quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

BIOGRAFIA AUTORIZADA



Nelson Silva, brasileiro, solteiro, sem profissão, vulgo Paçoca, morador de rua, nascido em 1994, não sabe em que dia ou mês, em Aracati/CE. Filho de Maria Helena da Silva. Não possui pai declarado. Saiu de casa aos 12 anos. Praticou diversos atos infracionais durante a adolescência. Foi internado cinco vezes no abrigo de menores. É viciado em crack. Já foi usuário de maconha. Estudou até a 2.ª série do ensino fundamental. Não sabe ler nem escrever, tampouco assinar o próprio nome. Chegou a iniciar tratamento de desintoxicação, mas desistiu na segunda semana. Considera-se incapaz de largar as drogas sozinho. Tem alguns amigos. Todos viciados. Tem inimigos e dívidas de droga. É ameaçado de morte. Não tem planos na vida. Pratica pequenos furtos para sustentar o vício. Foi preso quatro vezes na cadeia pública. Responde a alguns processos criminais. Possui uma condenação a três anos no aberto, por porte de arma. Saiu com alvará. Deseja mais uma chance da Justiça. Precisa se tratar numa clínica. Sofre com pesadelos e alucinações. Mareja os olhos ao lembrar da irmã pequena, entregue para adoção depois da morte da mãe. Namorou Isabel, cujo paradeiro atual ignora. Não recebe visitas. Foi novamente condenado, por assalto, a oito anos no regime fechado. Regressou algemado da audiência para a cadeia. Depois de mais quatro anos na prisão, poderá progredir para o semiaberto. 

FRASE DO MÊS


"O esforço para depreciar quem pensa diferentemente é um déficit civilizatório". Luís Roberto Barroso 

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

NOSSO DIREITO CANHESTRO


As características mais marcantes do nosso Código Civil de 1916 foram o individualismo e o patrimonialismo, pilares de um modelo destinado a proteger o homem de negócios (o self made man), ou seja, o capitalista. O Código Civil de 2002 (atualmente em vigor) preservou praticamente incólumes as mesmas características.  
O atual Código Penal, editado nos idos de 1940, sob a égide do Código Civil de 1916, confere especial proteção ao patrimônio individual. Na parte especial do Código Penal, logo depois dos crimes contra a pessoa (título I), já aparecem, na sequência implícita de prioridades, os crimes contra o patrimônio (título II), vindo somente depois, por exemplo, os crimes contra a organização do trabalho (título IV), contra os costumes (título VI) – caso do estupro – e contra a administração pública (título IX).  
Nos crimes contra o patrimônio, o furto assume um particular relevo. Subtrair coisa alheia móvel, qualquer que seja a coisa ou o seu valor, pode resultar numa pena de prisão de 01 (um) a 04 (quatro) anos, além de multa (art. 155, caput, Código Penal). E se o furto for cometido com destruição ou rompimento de obstáculo, escalada ou destreza, emprego de chave falsa ou mediante concurso de duas ou mais pessoas, a pena já passa para 02 (dois) a 08 (oito) anos de prisão, além de multa (art. 155, § 4.º, Código Penal). Destarte, se um viciado em droga subtrai de um mercantil um frasco de desodorante para trocar por crack, por exemplo, ficará sujeito a uma pena de até 04 (quatro) anos de prisão... E se dois forem os viciados, numa ação conjunta, a pena, para ambos, poderá ser de até 08 (oito) anos de prisão... Dois sujeitos, portanto, seriam privados de suas liberdades, por até longos 08 (oito) anos, por conta de um frasco de desodorante...
Demais disso, sendo o furto um crime que viola somente o patrimônio da vítima, ou seja, um bem disponível, não faz sentido que a ação penal correspondente seja pública incondicionada, como é atualmente, sendo obrigado o Poder Público a punir o autor do delito mesmo sem qualquer manifestação de interesse do ofendido. Preferível e mais coerente seria exigir para a punição do furto a representação da vítima. Aliás, na lida forense, é comum as vítimas se compadecerem de autores de pequenos furtos, demonstrando desinteresse nas suas punições, mas, ainda assim, o processo seguir a marcha inexorável, por ser pública incondicionada a ação, despendendo o Estado um enorme custo por conta, muitas vezes, de um frasco de desodorante de um mercantil. 
Se o ordenamento jurídico atribui tamanho respaldo à coisa móvel, aos bens imóveis dedica uma devoção quase sacrossanta. Tanto que o mero deslocamento de um marco divisório entre dois terrenos já basta para a configuração, em tese, do crime de alteração de limites, cuja pena é de 01 (um) a 06 (seis) meses de detenção, além de multa (art. 161, caput, Código Penal). Ora, mas se há, na esfera civil, uma ação eficiente como a reintegração de posse para resolver questões de limites de terra, por que tratá-las como caso de polícia? E ainda se fala, no Direito Penal, em intervenção mínima e em sanção penal como ultima ratio... 
Outro disparate é o crime de dano. Talvez alguns nem saibam, mas a ação de danificar a coisa alheia está prevista no artigo 163 do Código Penal como crime, sujeito a uma pena de 01 (um) a 06 (seis) meses de detenção ou multa. Assim, um singelo risco num carro pode configurar, em tese, o crime de dano, resultando na prisão de uma pessoa... Não seria preferível (e mais civilizado) que quizila desse jaez fosse resolvida simplesmente na esfera da responsabilidade civil, com a reparação dos danos?
Para que tanta repressão do Estado na defesa da propriedade privada? Será a lógica do sistema?

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

ALTOS E BAIXOS


EM ALTA

Os grandes vencedores do I Concurso Literário de Coreaú, organizado pela Academia Palmense de Letras (APL). Na categoria poesia, Kelvis Albuquerque (Palma de Ouro); Airla Gomes (Palma de Prata) e Edilson Souza (Palma de Bronze) e, na categoria prosa, Vera Pessoa (Palma de Ouro); Hélio Costa (Palma de Prata) e Aionésio Silva (Palma de Bronze).

EM BAIXA

A tentativa de desestabilização patrocinada pela elite venezuelana, mui simpática ao imperialismo americano, tendente a seguir perigosamente para mais um golpe na América Latina. Interessante que a democracia das urnas somente aparece como "princípio universal inviolável" para o mundo capitalista quando os resultados lhe convêm. Cuando la fuerza con la razón contrasta, vince la fuerza y la razón non basta...

EM ALTA

As chuvas invernais, que depois de três anos resolveram reaparecer no seco Nordeste, fazendo renascer o verde e a esperança no coração dos nordestinos.  

EM BAIXA

O enorme fosso entre Dilma e Lula no quesito sensibilidade popular. Dilma é uma burocrata, séria e competente, mas distante e autoritária, bem diferente do grande Lula, homem do povo, acessível e afetuoso, um cadinho borbulhante de sentimento popular.   

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

VICENZA


Vicenza não sabia mais a quem recorrer. Perdera a conta das mercearias que lhe cortaram o fornecimento. Depois de três meses de atraso, não havia comerciante que a suportasse. Não adiantavam novas promessas, nem a récua de meninos como apelo dramático. Estava fechada a conta e ponto final.   
O vendedor de peixe caiu na besteira de vender-lhe um cambo de cará fiado. Não adiantou. Na terceira cobrança, semanas depois da venda, Vicenza partiu para a ignorância: 
– Me respeite, menino sem vergonha! Sou uma mulher direita! Não me aperreie mais, senão chamo a polícia!   
Um galego recém-chegado na Palma surpreendeu-se com a solicitude da compradora. Vicenza resolveu ficar com três panelas, um espelho, duas redes, um quadro e um faqueiro, para serem pagos em três prestações mensais de duzentos mil cruzeiros. De tão eufórico, o galego nem seguiu mais a venda do dia. Com uma promissória assinada no bolso, regressou contente para o pequeno hotel na Praça da Matriz.
No mês seguinte, o vendedor reapareceu para a cobrança. Na primeira tentativa, bateu na porta por uns vinte minutos e, não tendo resposta, resolveu dar um giro para vender mais algum produto. Quase ao meio-dia, voltou à casa de Vicenza e ainda a encontrou fechada. Bateu mais um pouco na porta, espiou pela fresta da janela, esperou mais uns dez minutos e saiu já um tanto preocupado. No final do dia, depois de ficar meia hora de tocaia na esquina próxima, dirigiu-se, já aflito, à morada da cliente. Com a casa ainda fechada, sem resposta aos seus chamados, o galego resolveu socorrer-se de uma pixota que apareceu na janela da casa vizinha.        
– Você sabe me dizer por onde anda a Vera Lúcia, que mora nesta casa? 
– Olha, seu menino, nessa casa aí não mora nenhuma Vera Lúcia, não!  
– Como assim?! Se ainda no mês passado Dona Vera Lúcia me comprou uns produtos à prestação e até assinou uma promissória!
– O nome da pessoa que morava nessa casa era Vicenza, mas ela até já foi embora para Fortaleza, depois de ser despejada pelo dono da casa, com uns sete meses de aluguel atrasado.
O pobre galego ficou pálido e sem chão. Queria não acreditar no que estava escutando. Um calote de seiscentos mil cruzeiros arrebentaria de vez seu negócio. Desolado, ajuntou os poucos pertences que carregava e seguiu lentamente pela rua deserta, pensando em voltar no dia seguinte para sua terra natal.  
Dois dias depois, Vicenza reapareceu em casa, lépida e fagueira. Antes de entrar, foi falar com a vizinha Serafina sobre a cobrança do galego. Segura de que ele partira no ônibus daquela mesma tarde, agradeceu a cúmplice pela força e seguiu com os cinco filhos para preparar o jantar. 

domingo, 16 de fevereiro de 2014

DIREITA x ESQUERDA


A discussão ideológica entre a direita e a esquerda arrefeceu bastante, inclusive pela perda do seu antigo encanto. O paradoxo entre o discurso e a prática é tão crônico e recorrente que a ninguém mais surpreende, por exemplo, que o socialista francês François Hollande em quase nada se diferencie de ultraconservadores como o italiano Silvio Berlusconi. 
No Brasil, o descrédito do debate campeia com semelhante melancolia. A direita prefere, por estratégia, defender que o debate acabou, porque se assumir de direita ainda parece um tabu entre nós, embora ruído aos poucos com a ascensão de uma eufórica nova classe média, encantada com a primeira experiência consumista. Por outro lado, a esquerda está dividida e um tanto desnorteada. O Partido dos Trabalhadores está no poder há mais de uma década – e tende a se perpetuar por pelo menos mais uma –, tendo como base aliada uma coalizão de partidos das mais diversas e escusas tendências ideológicas, ao passo que partidos que se proclamam de esquerda autêntica fazem-lhe oposição, juntamente com PSDB e DEM.  
Em meio a todo esse cipoal, o sopro de esperança que ainda remanesce é a tímida mas notória inversão de prioridades que o governo petista tem promovido. O olhar diferenciado para a questão indígena e a racial de um modo geral, a distribuição de renda para as camadas mais pobres, o esforço pela universalização do ensino superior, a corajosa contração de médicos estrangeiros para o atendimento emergencial nos rincões mais afastados do país, a maior aproximação com os países subdesenvolvidos do mundo, especialmente os da América Latina, com uma postura mais altiva diante das potências econômicas, dentre tantas outras medidas, são sinais de que a perspectiva do Governo Federal já não é exatamente aquela mesma instalada há mais de cinco séculos.   
Convém ressaltar que, se não fosse a competência do PT no controle da economia, estável e segura, mesmo diante de um cenário de turbulência e incerteza global, possivelmente muitas conquistas sociais não teriam saído do papel e talvez o próprio partido teria perdido o protagonismo. 
Não é tempo, portanto, de purismo, porque as ideias (muitas vezes) não correspondem aos fatos. Mas engana-se quem pensa que a exaustão do debate sinaliza o fim da luta por um mundo mais justo, porque, como dizia o poeta Cazuza, "se você achar que eu estou derrotado, saiba que ainda estão rolando os dados..."

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

TOMANDO CONHAQUE

(...)
– Acredito no que me dizes. Há tanta sinceridade nos teus olhos e nas tuas palavras! Não é o caso de Ivã. Ele é orgulhoso... Mas, apesar de tudo, eu gostaria de acabar com o teu mosteirozinho. Seria preciso expulsar da Rússia toda mística e devolver a razão a todos os imbecis. E quanta prata, quanto ouro não levaria à Casa da Moeda!
– Mas para que suprimir a mística? – perguntou Ivã.
– Para que a verdade resplandeça mais cedo.
– Mas, se ela resplandecer, em primeiro lugar, vão despojá-lo de tudo e depois... suprimi-lo-ão.
– Bah! É possível que tenhas razão. Eu sou uma jumenta – exclamou Fiódor Pávlovitch, batendo na testa com a mão. – Se é assim, vamos deixar o teu mosteirozinho no mesmo lugar, Alióschca. E nós, homens de espírito, vamos tomar o nosso conhaquezinho em paz. Sabes, Ivã? O próprio Deus devia ter arranjado isto de propósito... Ivã, dize uma cousa: Deus existe ou não? Espera; fala com sinceridade, seriamente! Por que estás a rir novamente?
– Rio porque me lembrei como, há pouco, o senhor fez aquela observação espirituosa sobre a crença de Smierdiákov na existência de dois anacoretas que podem remover montanhas.
– Mas o que eu disse ainda agora se parece com isto?
– Muito.
– Isto quer dizer que também sou homem russo e mesmo em ti, meu filósofo, pode ser surpreendido um destes traços característicos. Queres? Vou apanhar-te em flagrante. Posso apostar o que quiseres, mas amanhã chegará também a tua vez. Responde, porém, à minha pergunta: Deus existe ou não? Fala com sinceridade.
– Deus não existe.
– Alióschca, Deus existe?
– Sim.
– A imortalidade, porém, existe, Ivã? Pelo menos uma pequena, bem pequena imortalidade?
– Também não há imortalidade.
– Nenhuma?
– Nenhuma.
– Quer dizer que não há nada absolutamente? Nem uma partícula?
– Zero. Absolutamente zero.   
– Alióschca, existe a imortalidade?
– Existe.
– Deus é imortalidade?
– Sim. É em Deus que se funda a imortalidade.
– Hum... Provavelmente, Ivã é que está com a razão. Meu Deus! Quanta fé e energia o homem sacrificou por esta quimera! E isto há tantos milhares de anos! Quem se diverte, então, pondo em ridículo a humanidade? Ivã! Pela última vez e categoricamente, responde: existe Deus? É a última vez que o pergunto!
– E pela última vez, respondo: "Não".
– Quem, então, zomba do homem, Ivã?
– O diabo talvez – disse Ivã Fiódorovitch com um sorriso.
– E o diabo existe?
– Talvez não.
– É pena. O que não faria eu com aquele que inventou Deus! Enforcá-lo seria pouco.
– A civilização não existiria se não tivessem inventado Deus.
– Não?
– O conhaquezinho também não existiria. Estou vendo que preciso tirar-lhe o conhaque.
– Espera, espera, meu filho. Vou tomar mais um conhaquezinho apenas. Eu ofendi Aliócha. Tu não estás zangado, Alieksiéi? Meu querido Alieksiéitchic!
– Não me zango. Eu conheço os seus pensamentos. O seu coração é melhor que a sua cabeça.
– Sou eu que tenho o coração melhor que a cabeça! E quem diz isto, Senhor! Ivã, gostas de Alióschca?
– Sim, gosto.
– Deves gostar (Fiódor Pávlovitch estava ficando cada vez mais ébrio). – Ouve, Aliócha, eu hoje fui grosseiro com teu ancião, porque estava muito exaltado. Aquele ancião tem espírito – não achas, Ivã?
– É possível.
– Tem, sim. Il y a du Piron là dedans. É um jesuíta, um jesuíta russo. Sendo uma nobre criatura, ele sente ferver dentro de si uma indignação continuamente reprimida com todas estas falsidades.
– Mas ele crê em Deus.
– Nem um pouco. Tu não sabias? Ele próprio conta isto a todos ou, melhor, a todas as pessoas inteligentes que o visitam. Ao governador Schultz, ele disse simplesmente: "credo, mas não sei em quê".
– Deveras?
– Exatamente assim. Contudo, eu o respeito. Há nele algo de Mefistófeles ou, melhor, de "Herói contemporâneo"...

Fiódor Dostoiévski
(Os Irmãos Karamazov)

domingo, 9 de fevereiro de 2014

CASTORINA PINTO



Certa feita, cheguei a pensar que, em matéria de apelidos, Coreaú fosse insuperável. Desde tempos remotos, passando pela alteração do nome da Palma, nos idos de 1943 – época em que o folclórico Alberto Carmo, veemente adversário do nome de Penanduba, que reputava horroroso, acabou recebendo para sempre a alcunha de (...) Penanduba! –, até os tempos modernos, com a média ainda de quase um apelido per capita, desde os suportáveis e levemente jocosos até os de extremado mau gosto, capazes de destroçar a própria dignidade das pessoas, não há negar que Coreaú seja pródigo em se tratando de epíteto. No entanto, a cidade que ostenta a fama internacional de "Terra dos Apelidos" é Aracati, graças sobretudo a Castorina Pinto, a mais célebre "botadeira de apelidos" que a história já registrou.   
Há mais de uma década, Franzé Gomes havia-me contado a história de um causídico que, numa visita a Aracati para uma audiência judicial, receoso da mulher dos apelidos, apesar de toda discrição e esquivança, não conseguira furtar-se da verve perspicaz de Castorina.   
Nas voltas que a vida dá, na reunião passada da Academia Aracatiense de Letras, no Museu Jaguaribano, descobri que naquele mesmo prédio havia funcionado o hotel de Teófilo Pinto, cuja administradora era sua irmã, ninguém menos que Castorina Pinto. Fora, enfim, aquele exato casarão o palco do episódio do advogado. 
Castorina não perdoava ninguém. A um juiz de cabeça grande apelidou de "Cabeça de Comarca"; a um rapaz difícil de casar chamou de "Cédula Falsa"; nem Dom Manuel, filho ilustre de Aracati, escapou, pois tantos eram os adereços com que se apresentava que ficou apelidado de "Bolo Confeitado"...
O advogado se hospedara no hotel de Teófilo Pinto, mas deu sorte de não topar com Castorina nos dois dias em que permaneceu na cidade. A "botadeira de apelidos" convalescia de um resfriado e resolvera não aparecer no hotel por uns dias. Como sabia da fama da mulher e de que ela morava na mesma Rua Grande, adotou o hóspede todo o cuidado possível para não ser avistado (e apelidado) por ela. Tentou se furtar o quanto pôde. Não andava pela rua, não conversava na calçada do hotel, não parava na portaria e se trancava todo o tempo que podia no quarto, com as janelas sempre fechadas. 
Depois que partiu no ônibus de volta para Fortaleza, o advogado ficou aliviado; afinal, talvez tivesse sido o único sujeito a andar pelo Aracati sem ter sido vítima dos apelidos de Castorina... 
Quando no dia seguinte, porém, ela apareceu no hotel, o recepcionista logo a interpelou:
– Finalmente alguém passou por esta terra sem levar um apelido seu, dona Castorina! 
Ao que ela, de pronto, respondeu:
– Quem? O "Rato de Gaveta"? 

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

SEGURO-DEFESO DA LAGOSTA 2014



No período de defeso da lagosta, entre 1.º de dezembro e 31 de maio, visando conciliar os interesses sociais, ambientais e econômicos, a lei assegura aos pescadores artesanais do crustáceo o seguro-desemprego, benefício pago pelo Governo Federal com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), por intermédio de uma parceria entre diversos órgãos e instituições.
Mercê de um termo de cooperação firmado pela Defensoria Pública do Estado do Ceará e pelo Ministério Público do Trabalho, fiquei, mais um ano, encarregado pelas habilitações no Município de Aracati.
A habilitação dos cerca de 500 (quinhentos) pescadores artesanais de lagosta da terra de Dragão do Mar e Adolfo Caminha é tarefa árdua, mas sobremaneira gratificante, pelo enorme alcance socioambiental do seguro-defeso, que garante, a um só tempo, o sustento de centenas de famílias humildes durante os 06 (seis) meses do defeso e, nesse mesmo período, a reprodução da lagosta, cada vez mais rara nos nossos verdes mares.

domingo, 2 de fevereiro de 2014

HOMO CACTUS



Sou um cardeiro de asa,
Uma planta desfolhada,
Com raiz atada ao chão.
Tenho caule feito brasa,
De rama encarquilhada
E espinhos de proteção.
O meu leito é cova-rasa;
Sorvo seiva na alvorada;
Lanço flores na estação.
Fiz na pedra firme casa;
Cedo fruto à passarada;
Canto a vida sem refrão.
Na seca que tudo arrasa,
Sou criatura arretada:
Homem-cacto do sertão.

Eliton Meneses