terça-feira, 31 de outubro de 2017

FRASE DO MÊS


"Todo sucede por primera vez, pero de un modo eterno." (Borges)

XLII


O sol não declinou no fim da tarde;
Aos poucos foi sentindo a diferença;
O corpo, sem sintoma da doença,
Tornou de novo à vida sem alarde.

A alma, comovida, já não arde;
Defeitos nós trazemos de nascença;
Apenas Deus nos pode dar sentença;
Fazer de um valente, outro covarde.

Ninguém pode saber o que lhe aguarda,
Depois de atravessar o triste ocaso,
Talvez rasteje um monstro que apavora;

Ninguém possui ao certo a salvaguarda;
O mundo está coberto de acaso;
A morte é ilusão que mais devora.

Eliton Meneses

domingo, 29 de outubro de 2017

XLI


Cansado desatina ante o espelho;
Perplexo não enxerga a sua cara;
Dois corpos de mãos dadas na seara
Descansam sob a luz do sol vermelho.

Dois olhos que percorrem o aparelho
Recordam a promessa muito rara;
Pegaram uma ferida que não sara,
Decerto não por falta de conselho.

Ao longe uma canção ainda ecoa;
A sombra de um pássaro que voa
Trazia grande paz à dura guerra.

Ficaram à deriva em mesma barca;
Talvez de novo Laura e seu Petrarca,
Das tantas voltas dadas nesta terra.

Eliton Meneses

domingo, 22 de outubro de 2017

XL


O tempo corre sempre para frente;
Não vás chorar o leite derramado;
A vida faz da gente acostumado;
Nem tudo que é real é aparente.

O mundo é mesmo um palco incoerente;
Melhor é não viver desanimado;
O plano volta e meia é transformado
E a cena que virá é diferente.

Sentiras todo o corpo alquebrado;
Perderas por encanto o ser amado;
Ficaste navegando sem um porto.

O sonho que nasceu como tragédia
Agora mais parece uma comédia;
Amanheceu e não estavas morto.

Eliton Meneses

sexta-feira, 20 de outubro de 2017

XXXIX


Senti enfim o cheiro de outras flores;
Saí da fria sombra da caverna;
Eu vi depois da solidão interna
De manhã cedo o brilho de outras cores.

Atravessei diversos dissabores;
Aquela angústia não seria eterna;
Alumiou no escuro uma lanterna;
Achei a cura para as minhas dores.

Ouvi contente a ave que passava,
Tomei a água fresca que brotava;
Pensei na vida com os seus amores.

Deitei na relva olhando o infinito,
O mundo assim se fez bem mais bonito,
Seguindo em frente com os meus valores.

Eliton Meneses

terça-feira, 17 de outubro de 2017

XXXVIII


Não corro o mundo em busca de façanha;
Uma lenda que herdei foi inventada;
Bem cedo desertei da pátria amada;
Cheguei bem triste ao topo da montanha.

Perdido fui cair na artimanha;
Segui sem medo a torpe encruzilhada;
Nem vi que numa curva dessa estrada
Havia de esbarrar em coisa estranha.

Cansado pernoitei em plena rua,
Metido a remoer tantos deslizes,
Sonhei com mais um monstro imaginário.

Com olhos reluzindo a luz da lua,
Cercado de um bando de infelizes,
Fiquei mais uma vez tão solitário.

Eliton Meneses

quinta-feira, 12 de outubro de 2017

XXXVII


Preciso compreender a desventura
Da vida entre o céu e o inferno;
Defronto este mundo pós-moderno,
Tão fértil de cinismo e de loucura.

Procuro nos meandros da leitura
A réstia que ficou de amor fraterno;
Transito entre o instante e o eterno,
Tentando desvendar a tela escura.

Preciso resolver os paradoxos,
Embora com a vista encandeada,
Da luta entre Deus e a criatura.

Cansada de purismos ortodoxos,
A gente ainda segue deslumbrada
A arte que desponta na lonjura.

Eliton Meneses

domingo, 8 de outubro de 2017

XXXVI

                                                                            (...)

Deixou-se levar pelo seu encanto;
De tanto pensar quase ficou louco;
Falar todo dia era muito pouco;
Queria entoar junto dela um canto.

O sino tocou para seu espanto;
Falou tantas horas que ficou rouco;
Pras coisas do mundo se fez de mouco;
De noite sozinho conteve o pranto.

A terra sem ela era um calvário;
Fazia de tudo pra protegê-la;
A sua alma gêmea, seu relicário.

Diante do tempo, pra não perdê-la,
Vivia num mundo imaginário,
Mirando com ela uma mesma estrela.

Eliton Meneses

quinta-feira, 5 de outubro de 2017

XXXV


Me pus a desbravar terras remotas;
Caminhos de verdades tão secretas;
Segui por entre as rimas dos poetas,
Depois de ler compêndios poliglotas.

Achei muitas respostas ignotas,
Sentado na cabana dos profetas;
Sonhei um céu de nuvens abjetas,
Tentando desviar de outras rotas.

Sequer imaginei correr perigo;
Cedi inerme à força do chamado,
Sedento por detrás de muitas portas.

Peguei-me a reviver o filme antigo:
A luz que irradiava o ser amado
Fazia sublimar as linhas tortas.

Eliton Meneses

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

XXXIV


Pensou em seguir pelo mundo afora;
O sonho que teve era só quimera;
Havia incerteza e tamanha espera;
Seguir não podia os erros doutrora.

Ouviu com o galo os raios da aurora; 
Sentiu de repente outra atmosfera,
Talvez o começo de nova era;
Chegou como anjo e se foi embora.

Ficou no caminho com suas flores,
Contendo infeliz o amargo pranto;
Melhor não ferir o sagrado império. 

A vida se faz de muitos amores;
O quadro de casa tem seu encanto;
As cores do novo têm seu mistério.

Eliton Meneses