quinta-feira, 31 de maio de 2018

FRASE DO MÊS


"O homem é aquilo que ele ama." (Bhagavad Gîta)
 
"Quem ama quer formar um com quem ama. (...) O ser humano torna-se o que ele ama: aquele que ama a terra, torna-se terra; aquele que ama o Deus eterno irá compartilhar da eternidade com Deus”. (Sto. Agostinho. in A Cidade de Deus, vol. 2, XIV, 28). 

domingo, 27 de maio de 2018

GALOPE À BEIRA-MAR


Sonhaste que um dia serias um sábio,
Pras coisas do mundo sentir as entranhas;
Num cavalo alado por sobre as montanhas,
Com todo o roteiro num velho alfarrábio.
Da virgem mais pura terias o lábio,
Na noite mais fria sem mesmo cismar.
Terias de tudo — de sol a luar;
Seriam só tuas as flores mais lindas;
A vida teria belezas infindas;
Agora rastejas na beira do mar. 

Eliton Meneses

sexta-feira, 25 de maio de 2018

PEDRA ANGULAR DA FILOSOFIA E RELIGIÃO


"(...) a Realidade Infinita e Transcendente é finitamente imanente em todos os seus efeitos nas criaturas do Universo. Para encontrar essa suprema Realidade (Deus) não é necessário que o homem saia do mundo dos fenômenos transitórios, como pensam os dualistas, mas que penetre mais profundamente no último reduto desse mundo e descubra o Invisível  nos visíveis, o Eterno nos temporários, a Realidade no meio das aparências, o Criador em todas as criaturas. É esta a gloriosa conquista dos místicos e videntes, como Francisco de Assis e outros: viam a Deus em todas as suas obras." (Huberto Rohden. in Comentário ao Bhagavad Gita)

LIV


 A vida nos prepara cada espanto,
 A cada curva surge mais segredo;
Do nada, eis que troca de enredo,
Fazendo-nos perder o velho encanto. 

Sonhamos tanta coisa e, no entanto,
 A noite chega escura e traz o medo;
Suprime do poeta em seu degredo:
A vela, a lua, o mar, um certo canto.

Depois de ter a mente povoada
Do lúdico presságio de um verso,
Caímos no sol quente do deserto.

Sentados numa barca abandonada,
Sentimos quanto é duro o universo,  
Seguindo à deriva em mar aberto. 
 
Eliton Meneses

quarta-feira, 23 de maio de 2018

OS IRMÃOS KARAMAZOV :: DOSTOIÉVSKI


1) "O demônio luta com Deus e o campo de batalha são os corações humanos.";
2) "Na maioria dos casos, os homens, mesmo os mais perversos, são muito mais ingênuos e simples do que julgamos. E nós próprios também.";
3) "Sabeis que cada um de nós é culpado por todos os pecados que acontecem sobre a terra e também por todos os homens e por cada um deles individualmente.";
4) "É preciso cuidar das pessoas como se elas fossem crianças, e de algumas como de doentes nos hospitais.";
5) "Eu conheço os seus pensamentos. O seu coração é melhor que a sua cabeça.";
6) "Tratam das questões universais, nem mais, nem menos: existe Deus? A alma é imortal? Os que não acreditam em Deus, falam de socialismo e anarquismo e da organização de toda a humanidade numa ordem nova; são as mesmas questões, vistas por outro prisma.";
7) "Porque estamos diante de um temperamento contraditório capaz de reunir todos os contrastes e de contemplar ao mesmo tempo dois abismos, o de cima – o ideal dos ideais sublimes, e o de baixo – o abismo da mais ignóbil degradação.";
8) "A humanidade achará força em si mesma, viverá para a virtude mesmo que não creia na imortalidade da alma! Achará esta força no amor à liberdade, à igualdade, à fraternidade.";
9) "Não podemos tirar amor do nada; somente Deus cria no vazio."
10) "Em nosso século, todos se dividiram em unidades. Cada um se isola em sua toca e esconde-se junto com os seus pertences; desse modo, afasta-se dos seus semelhantes e afasta-os de si. Acumula sua riqueza completamente só, pensando: 'Como sou forte agora e como estou garantido!'. Ignora o insensato que, quanto mais acumula, tanto mais se abisma numa impotência fatal. Ele se habituou a confiar unicamente em si, apartou-se da coletividade, acostumou sua alma a não crer no auxílio dos homens nem na humanidade e treme só com a ideia de perder o seu dinheiro e os direitos conseguidos. Por toda parte, atualmente, o espírito humano começa a esquecer ridiculamente que a verdadeira garantia do indivíduo não consiste no seu esforço pessoal e isolado, mas na solidariedade humana."

domingo, 13 de maio de 2018

TIO CALANCHO


Tio Calancho me esperava com sua pachorra característica desde cedo. Umas sete da noite já estava sentado na calçada, esperando o menino da Leda para dormir. Eu chegava sem pressa, estranhando bastante aquele horário do tio-avô. Tio Calancho era casado com tia Mementa, irmã de vovó Ritinha. Tia Mementa e mamãe estavam em Fortaleza, passando um mês para cuidar da saúde. Tive que me despedir antes da hora dos meninos que brincavam de macaca na calçada do oitão de casa. João me assegurou que a pronúncia correta era: – Pre-da... e não pe-dra, como eu havia pronunciado. 
Tio Calancho me recebeu com um sorriso. Pronunciou alguma coisa que não consegui entender. Em verdade, não conseguia entender quase nada do que ele falava. Era alto, velho e bonachão. Um sujeito que não fazia mal a uma mosca. A primeira mulher havia morrido e ele resolveu casar com Mementa, já coroa. Sentei um instante, olhei os meninos brincando na rua, tio Calancho percebeu meu interesse e me convidou para entrar. Ofereceu-me chá, peta, uma xícara de leite... Recusei. Tinha acabado de jantar.   
A casa tinha poucos pertences. Umas cadeiras, uns retratos na parede, uma mesinha... Não tinha televisão. Entramos pelo corredor, passamos o quarto sem porta, na cozinha ainda fumegava uma panela no fogão à lenha. O quintal estava escuro, escutava-se apenas um leve cacarejo das galinhas. A Coluna da Hora bateu uma única chamada. Era 7h30min. Tio Calancho já queria dormir. Armou sua rede, armou minha rede do lado da dele, me deu um lençol e se deitou.  
Caiu como uma pedra na rede. Em instantes começou a roncar. Um ronco leve, que não incomodava. Queria conhecer melhor tio Calancho, perguntar sobre sua vida, mas não adiantaria, a comunicação era difícil. Quando ele ferrou no sono me levantei e fui ver pela brecha da porta os meninos brincando na rua. Não podia sair. Quando eles foram embora voltei para a rede. Tio Calancho pronunciava umas palavras sonhando. Tentei entender, não adiantou. Peguei no sono por volta da meia-noite.
O dia nem havia ainda clareado, umas quatro e meia da manhã, e tio Calancho já estava de pé. O cheiro agradável do café tomava de conta da casa. Permaneci deitado, ouvindo o galo cantar. O galo do tio e todos os outros dos quintais vizinhos. Uma verdadeira sinfonia de galos. Logo que a luz do dia penetrou na casa, ele veio me chamar para tomar café. Jogou um farelo para as galinhas no terreiro e sentou-se na mesa. Café, leite, tapioca feita na hora, queijo, ovos... Bem melhor do que eu poderia esperar.
Tio Calancho já acordava sorridente. Balbuciou alguma coisa, acho que sobre vovô, e caiu numa gargalhada. Óbvio que não entendi nada, mas por simpatia também sorri. Continuou comendo e falando e entendi que estava com saudade de tia Mementa. Não gostava de ficar só. Depois foi no quarto, veio com um cavalinho de carnaúba e me deu de presente. Foi ainda no galinheiro, pegou uns ovos e também me deu. Tio Calancho era um amor de pessoa. Às seis horas, voltei para casa.
Quando me dirigi à casa dele na noite anterior, era como se estivesse caminhando para o calvário. Agora, de volta para casa, ia até com uma certa saudade do bom velhinho e sem nenhum medo de que uma nova noite chegasse...

domingo, 6 de maio de 2018

AUFKLÄRUNG




"Aufklärung ist der Ausgang des Menschen aus seiner selbstverschuldeten Unmündigkeit. Unmündigkeit ist das Unvermögen, sich seines Verstandes ohne Leitung eines anderen zu bedienen. Selbstverschuldet ist diese Unmündigkeit, wenn die Ursache derselben nicht am Mangel des Verstandes, sondern der Entschließung und des Muthes liegt, sich seiner ohne Leitung eines anderen zu bedienen. Sapere aude! Habe Muth, dich deines eigenen Verstandes zu bedienen! ist also der Wahlspruch der Aufklärung." (Immanuel Kant)

"O Iluminismo é a saída do homem do estado de tutela, pelo qual ele próprio é responsável. O estado de tutela é a incapacidade de utilizar o próprio entendimento sem a condução de outrem. Cada um é responsável por esse estado de tutela quando a causa se refere não a uma insuficiência do entendimento, mas à insuficiência da resolução e da coragem para usá-lo sem ser conduzido por outrem. Sapere aude! Tenha a coragem de usar seu próprio entendimento. Essa é a divisa do Iluminismo." (Immanuel Kant)

sábado, 5 de maio de 2018

DA AUSÊNCIA DO DIREITO...


Acho que hoje vivi um pouco do que é o espírito de Antígona de Sofócles no plantão de hoje da Defensoria Pública.
Um homem, junto com sua mãe, esperavam desde às 9:00 da manhã um atendimento para conseguir autorização judicial para poder inumar (enterrar) sua filha recém-nascida. Meio-dia comecei a atendê-los. O homem vivia em união estável com sua companheira há 2 anos e meio. Na última terça-feira, 1.º de maio, ela começou o trabalho de parto e infelizmente veio a falecer. A criança sobreviveu, mas hoje, por volta das 3h da manhã, teve a terrível notícia que sua filha também falecera. Como vivia em união estável e não eram casados, não tinha como registrar sua filha para que depois de registrada pudesse receber a certidão de óbito para poder inumar sua filha e fazer a certidão de óbito. Os pais da mãe da criança também era falecidos, tendo como único parente uma tia que ali não se encontrava!!
Após ligação para cartório plantonista do Sisob, tive a informação de que se autorizaria fazer o registro de nascimento sem nome do suposto pai pela tia, desde que com uma simples autorização judicial. Realmente não vi na lei do Registro Público a possibilidade de se fazer o registro público da criança falecida pela tia da mãe também falecida.
Consegui falar com a equipe do plantão judicial no inicio da tarde, informando que ajuizaria a demanda assim que a tia da mãe falecida chegasse, com o intuito de fazer um pedido judicial de autorização para que a tia pedisse uma autorização para, no mínimo, vendo aquelas pessoas arrasadas, dar o mínimo de dignidade com a inumação da criança o quanto antes.
A tia se deslocou do Montese até o Fórum Clóvis Beviláqua, ante a lentidão do transporte público. Nesse intervalo, ainda atendi um pedido de UTI de um senhor que se encontrava em uma UPA e não conseguia vaga de transferência.
A tia da mãe chegou por volta das 16:30 e, ante a seleção de papeladas, confecção de peça inédita, mencionei toda a situação exposta e, finalmente, ao consegui protocolar a petição, o sistema indicou 18:05.
Após se deslocar à secretaria, o homem chorando afirmou que não iriam apreciar o pedido porque havia passado 5 minutos. O plantão é apenas até 6 horas.
Sei que se pode dizer: passaram-se 5 minutos!!! A regra é clara!!!
Mas vendo toda essa situação me indaguei: Ganhamos bem comparando com a maior parte dos brasileiros para nessas horas termos essa postura!?
Mesmo sem se render ao fraco argumento financeiro, um possível ativismo pró-humano (já que ultimamente tem-se destacado o contra) diante desse caso iria provocar uma sanção gravíssima a quem tivesse sensibilidade com a situação!?
O formalismo de 5 minutos e a vontade de ir pra casa no plantão, usufruir o sábado à noite, estão acima da dignidade dessa pessoa que ainda terá que esperar mais tempo para inumar uma criança recém-nascida!?
Acho que às vezes temos que ser um pouco Antígona, porque a burocracia e o distanciamento da realidade fazem virarmos desumanos!!!
Vou acompanhar a situação e espero que a sensibilidade humana que independe de classe social, nível intelectual, religião, ideologia, prevaleça e essa criança possa ser inumada o quanto antes, um mínimo de conforto ante as duas perdas de quem sofreu um revés da realidade ante os sonhos!!!

Vagner de Farias
Defensor Público

LIII


Passa-se o tempo e não muda o retrato;
Chamas devoram os móveis do quarto;
Gritos ecoam, atrozes, um parto;
Corre quem pode pro páramo ingrato. 
 
Chegam distante notícias do fato;
Negam as causas, do que estou farto;
Nada traduz essa dor que comparto;
Segue existindo entre nós um hiato.

Sempre sujeitos aos mesmos percalços,
Pobres sem casa, desnudos, descalços,
Vagam sem rumo nas ruas sem fim.

Seres humanos, com frio, com fome;
Mortos ou vivos, pervagam sem nome; 
Dores que sentem também doem em mim.

Eliton Meneses