domingo, 31 de março de 2019

Frase do mês


"To hear with eyes belongs to love's fine wit." (Shakespeare)

Jacó e Raquel



"Depois Labão disse a Jacó: 'Será que me vais servir de graça por seres meu sobrinho? Dize-me qual deve ser o salário?' Ora, Labão tinha duas filhas. A mais velha se chamava Lia e a mais nova Raquel. Lia tinha um olhar apagado, mas Raquel era bonita de corpo e de rosto. Jacó ficou enamorado de Raquel e disse a Labão: 'Eu te servirei sete anos por Raquel, tua filha mais nova.' Labão respondeu: 'É melhor confiá-la a ti do que entregá-la a um estranho. Fica comigo.' Jacó serviu por Raquel sete anos, que lhe pareceram dias, tanto era o amor por ela. Jacó disse a Labão: 'Dá-me minha mulher, pois completou-se o tempo e quero viver com ela.' Labão reuniu todos os homens do lugar e deu um banquete. Chegada a noite, porém, tomou a filha Lia e levou-a a Jacó, que dormiu com ela. (Labão dera à filha Lia a escrava Zelfa, para lhe servir de criada.) Ao amanhecer, Jacó viu que era Lia e disse a Labão: 'Por que fizeste isso comigo? Não te servi por Raquel? Por que me enganaste?' E Labão respondeu: 'Não é costume em nosso lugar dar a filha mais nova antes da filha mais velha. Termina esta semana de festa e depois te será dada também a outra pelo serviço que me prestarás durante outros sete anos.'
Assim o fez Jacó. Completada a semana, Labão deu-lhe por mulher sua filha Raquel, e com ela a escrava Bala para servi-la como criada. Jacó se uniu também a Raquel e amou Raquel mais do que Lia. Por ela serviu mais sete anos."

(Gênesis 29:15-30)

Soneto

Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assi negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida;

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: – Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida!

Luís de Camões

El escritor y sus fantasmas : Sabato


"(...) el conocimiento de vastos territorios de la realidad está reservado al arte y solamente a él."

"(...) el artista es el único por excelencia, es el que gracias a su incapacidad de adaptación, a su rebeldía, a su locura, ha conservado paradojalmente los atributos más preciosos del ser humano." 

"La preocupación del ser humano ha estado siempre sometida a un ritmo: del Universo al Yo, del Yo al Universo. (...) Hoy, como cada vez que el ciclo platónico retorna al punto catastrófico, el hombre dirige su atención a su proprio mundo interior. Y el gran tema de la literatura no es ya la aventura del hombre lanzado a la conquista del mundo externo sino la aventura del hombre que explora los abismos y cuevas de su propia alma."

"En un árbol de Van Gogh está de alguna manera, inevitablemente, su autobiografía."

"La obra de arte es un intento de dar una realidad infinita dentro de dimensiones finitas."

"(...) sólo con máscaras, en el carnaval o en la literatura, los hombres se atreven a decir sus (tremendas) verdades últimas."

"La tarea del escritor sería la de entrever los valores eternos que están implicados en el drama social y político de su tiempo y lugar."

"Al levantarse sobre las dos patas traseras, este extraño animal abandona para siempre la felicidad zoológica e inaugura la infelicidad metafísica que resulta de su dualidad: descabellada hambre de eternidad en un cuerpo miserable y mortal."

"La vida desborda los esquemas rígidos, es contradictoria y paradojal, no se rige por lo razonable, sino por lo insensato."

"El lenguaje (el de la vida, no el de los matemáticos), ese otro lenguaje viviente que es el arte, el amor y la amistad, son todos intentos de reunión que el yo realiza desde su isla para transcender su soledad."

"El arte, como el sueño, incursiona en los territorios arcaicos de la raza humana y, por lo tanto, puede ser y está siendo el instrumento para rescatar aquella integridad perdida; aquella de que inseparablemente forman parte la realidad y la fantasía, la ciencia y la magia, la poesía y el pensamiento puro."

"(...) con grandes dificultades un hombre es capaz de intuir la profundidad, la belleza o la magnitud de algo que no es capaz de sentir, siquiera en germen, en su proprio espíritu."

(Ernesto Sabato. in El escritor y sus fantasmas)

Retalhos


Tateando no escuro,
Com um frio nas entranhas,
Eu nem sei o que procuro,
Sigo em águas tão estranhas.
Sinto apenas o perfume,
Ouço o eco lisonjeiro,
Bem ao longe um vago lume,
Foi-se mais um passageiro.
Eu aqui meio acossado,
Me deixaram sem um dote,
Frágil barco naufragado,
Sem dispor de nenhum bote.
Me livrei do atavismo,
Vi a força mais de perto,
Já não tenho chauvinismo,
Mesmo tendo o peito aberto.
Ora embaixo, ora em cima,
Numa austera solidão,
Eu apenas faço a rima,
O sentido vocês dão.

Eliton Meneses

terça-feira, 26 de março de 2019

Nunca mais!


Defensoria entra com ação contra determinação de Bolsonaro para 'celebrar' golpe de 1964

26/03/2019 18:45

(Por Nelson Lima Neto)

A Defensoria Pública da União (DPU) ingressou na tarde de hoje, na 9.ª Vara Federal Cível da Justiça Federal da 1.ª Região, no Distrito Federal, com uma ação civil pública contra a União pela determinação do presidente Jair Bolsonaro de realizar as "comemorações devidas" pelos 55 anos do golpe de 1964, que deu início à ditadura militar. A DPU pede que as Forças Armadas "se abstenham de levar a efeito qualquer evento em comemoração a implantação da ditadura no Brasil", proibindo especialmente o uso de recursos públicos, sob ameaça de multa.
Em sua petição, a DPU cita as consequências da ditadura, citando os relatórios da Comissão da Verdade do Brasil, que, entre maio de 2012 e dezembro de 2014, reuniram os depoimentos de vítimas da ditadura, os familiares de pessoas que desapareceram e foram mortas no período, comitês de memória, entidades de direitos, entre outras organizações, a respeito das violações do regime militar aos direitos humanos. A ação é assinada pelo defensor regional de Direitos Humanos da Defensoria Pública da União no Distrito Federal (DPU/DF), Alexandre Mendes Lima de Oliveira.

Fonte: Anselmo.com

domingo, 24 de março de 2019

Coreaú


Se tem algo de que me ufano é de ter nascido em Coreaú. Tem gente que nasce num canto e diz que nasceu noutro, mais importante. Para mim o canto mais importante do mundo é Coreaú. Quando pego o RG e vejo na naturalidade Coreaú-CE, me sinto especial. Não queria ter nascido em outro canto. Coreaú já se chamou Várzea Grande, por se situar num belo vale entre as serras da Meruoca e da Ibiapada; em 1870, passou a denominar-se Palma, por conta de uns bolinhos de goma em forma de 'palma' feitos por lá, até que, em 1943, passou a chamar-se Coreaú, em homenagem ao rio que corta o município. Coreaú significa, no tupi, bebedouro dos curiás, uma pequena ave que devia povoar os arredores do rio noutros tempos. A mudança de Palma para Coreaú não foi nada fácil. Pensou-se em Penanduba, uma pequena serra localizada no centro do município, mas o nome Penanduba desagradou os ouvidos sensíveis de algumas pessoas e, no final, decidiu-se mesmo por Coreaú. Teve um sujeito que ficou tão revoltado com a possível mudança do nome da Palma para Penanduba, que morreu com o apelido de Penanduba... Em verdade, a despeito da mudança, Palma segue como o nome afetivo da cidade. Todo mundo ainda fala 'sou da Palma', 'vou pra Palma', 'lá na Palma que é descente'. A Palma, ou Coreaú, em termos geopolíticos, não passa de um pequeno município do Noroeste do Ceará com alto índice de pobreza e parado no tempo. Então, por que me ufano de ter nascido lá? Um poeta chileno escreveu que: "La única calle de mi pueblo llega a todas partes." Talvez seja em alguma medida por isso, mas, rebuscando meu inconsciente, suspeito que o ufanismo decorra predominantemente de outra razão. É em Coreaú que estão aqueles gigantes que povoam o meu imaginário, mitos reais, almas grandes que conheci de perto e com as quais convivi. Não são políticos ou figuras que se deram bem na vida, são pessoas do povo, cujo diferencial estava na própria essência. Quatro desses gigantes são: Vicente Chico, Dona Benícia, Tereza Portela e Pedro Faustino. Essas pessoas são mais relevantes no meu imaginário do que Raskolnikóv ou Aliócha Karamazov, a despeito de toda a devoção que tenho por Dostoiévski. Vicente Chico foi o rei do Leruá, moreno claro, alto e magro, alegre, irônico, de porte elegante, chegado a uma dose (...), bastava vê-lo para saber que não se tratava de uma pessoa comum. Sempre que encontrava Vicente Chico, mesmo em condições adversas, ele bêbado, falando um monólogo incompreensível, surrado pela vida, eu sentia que estava diante de alguém muito importante. Tenho até a impressão de que ele sabia dessa importância. Um dia, no Norte do País, muito distante da Palma, alguém tentou desfazê-lo e ele saiu com essa: "— Você sabe com quem está falando, rapaz? Aqui é o Vicente Chico, campeão do Leruá da Serra da Meruoca e de toda região!" Vicente Chico tinha consciência de que era um gigante. Dona Benícia não sei se sabia, mas, sabendo ou não, foi a figura feminina mais marcante que encontrei na vida. Morena clara e baixa, um pouco forte, era a alegria em pessoa. Expansiva, festiva, criativa, cozinheira de mão-cheia, andava sempre cantando, mesmo nos dias que não tomava uma dose na esquina. Criou os filhos sozinha, com o humor nas alturas, apesar das dificuldades da vida. Quando morou no casarão de Dona Filozinha e impediram-na na última hora de realizar o São João, chamou todo mundo para fora e fez a festa no meio da rua. Dona Benícia era uma alma grande. Sempre que havia os passeios da 8.ª Série no final do ano, convidavam-na para cozinhar, mas sobretudo para alegrar a viagem. Dona Benícia fazia parte do trio que, reunido na esquina, gargalhava junto para a cidade inteira ouvir. As outras duas do trio eram Dona Artemiza (que chorava de rir) e Regina Guedes, que contava a parte mais sórdida das estórias. Quando Dona Benícia morreu, sua alma foi despedir-se de mamãe, que estava no Rio visitando uma filha. Tereza Portela ainda usava anáguas, conheci-a já idosa, morena magra e baixinha, cercada de mistérios e que adorava vagar pelas ruas. Assumia possuir poderes sobrenaturais. As mães corriam com as crianças recém-nascidas para que Tereza não as visse. O quebrante era certo. Quase ninguém ousava contrariá-la. Praga da Tereza era tiro e queda. Seu Benedito Mussum que o diga. Um dia foi enxotá-la do seu bar e morreu pedindo esmola na feira do domingo. Era a única pessoa da Palma que jamais entrou na igreja. Fugia da missa como o diabo foge da cruz... As brigas da Tereza com a vizinha Consuelo foram, para mim, muito mais importantes do que qualquer outro grande confronto pessoal registrado na história. Tereza ousava invadir a calçada da adversária. Ia até a janela dela, esquivava-se do tabefe e voltava dançando, sob os aplausos da plateia eufórica. A última vez que vi Tereza, já debilitada, ela recebeu um agrado — adorava que molhassem sua mão — e disse que, ainda que as pessoas não achassem, ela me achava o filho mais bonito do Oneon. Fiquei tão feliz que dei o resto do meu dinheiro para ela... Pedro Faustino ou simplesmente Pedão era um negro alto e malandro da rua do Cemitério. Gostava de beber e de brigar. Sua arma secreta não era o soco nem o chute, era a testa. Isso mesmo, a testa; segundo ele mesmo, feita de platina. Dizem que matou um de uma testada. Bom contador de história, queria levar vantagem em tudo e era muito carismático. A voz do Pedão era melodiosa; falando — nunca o vi cantando —, era parecida com a dos negros clássicos do jazz. Contam que Pedão morreu, foi até às portas do céu, mas São Pedro o teria barrado ao se espantar com os muitos pecados de sua vida. Indignado, protestou com São Pedro, que, tentando acalmá-lo, o tratou por Pedim, mas o malandro retrucou ainda mais revoltado: "— Pedim, não! Pedão!"          
     

quinta-feira, 21 de março de 2019

Soneto LXVIII


Nada é mais belo que a luz dos teus olhos;
O mar ou a tarde, o céu ou as flores;
O mundo contigo é cheio de cores;
O barco vai livre em meio aos escolhos.

Amor que da alma alcança os refolhos;
Contigo a cidade não tem dissabores;
Esqueço de tudo, os males, as dores;
Deitados um dia por sobre os restolhos.

Fonte de encanto, prazer e alegria;
Com quem eu desejo estar todo instante,
Pensando e avistando o mesmo farol.

Sorrimos, sonhamos, melhor companhia;
Ó, menina linda, sensível e elegante!
Só falta seguirmos os raios do sol. 

Eliton Meneses

quinta-feira, 14 de março de 2019

Marielle



Há quem diga: "— Ah, não sei por que tanto estardalhaço em torno da morta da Marielle! Se todas as pessoas são iguais, se todos merecem o mesmo luto!" Quem fala assim decerto tem dificuldade de compreender os processos coletivos. Marielle já morreu. Marielle morreu e virou um símbolo, uma bandeira de luta. Por sua história de vida e pelas circunstâncias de sua morte, Marielle tornou-se um símbolo da luta por justiça social, assim como Tiradentes foi um símbolo da luta pela independência do Brasil; Sócrates um símbolo da filosofia; Giordano Bruno um símbolo do conhecimento científico; Joana d'Arc um símbolo do patriotismo francês e tantos outros mártires ao longo da história... 
Marielle, assassinada pelas milícias incomodadas por sua luta, não se torna melhor do que ninguém por ter, depois de morta, virado uma bandeira. Toda morte é igualmente trágica e dolorosa. No entanto, a vida e a morte de determinadas pessoas sintetizam tão bem o processo das coisas do mundo que tornam a memória dessas pessoas um símbolo e uma bandeira de uma causa. Se é justo ou injusto elevar essas pessoas à condição de símbolo ou bandeira de uma causa, esse é outro problema; o fato é que isso sempre existiu e sempre existirá —, porque faz parte da própria natureza humana. A justiça que se pede para o assassinato da Marielle não é apenas a reparação de um caso individual, é uma justiça que ganha transcendência e repara, de alguma forma, toda violação que se pratica contra todas as mulher negras e pobres deste país. Marielle não é uma pessoa, Marielle é muita gente! Daí a diferença!
Marielle, presente! Hoje e sempre!   

terça-feira, 12 de março de 2019

Soneto LXVII


Abro a janela e vejo tudo estreito:
A noite escura, o beco longo e feio;
A porta aberta, o bar, um devaneio; 
Um homem santo eivado de defeito.

Um ébrio canta amores já sem jeito;
A lua nova, um gato, um copo cheio;
O vento sopra o sonho e o som alheio;
Sozinho ainda com espanto espreito.

Quiçá se trate apenas de arremedo;
Delírio, assombro, mais um pesadelo;
A vida é mais bonita à luz do dia.

O sol renasce logo após o medo;
O corpo quente vem depois do gelo;
Saí, enfim, ileso da aporia.

Eliton Meneses

terça-feira, 5 de março de 2019

Rayuela : Cortázar


"Aprehender la unidad en plena pluraridad, que la unidad fuera como el vórtice de un torbellino y no la sedimentación del matecito lavado y frío."

"Lo absurdo no son las cosas, lo absurdo es que las cosas estén ahí y las sintamos como absurdas."

"Yo, señora, lo he llevado en alas de la fantasía hasta el borde mismo del horizonte."

"Soñando nos es dado ejercitar gratis nuestra aptitud para la locura. Sospechamos al mismo tiempo que toda locura es un sueño que se fija."

"(...) su caráter era como un pie que aplastaba toda dialética de la acción al modo de la Bhagavadgita."

"(...) el verdadero amante amaba sin esperar nada fuera del amor, aceptando ciegamente que el día se volviera más azul y la noche más dulce y el tranvía menos incómodo."

"(...) el hombre, después de haberlo esperado todo de la inteligencia y el espíritu, se encuentra como traicionado, oscuramente consciente de que sus armas se han vuelto contra él, que la cultura, la civiltà, lo han traído a este callejón sin salida donde la barbarie de la ciencia no es más que una reacción muy comprensible."

"— Era solamente eso — dijo Oliveira — pero lo malo no es el sueño. Lo malo es eso que llaman despertarse... ¿A vos no te parece que en realidad es ahora que yo estoy soñando?"

"Vanidad de creer que comprendemos las obras del tiempo: él entierra sus muertos y guarda las llaves. Sólo en sueños, en la poesía, en el juego — encender una vela, andar con ella por el corredor — nos asomamos a veces a lo que fuimos antes de ser esto que vaya a saber si somos."

"(...) esas metáforas tranquilizadoras, esa vieja tristeza satisfecha de volver a ser el de siempre, de continuar, de mantenerse a flote contra viento y marea, contra el llamado y la caída."

(Rayuela. Julio Cortázar)