domingo, 13 de maio de 2018

TIO CALANCHO


Tio Calancho me esperava com sua pachorra característica desde cedo. Umas sete da noite já estava sentado na calçada, esperando o menino da Leda para dormir. Eu chegava sem pressa, estranhando bastante aquele horário do tio-avô. Tio Calancho era casado com tia Mementa, irmã de vovó Ritinha. Tia Mementa e mamãe estavam em Fortaleza, passando um mês para cuidar da saúde. Tive que me despedir antes da hora dos meninos que brincavam de macaca na calçada do oitão de casa. João me assegurou que a pronúncia correta era: – Pre-da... e não pe-dra, como eu havia pronunciado. 
Tio Calancho me recebeu com um sorriso. Pronunciou alguma coisa que não consegui entender. Em verdade, não conseguia entender quase nada do que ele falava. Era alto, velho e bonachão. Um sujeito que não fazia mal a uma mosca. A primeira mulher havia morrido e ele resolveu casar com Mementa, já coroa. Sentei um instante, olhei os meninos brincando na rua, tio Calancho percebeu meu interesse e me convidou para entrar. Ofereceu-me chá, peta, uma xícara de leite... Recusei. Tinha acabado de jantar.   
A casa tinha poucos pertences. Umas cadeiras, uns retratos na parede, uma mesinha... Não tinha televisão. Entramos pelo corredor, passamos o quarto sem porta, na cozinha ainda fumegava uma panela no fogão à lenha. O quintal estava escuro, escutava-se apenas um leve cacarejo das galinhas. A Coluna da Hora bateu uma única chamada. Era 7h30min. Tio Calancho já queria dormir. Armou sua rede, armou minha rede do lado da dele, me deu um lençol e se deitou.  
Caiu como uma pedra na rede. Em instantes começou a roncar. Um ronco leve, que não incomodava. Queria conhecer melhor tio Calancho, perguntar sobre sua vida, mas não adiantaria, a comunicação era difícil. Quando ele ferrou no sono me levantei e fui ver pela brecha da porta os meninos brincando na rua. Não podia sair. Quando eles foram embora voltei para a rede. Tio Calancho pronunciava umas palavras sonhando. Tentei entender, não adiantou. Peguei no sono por volta da meia-noite.
O dia nem havia ainda clareado, umas quatro e meia da manhã, e tio Calancho já estava de pé. O cheiro agradável do café tomava de conta da casa. Permaneci deitado, ouvindo o galo cantar. O galo do tio e todos os outros dos quintais vizinhos. Uma verdadeira sinfonia de galos. Logo que a luz do dia penetrou na casa, ele veio me chamar para tomar café. Jogou um farelo para as galinhas no terreiro e sentou-se na mesa. Café, leite, tapioca feita na hora, queijo, ovos... Bem melhor do que eu poderia esperar.
Tio Calancho já acordava sorridente. Balbuciou alguma coisa, acho que sobre vovô, e caiu numa gargalhada. Óbvio que não entendi nada, mas por simpatia também sorri. Continuou comendo e falando e entendi que estava com saudade de tia Mementa. Não gostava de ficar só. Depois foi no quarto, veio com um cavalinho de carnaúba e me deu de presente. Foi ainda no galinheiro, pegou uns ovos e também me deu. Tio Calancho era um amor de pessoa. Às seis horas, voltei para casa.
Quando me dirigi à casa dele na noite anterior, era como se estivesse caminhando para o calvário. Agora, de volta para casa, ia até com uma certa saudade do bom velhinho e sem nenhum medo de que uma nova noite chegasse...

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