quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Meus olhos ainda marejam,
Meu coração a palpitar.
Eu vi uma criança faminta
Num reles lixo a procurar
Migalhas lançadas, sobejo,
Para a fome terrível aplacar.

Não faço verso perfeito,
Nem verso ouso ostentar.
Prefiro instigar com defeito
Com sensata voz descerrar.
Os braços cruzados, covardes,
E as almas pro mundo acordar!
Eu não faço poemas severos,
Que a severa pena me tenta
Um sonho lânguido apagar.

Eu não inflijo penas amargas,
Que o sabor amargo permeia
Minhas veias no peito a pulsar.

Eu não faço amores sombrios,
Com mulheres sedentas, vazio,
Prefiro esquivar-me e sonhar.

Prefiro levar-me nas vagas,
Indolente tormenta revolta,
Engolido com a nau, afundar.
Serenai, serenai,
Oh, mar revolto!
Ide procela ímpia, indomável,
Fruto insano da vil opressão.

Vagas, abrandai!
Vinde céu límpido,
Terra firme no horizonte,
Avultai, alívio da embarcação!

Descerrai, olhos incautos.
Temei o canto das serenas
Evitai infames tribulações.

Olhai do lado, braços fatigados.
Vileza lançada em alvos desarmados,
Membros de uma mesma geração ...

Perdi o tempo e a réstia da esperança.
Quando quis voltar não encontrei caminho.
Fiquei a final perdido na estação vazia,
olhando confuso a estrada longa que seguia.

Em volta, grotescas formas se moviam.
Os pensamentos vagavam em nostalgia.
Os pés fatigados pararam na noite fria.
Os olhos só abriram no raiar do novo dia.