada;
Esperavas o fim da estiada,
Vendo a chuva deitado na varanda.

Eliton Meneses

sexta-feira, 19 de agosto de 2016

SANTANA


Santana não aceitava ser chamado só de doutor. Exigia o tratamento adequado. Era pós-doutor. Pós-doutor Santana do Amaral. Não fizera três anos de pós-doutorado numa universidade distante para ser destratado pela gente inculta. Foram muitas noites em claro para ser tratado como qualquer um. Quando o chamavam apenas pelo nome, fingia-se de mouco. Mas se o tratavam por doutor, emendava prontamente: 
– Pós-doutor. Pós-doutor Santana do Amaral.  
De nada adiantava dizerem-lhe que o título acadêmico não importava em tratamento diferenciado na vida cotidiana. 
– Cada macaco no seu galho! Faça pós-doutorado e depois conversamos...    
O pós-doutor Santana era professor de física desempregado. Tanto se dedicara à pós-graduação que se esqueceu de arrumar um emprego. O último que apareceu era longe demais e pagava uma miséria. Sua tese sobre o deslocamento dos anéis de Urano não despertara a atenção de universidade alguma. Para não ficar completamente ocioso, resolveu dar aula de reforço para alunos do ensino médio.
Considerava um insulto os adolescentes tratarem-no apenas pelo nome, quando muito por professor Santana. Tentou inicialmente corrigi-los, mas foi debalde. Um deles foi logo dizendo:
– Deixa de besteira Santana! Doutor é quem tem dinheiro!

sábado, 13 de agosto de 2016

VIDA DE REPÚBLICA VII


Minha relação com o Direito foi bem conflituosa. No primeiro semestre, fui algumas vezes estudar à tarde na biblioteca da faculdade, mas logo passei a andar com mais frequência na do Centro de Humanidades, cujo acervo me agradava mais. No Direito, os livros eram velhos e intragáveis; na Humanidades, encontrei o que gostava, literatura, história, filosofia... Nos primeiros semestres do curso, o que menos estudei foi direito, em vez disso li muito Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Celso Furtado... Esse deleite teve um preço, as notas das primeiras disciplinas foram um tanto sofríveis.  
Ia a pé da 1665 para a faculdade, de chinelo, calção e camiseta velha. A maioria dos colegas de turma já chegava de carro, roupas elegantes, perfume importado, celulares e carteiras volumosas. Naturalmente, as afinidades foram poucas. Só no segundo semestre, quando apareceram o Chagas e o Rangel, ambos também interioranos, a coisa melhorou um pouco.    
Mantive inconscientemente o embalo da preparação para o vestibular. Normalmente dormia depois de uma da manhã, estudando na sala dos fundos da Réu. Bernaldo, em preparação para concurso, antes da meia noite pedia arrego. Na sala de estudo da casa vizinha um estudante de medicina lia até mais tarde.
A política estudantil nessa época estava em franca decadência. A fama do centro acadêmico e do diretório central dos estudantes era horrível. Quando o comando do DCE caiu nas mãos da turma que se reunia na Réu, comprovei que a decadência era completa e fiquei aliviado por não ter participado. Tinha consciência de que minha formação encerrava lacunas enormes que precisavam ser colmatadas com muitas leituras, sobretudo extrajurídicas. A prioridade era arranjar um estágio e passar num concurso antes de terminar o curso, além de melhorar a formação geral. 
Dava umas aulas particulares na Aldeota de matemática e física, e saía apressado para o inglês na Casa de Cultura. Um residente vizinho havia aconselhado que eu nem fizesse a prova de admissão, pois o inglês da Cultura era muito concorrido e poucos residentes passavam. Ele tinha passado, mas... Notei a empáfia. Ele podia; eu, não. Fiz a prova e tirei o primeiro lugar geral.
Antes do meio do curso fiz uma provinha e fui chamado a estagiar no escritório modelo da faculdade. Como era residente, ganhei uma bolsa de meio salário mínimo. Segunda, quarta e sexta passava toda a manhã atendendo à população carente. Isso durou pouco tempo, o ritmo de estudo continuou e, logo em seguida, passei em dois concursos: um para técnico da Justiça Federal e outro para escrivão da Polícia Civil. Quando já ia para o curso de formação da Polícia, a Justiça Federal me nomeou e as coisa tomaram um novo rumo. Meu primeiro salário correspondia a dez salários mínimos. Tomei um susto quando vi tudo aquilo na conta. Depois disso, os colegas de celular e carteira volumosa passaram a me olhar com simpatia e alguns até me procuraram para pedir umas dicas de como passar em concurso.    
Continuei sobriamente a vida de residente. Quando não dava tempo ir ao restaurante universitário, comia numa espelunca o almoço de setenta centavos. Caçador se espantava. Dizia que eu devia passar a comer em restaurante sofisticado... Continuei inclusive como diretor da Réu, até que o Irmão me denunciou na Pró-reitoria. Irmão era meu amigo, mas, como pretendia ser diretor, resolveu ir na Pró-reitoria dizer que eu já estava empregado e que tinha inclusive comprado um carro. O máximo que consegui foi o prazo de um mês para desocupar. Acho que ele leu "O Príncipe", que me havia pedido emprestado e nunca devolveu. Leu e não entendeu, porque o Gilmar ficou como diretor provisório, herdando a cobiçada bolsa de meio salário, e, meses depois, o Irmão, em vez de se tornar diretor, foi mais uma vez expulso de uma Réu.

domingo, 31 de julho de 2016

CONSTITUIÇÃO FEDERAL


TÍTULO X
ATO DAS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS TRANSITÓRIAS

Art. 98. O número de defensores públicos na unidade jurisdicional será proporcional à efetiva demanda pelo serviço da Defensoria Pública e à respectiva população. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)

§ 1º No prazo de 8 (oito) anos, a União, os Estados e o Distrito Federal deverão contar com defensores públicos em todas as unidades jurisdicionais, observado o disposto no caput deste artigo. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014)

§ 2º Durante o decurso do prazo previsto no § 1º deste artigo, a lotação dos defensores públicos ocorrerá, prioritariamente, atendendo as regiões com maiores índices de exclusão social e adensamento populacional. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 80, de 2014) (negritamos)

O QUE HOUVE, AMIGO?


Por que estás assim capiongo?
Não imaginavas ser tão longo
O mar que estás atravessando?
Sei bem no que estás pensando:
As águas deveras 'tão revoltas,
Mas as velas precisam estar soltas
Para a jangada cruzar o temporal.
Esse balanço, amigo, bem ou mal,
É o compasso da vida, que não para;
Às vezes, no outro nem se repara,
Até que o mal se achegue a nós.
Agora, amigo, que estamos a sós,
Diga-me o que queres então fazer,
Não queiras somente maldizer
Os céus pela graça não recebida;
Ainda não é tempo de partida;
Estás meio assim, acabrunhado,
O rosto um tanto encarquilhado,
E pede-me encarecido um conselho?
Amigo, não sou nenhum espelho,
Não sei como finda a tempestade
Ou mesmo se existe uma verdade;
Só sei que é preciso ter coragem;
E, se queres ainda uma mensagem:
Vamos, amigo, sigamos em frente.
É hora de remar, tranquilamente,
Nós dois, juntos, no mesmo barco,
Que uma hora, talvez sem perceber,
Chegaremos enfim naquele marco
Que no horizonte começa a aparecer.

Eliton Meneses

MAIS MÉDICOS


O que dizer para uma médica cubana que, em Coreaú, me relata sua experiência profissional na América Latina?
– ¡Que esta revolución sea eterna!

P.S.: Anayansi Arambary Serra é de origem humilde, é de Matanzas, Cuba, e participa do Programa Mais Médicos.

terça-feira, 26 de julho de 2016

FUTEBOL


Quando eu era menor eu não gostava de futebol quando meu pai disse que o Ceará perdeu para o cruzeiro eu não fiquei triste porque eu não sabia direito eu pensava que so os times grandes batiam os pequenos meu pai me levava para ver o treino do Ceará mas eu não ficava nem a i porque eu não amava futebol quando eu fui para a Argentina meu pai me levou para o labombonera ele disse que i a comprar uma camisa do Boca pra mim a i fiquei animado mas não comprou, um dia meu pai me convidou para ir a o jogo Ceará x chapecoense eu ele e o amigo dele quando ouvi a torcida cantar fiquei interessado quando o Ceará vez um gol fiquei muito feliz o jogo terminou no 1x1 no pv eu comecei a gostar de futebol , mas quando fui primeira vez no castelão não entrei com o Magno Alves que hoje e do Flu mas quando entrei no estádio e ouvi a torcida cantar fiquei emocionado e comecei a cantar também mas quando o jogo terminou fiquei super feliz ver o meu time ganhar de 2 x 0 do Vasco Sendo também que o Ceará tinha perdido fora de casa do Vasco, mas descontou em casa , depois fui para vários outros jogos no castelão fiquei Apaixonado por futebol quando fui para o primeiro clássico rei fiquei animado quando o Ceará Abriu 1 x 0 mas no final o Fortaleza virou mas no segundo jogo o Ceará venceu por 2 x 1 o Fortaleza e a i eu fiquei muito feliz . E foi assim que eu virei um grande apaixonado por futebol.

João Pedro Fontenele

sábado, 23 de julho de 2016

DIÁRIO DE VIAGEM



Quando menino, costumava deitar-me no cimento frio da sala de casa, enquanto o pessoal assistia à novela das oito. O vento da noite varria o corpo esquálido e os pensamentos pegavam carona no caminhão que cruzava a rodovia próxima e seguiam mundo afora. 
Tia Oneida um dia sussurrou:
– Tão magrinho! Dá até pra contar as costelas!
Pensava em lugares distantes, como a Rússia fria; viajava por estradas compridas que davam no mundo inteiro, muito embora nunca tivesse ido à vizinha Moraújo. Talvez a dificuldade de ir para além da própria rua, às vezes da própria porta de casa, tenha-me despertado o interesse de conhecer o mundo. 
Nestas férias, saímos de carro sem itinerário certo. A ideia era seguir pelo litoral até Alagoas, sem nenhum cronograma, sem reserva de hotel, parando onde desse na telha. De Fortaleza a Natal cruzamos um trecho comprido; passamos por Mossoró e seguimos pelo sertão potiguar numa estrada reta quase sem fim. Não notei nenhuma diferença entre o sertão e o agreste; apenas próximo ao litoral a paisagem tornou-se verdejante. Chegamos em Natal no começo da noite e fomos à Ponta Negra atrás de hotel. Na segunda tentativa achamos um bem razoável com vista para o Morro do Careca. Jantamos nos arredores ao som de um autêntico forró e depois fomos dormir; no meio da manhã seguinte iríamos para Recife.
Na BR-101, os canaviais a perder de vista e alguns resquícios de floresta da Zona Mata descortinaram um cenário paradisíaco. A via duplicada e bem conservada garantiu uma viagem rápida e prazerosa até Recife. Na Paraíba, paramos apenas para abastecer e recordamos, no percurso, em meio ao verde da cana, os romances de José Lins do Rego e José Américo de Almeida, enquanto cantavam Táxi Lunar os também paraibanos Zé e Elba Ramalho...
No Recife ficamos três dias num hotel barato em Boa Viagem, reservado previamente por um aplicativo baixado no celular. Assim, conseguimos a um só tempo segurança, comodidade e preço baixo. Outro aplicativo baixado foi o Google Maps, que serviu bastante na orientação. Rodamos por Recife sem qualquer problema, como se já a conhecêssemos, graças ao Google Maps.
Passamos praticamente um dia inteiro no centro histórico de Olinda, onde tivemos a grata surpresa de encontrar o amigo Hilton, de Aracati. Olinda é de encher os olhos, um patrimônio histórico da humanidade, um dos lugares mais belos do Brasil.
Em Recife, relemos Morte e Vida Severina, do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, e fizemos um típico programa de cidade grande. Num dos dias, fomos a Porto de Galinhas, a 60 quilômetros da capital, que continua bela e encantadora, conquanto já bastante urbanizada. 
No dia seguinte, tomamos a famosa BR-101 com destino a Maragogi, nas Alagoas. Erramos o caminho; deveríamos ter ido pelo litoral e não pela 101; os 120 quilômetros previstos tornaram-se mais de duzentos. De toda sorte, entre a despovoada Gameleira e o litoral passamos pela região mais pitoresca de toda a viagem, um cenário típico de um Brasil Colonial. 
Ficamos dois dias em Maragogi. Imaginava ser uma vila de pescadores, mas encontrei uma cidade com Fórum, Prefeitura, centro comercial... As piscinas naturais, por conta da maré, estavam interditadas. Fizemos outro passeio,  mergulhamos e vimos alguns peixes. As águas, devido ao inverno, estavam um pouco turvas. Maragogi não foi exatamente o que imaginávamos, mas, como diz o poeta, tudo vale a pena, se a alma não é pequena...
Na volta, passamos pela bela João Pessoa, na Paraíba. Assistimos ao jogo Botafogo x Ceará, num estádio Almeidão decrépito, passamos a manhã seguinte na Estação Ciência, demos uma espiada na Ponta do Seixas e fomos almoçar com a amiga Adlany, ex-colega de PGE/RR. 
No mesmo dia seguimos para Natal para jantar com o amigo Mardone, coreauense que até então conhecíamos apenas nas lidas virtuais.    
Depois de uma parada em Canoa Quebrada para um café, chegamos em Fortaleza ao final de quase dez dias de estrada, numa aventura única e inesquecível.

sexta-feira, 22 de julho de 2016

MORDAÇA


Escola sem partido;
Família sem partido;
Igreja sem partido...
Um único partido:
Partido sem partido.

Eliton Meneses

segunda-feira, 18 de julho de 2016

SONETO III


Saímos com destino às Alagoas,
Parando onde o sol desse parada;
Em qualquer canto belo da estrada,
Que merecesse as mais sinceras loas.

Cruzamos muitos rios e gamboas,
Por entre a verde cana celebrada;
Depois da noite fria na pousada,
Cortamos rasas praias em canoas.

Ficamos com a vista marejada
E com a mente livre de garoas,
Pela estima no meio encontrada.

Norteando melhor as nossas proas,
Concluímos no fim dessa jornada:
Que o que fica mesmo são pessoas.

Eliton Meneses

domingo, 17 de julho de 2016

O CAPOTE. GÓGOL


(...)
Akáki Akákievitch já sentira por antecipação a inevitável timidez, ficou meio confuso e, falando na medida em que a desenvoltura da língua lhe permitia, explicou, acrescentando o "aquilo" até mais amiúde que antes, que tinha um capote novinho em folha, mas que o haviam roubado de maneira desumana e que se dirigia a ele pedindo para interceder de algum modo, entrar em contato com o chefe de polícia e dar um jeito de encontrar o capote. Sabe Deus por quê, mas o fato é que o general achou que Akáki Akákievitch estava usando de intimidade.
– Meu caro senhor – continuou ele com voz entrecortada –, o senhor por acaso não conhece o regulamento? não sabe onde se encontra? como se encaminham as coisas? o senhor devia ter antes apresentado uma solicitação à repartição; esta a enviaria ao chefe da seção, ao chefe do departamento, depois ao secretário e então o secretário a passaria para mim... 
– Mas Excelência – Akáki Akákievitch procurava reunir toda a pequena fração de presença de espírito que lhe restava, sentia que estava terrivelmente suado –, Excelência, tive a ousadia de importuná-lo porque esses secretários são aquilo... uma gente pouco confiável...
– O quê? O quê? O quê? – disse o figurão. – De onde lhe vêm essas ideias? Que desmandos são esses que os jovens andam cometendo contra seus chefes e superiores?! – O figurão pareceu não notar que Akáki Akákievitch já passava dos cinquenta anos. Portanto, se ele pudesse ser qualificado de jovem, isso só seria possível em termos relativos, isto é, se comparado com quem já estivesse na casa dos setenta. – O senhor por acaso não sabe com quem está falando? Será que não compreende diante de quem se encontra? Compreende ou não? Estou lhe perguntando. – E bateu com o pé, elevando a voz a um timbre que deixaria não só Akáki Akákievitch apavorado.  
Akáki Akákievitch ficou deveras estupefato, cambaleou, tremeu todo e perdeu toda a condição de se aguentar sobre as pernas: se os contínuos não tivessem acorrido imediatamente para segurá-lo, ele teria despencado; saiu quase carregado. Quanto ao nosso figurão, satisfeito em ver que o efeito tinha até superado a expectativa e completamente embriagado pela ideia de que sua palavra podia até fazer uma pessoa desmaiar, olhou de esguelha para o amigo a fim de verificar a sua reação, e não foi sem satisfação que o viu num estado completamente indefinido, e por sua vez começando até a sentir medo.       
Como desceu a escada, como tomou a rua – nada disso Akáki Akákievitch sequer chegou a notar. Não sentia os braços nem as pernas. Nunca fora tão fortemente repreendido por um general, e ainda por cima de outra repartição. Caminhou em meio à nevasca que assobiava pelas ruas, boquiaberto, desviando-se atrapalhadamente das calçadas; seguindo o costume de Petersburgo, o vento o atacava de todos os lados, de todos os becos. Num abrir e fechar de olhos apanhou uma angina e chegou em casa aos trancos e barrancos, sem força para dizer uma só palavra; todo inchado, deitou-se na cama. Que força tem às vezes uma reprimenda devidamente passada! No dia seguinte, já estava com febre alta. Graças ao generoso auxílio do clima de Petersburgo, a doença evoluiu com mais rapidez do que se poderia esperar, e, quando o médico apareceu e lhe tomou o pulso, nada teve a fazer senão receitar uma compressa, e mesmo assim só para que o doente não ficasse sem o beneficente socorro da medicina; de resto, comunicou-lhe no mesmo instante que dentro de uns dois dias a morte era certa. Depois disso dirigiu-se à senhorita e disse:
– Quanto à senhora, não perca tempo à toa: encomende agora mesmo um caixão de pinho, porque o de carvalho ficará muito caro para ele.
(...)
(O Capote. Nikolai Gógol)

quarta-feira, 6 de julho de 2016

LÉGUA TIRANA


Naquela estrada deserta,
Nunca antes percorrida,
Fez-se nova descoberta,
Tantas vezes escondida.
Tudo nela punha medo;
Não se sabia o segredo
Dessa entrada proibida.
Era envolta de mistério;
Levaria ao cemitério;
Um caminho só de ida.

Uma alma então liberta
Resolveu ser destemida.
Desprezou aquele alerta;
Deixou de ser reprimida.
Pôs o pé naquela estrada,
Deu início à caminhada,
Novo rumo em sua vida.
O que vira em sua frente
Fora tudo diferente,
Foi seu ponto de partida.

Eliton Meneses

quinta-feira, 30 de junho de 2016

NOTA DE APOIO AO PL 04/2016


Por uma Defensoria Pública ampliada, autônoma, isonômica e consciente do seu papel social

Nós, organizações, grupos, coletivos, movimentos sociais e defensores(as) dos direitos humanos abaixo assinadas(os), reafirmamos o apoio à Defensoria Pública do Estado do Ceará que tem sido, desde a sua concepção, a principal instituição do sistema de justiça contra as desigualdades sociais e em defesa do Estado Democrático de Direitos. Além disso, é a única instituição do sistema de justiça que mantém um canal direto com a sociedade civil, organizada ou não: a Ouvidoria Geral Externa.
Vivemos uma conjuntura política e econômica conservadora, que tem ampliado as vulnerabilidades sociais e as estratégias de criminalização dos movimentos sociais, restringindo a atuação dos(as) defensores(as) e instituições que defendem os Direitos Humanos. A Defensoria Pública é uma dessas instituições, senão a principal, tendo em vista a sua autonomia que garante uma postura ativa na luta pelo direito fundamental de acesso igualitário à justiça, à efetivação universal dos direitos básicos das pessoas, sem qualquer diferenciação, à defesa das camadas socialmente vulneráveis e à construção de uma democracia realmente substancial. Compreendemos que a estrutura das desigualdades dá-se pela omissão do Estado, o que exige uma Defensoria Pública cada vez mais ampliada, em número de Defensores(as) e região atendida, e fortalecida, em termos políticos.
Lutamos por esta instituição e ela é uma conquista nossa. Por isso, renovamos o nosso apoio em um momento político de reafirmação e redefinição dos papéis, em defesa da igualdade e do reconhecimento do papel da Defensoria Pública no sistema de justiça, já que quem acusa e julga se compraz com a aplicação formalista da lei, seguindo indiferente às reivindicações por justiça social, inclusão dos(as) marginalizados(as) e ampliação da cidadania. Enquanto houver disparidade entre quem julga, quem acusa e quem defende dentro do sistema de justiça, sabemos que haverá prejuízo à população, sobretudo as populações mais empobrecidas, jovens, negras e tradicionais, que historicamente tiveram os seus direitos negados.
O tratamento isonômico é imprescindível para a importância “jurídico-institucional” e “político-social” da Defensoria Pública, para que possamos visualizar a redução dos processos de exclusão que coloca mulheres e homens, injustamente, à margem das grandes conquistas jurídicas e sociais.
Afirmamos que o Projeto de Lei nº 04/2016 foi construído em um amplo trabalho de mobilização da sociedade civil que participou de audiências públicas para a construção do orçamento participativo de 2017, e das políticas institucionais a serem adotadas pela Defensoria Pública, visando uma atuação política mais próxima dos anseios dos diferentes segmentos sociais. Assim, esperamos que os(as) representantes do Legislativo cearense aprovem as prerrogativas institucionais apresentadas no Pl 04/2016 que deverão garantir uma instituição fortalecida e comprometida com a transformação social e a construção de uma democracia substantiva por meio de estratégias emancipadoras.

Assinam esta Nota Pública:

1 – ACALMA – Associação dos Cultivadores de Algas do Maceió – Itapipoca;
2 – Articulação das mulheres indígenas do Ceará- AMICE;
3 – Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo- APOINME/MR- Ce;
4 – Assessoria de Gênero do Território da Ibiapaba;
5 – Assessoria em Gestão Social – Território Serra da Ibiapaba;
6 – Associação Beneficente de Messejana;
7 – Associação Comunitária de Moradores de Tatajuba/ Camocim;
8 – Associação da Ilha São José-Aracati/CE;
9 – Associação do Alto São José de Pacatuba;
10 – Associação dos Geógrafos do Ceará;
11 – Associação do Parque Manueiro;
12 – Associação dos Agentes do Meio Ambiente de Pacatuba;
13 – Associação dos Moradores de Nossa Senhora das Graças;
14 – Associação dos Privados de Liberdade – APL;
15 – Associação Marjolandia;
16 – Associação Quilombola do Cumbe/Aracati;
17 – Casa de Cultura e Defesa da Mulher Chiquinha Gonzaga;
18 – Cáritas Arquidiocesana de Fortaleza;
19 – Cáritas Arquidiocesana do Crato;
20 – Cáritas Brasileira Regional Ceará;
21 – Cáritas Diocesana de Limoeiro do Norte;
22 – Cearah Periferia;
23 – CEDECA;
24 – Centro de Defesa da Vida Herbert de Sousa;
25 – Centro de Defesa Pastoral dos Direitos Humanos – CDPDH;
26 – Conselho Comunitário de Desenvolvimento Social- CCDS – Cariri;
27 – Conselho Municipal de Direitos da Mulher Cratense – CMDMC;
28 – Conselho de Moradores do Grande Pici;
29 – Conselho Pastoral dos Pescadores – Ceará;
30 – Comunidade do Bairro Edson Queiroz;
31 – Conselho Nacional de Ouvidorias Externas das Defensorias Públicas Estaduais;
32 – Consulta Popular;
33 – Coordenação das Organizações e Povos Indígenas do Ceará- COPICE;
34 – DIACONIA;
35 – Escola de Formação Política e Cidadania – ESPAF;
36 – Federação das Organizações Sociais do Município de Tauá – FOSMUT;
37 – Federação de Entidades de Bairros e Favelas de Fortaleza;
38 – Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Ceará – FETRAECE;
39 – Fundação Educacional e Cultural Papai Noel;
40 – Fórum Cearense de Mulheres;
41 – Fórum Comunitário de Aracati;
42 – Fórum das Águas do Cariri;
43 – Fórum DCA;
44 – Frente de Mulheres de Movimento do Cariri;
45 – Grupo de Amor e Prevenção pela Vida – GAP Vida de Maracanaú;
46 – Grupo de Valorização Negra do Cariri – GRUNEC;
47 – Instituto Maria da Penha – IMP;
48 – Instituto Negra do Ceará – INEGRA;
49 – Instituto Terramar;
50 – Levante Popular da Juventude;
51 – Moradores do Bairro Dias Macedo;
52 – Moradores do Parque Jerusalém;
53 – Movimento de Luta nos Bairros Vilas e Favelas – MLB Brasil;
54 – Movimento de Mulheres Olga Benário;
55 – Movimento dos Conselhos Populares;
56 – Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais – Ceará;
57 – Movimento Ibiapabano de Mulheres – MIM;
58 – Movimento luta de classes – MLC;
59 – Movimento Mulheres em Luta Cariri;
60 – Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua – Ceará;
61 – Movimento Organizado dos Trabalhadores e Trabalhadoras Urbanos;
62 – Movimento Quanto Vale uma Vida;
63 – Movimento Saúde Mental Comunitária – MSMC;
64 – Núcleo Cearense de Estudos e Pesquisas sobre a Criança – Nucepec;
65 – Pastoral do Menor da Regional Nordeste 1 Ceará;
66 – Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Ceará;
67 – Organização dos professores Indígenas do Ceará – OPRICE;
68 – Organização Popular de Aracati – OPA;
69 – Pastoral da Juventude do Meio Popular;
70 – Pastoral Carcerária;
71 – Rede DLIS do Grande Bom Jardim;
72 – Rede Nacional dos Advogados Populares- RENAP;
73 – Secretaria de Mulheres da CUT – Ceará;
74 – Sindicato dos Comerciários de Crato;
75 – Sindicato dos Docentes da Universidade Regional do Cariri;
76 – Sociedade Comunitária de Habitação Popular Terra Nossa;
77 – Sociedade Comunitária Rosalina;
78 – STTR de Tianguá;
79 – Terre des Hommes;
80 – União da Juventude Rebelião – UJR;
81 – União dos Estudantes Secundaristas da Região Metropolitana de Fortaleza – UESM.

Fonte: Associação dos Defensores Públicos do Estado do Ceará (Adpec).