A discussão ideológica entre a direita e a esquerda arrefeceu bastante, inclusive pela perda do seu antigo encanto. O paradoxo entre o discurso e a prática é tão crônico e recorrente que a ninguém mais surpreende, por exemplo, que o socialista francês François Hollande em quase nada se diferencie de ultraconservadores como o italiano Silvio Berlusconi.
No Brasil, o descrédito do debate campeia com semelhante melancolia. A direita prefere, por estratégia, defender que o debate acabou, porque se assumir de direita ainda parece um tabu entre nós, embora ruído aos poucos com a ascensão de uma eufórica nova classe média, encantada com a primeira experiência consumista. Por outro lado, a esquerda está dividida e um tanto desnorteada. O Partido dos Trabalhadores está no poder há mais de uma década – e tende a se perpetuar por pelo menos mais uma –, tendo como base aliada uma coalizão de partidos das mais diversas e escusas tendências ideológicas, ao passo que partidos que se proclamam de esquerda autêntica fazem-lhe oposição, juntamente com PSDB e DEM.
Em meio a todo esse cipoal, o sopro de esperança que ainda remanesce é a tímida mas notória inversão de prioridades que o governo petista tem promovido. O olhar diferenciado para a questão indígena e a racial de um modo geral, a distribuição de renda para as camadas mais pobres, o esforço pela universalização do ensino superior, a corajosa contração de médicos estrangeiros para o atendimento emergencial nos rincões mais afastados do país, a maior aproximação com os países subdesenvolvidos do mundo, especialmente os da América Latina, com uma postura mais altiva diante das potências econômicas, dentre tantas outras medidas, são sinais de que a perspectiva do Governo Federal já não é exatamente aquela mesma instalada há mais de cinco séculos.
Convém ressaltar que, se não fosse a competência do PT no controle da economia, estável e segura, mesmo diante de um cenário de turbulência e incerteza global, possivelmente muitas conquistas sociais não teriam saído do papel e talvez o próprio partido teria perdido o protagonismo.
Não é tempo, portanto, de purismo, porque as ideias (muitas vezes) não correspondem aos fatos. Mas engana-se quem pensa que a exaustão do debate sinaliza o fim da luta por um mundo mais justo, porque, como dizia o poeta Cazuza, "se você achar que eu estou derrotado, saiba que ainda estão rolando os dados..."
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