quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Véspera de Viagem

Uma insônia que não passa. Essas horas que não passam. Ainda são 2h da manhã. O barulho lento do relógio ensurdecedor. O ronco sossegado do companheiro de quarto. A cama desconfortável de residência universitária. Não consigo dormir. A aurora nem dá aceno. Os olhos secos me levam ao copo d'água. Não tem jeito. Terei de partir mesmo com o semblante sorumbático.
Irei bem cedo, às 5 horas. Não, melhor às 4:30h. Quanto mais cedo melhor. Irei reencontrar o meu amor. Após um demorado mês. Tendo ou não dormido, irei ver o meu amor. Não hei de me preocupar com a insônia. Ela apenas me deixará abatido. Mas não me evitará de ver o meu amor.
Lembro dos seus olhos, das suas carícias, dos momentos em que passamos juntos. A cama já não parece tão dura. O ronco do lado vai aos poucos sumindo. Um acorde distante me embala os pensamentos. O ponteiro do relógio acelera. Passeamos pela praça. Não, já estamos casando, na capela de São Francisco. Nasceu nosso primeiro filhinho. Olha que coisa linda! Vivemos felizes, sem nenhuma ânsia de que o tempo corra.
Instantes depois, o canto estridente do galo me desperta. Já são 6:00h. Já estou atrasado. Devo ir depressa, para ver o meu amor. A partir desta manhã não terei mais saudade!
Fortaleza, 10/09/1999.

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Reflexões

"Vamos achar um tesouro naquela casa... Mas não há nenhuma casa... Então vamos construí-la." Irmãos Marx

"Os dois maiores presentes que podemos dar aos filhos são raízes e asas." Hodding Carter

"Antes de começar o trabalho de modificar o mundo, dê três voltas dentro de sua casa." Provérbio chinês

Reflexões - Che

"As tantas rosas que os poderosos matem nunca conseguirão deter a primavera." Che Guevara
"Os jovens... e eu me vejo como um... nós precisamos estudar e estudar pesado. Nós não devemos dizer que meus olhos ardem ou que eu não gosto de ler, que eu fico cansado, que não há óculos, que eu tenho muita vigia, que as crianças não me deixam dormir... todas essas coisas que as pessoas levantam. Nós precisamos estudar por todos os meios." Che Guevara
Yo quiero, cuando me muera,
Sin patria, pero sin amo,
Tener en mi tumba un ramo,
De flores, - y una bandera!
José Martí

domingo, 16 de dezembro de 2007

Reflexões II

“Justiça tardia não é justiça, é injustiça”. Ruy Barbosa
"È meglio una soluzione di mezza tacca presa subito che una soluzione migliore scelta troppo tarde." (Vacca, La Via della Ragione)
"(...) A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcionada à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios da inveja, do orgulho, ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais, ou a desiguais com igualdade, seria desigualdade flagrante, e não igualdade real. Os apetites humanos conceberam inverter a norma universal da criação, pretendendo, não dar a cada um, na razão do que vale, mas atribuir o mesmo a todos, como se todos se equivalessem." (Ruy Barbosa, Oração aos Moços)

Reflexões - Dostoièvski

Tal é a concepção deles de liberdade. E o que resulta desse direito de aumentar as necessidades? Entre os ricos, a solidão e o suicídio espiritual; entre os pobres, a inveja e o crime, porque se conferiram direitos, mas ainda não se indicaram os meios de satisfazer as necessidades.
A humildade cheia de amor é uma força tremenda, sem nenhuma outra igual.
Porque somos uma 'natureza ampla' um Karamázov - eis onde quero chegar -, capaz de reunir todos os contrastes e de contemplar ao mesmo tempo dois abismos, o do alto, o abismo dos sublimes ideais, e o de baixo, o abismo da mais ignóbil degradação.
(in Os Irmãos Karamázovi)
Nasce o Sol, e não dura mais que um dia,
Depois da Luz se segue a noite escura,
Em tristes sombras morre a formosura,
Em contínuas tristezas a alegria.

Porém se acaba o Sol, por que nascia?
Se formosa a Luz é, por que não dura?
Como a beleza assim se transfigura?
Como o gosto da pena assim se fia?

Mas no Sol, e na Luz, falte a firmeza,
Na formosura não se dê constância,
E na alegria sinta-se tristeza.

Começa o mundo enfim pela ignorância,
E tem qualquer dos bens por natureza
A firmeza somente na inconstância.

Gregório de Matos

Reflexões

"A monge duma outra ordem não imponhas tua regra." (provérbio russo)
"Os homens fariam muitas coisas, se não julgassem tantas coisas impossíveis" (Malecher)
"O verdadeiro heroísmo consiste em persistir por mais um momento quanto tudo parece perdido" (W. F. Grenfek)
"Eu que me queixava de não ter sapatos, encontrei um mendigo que não tinha pés." (provérbio chinês)
"Acolhemos a pessoa pelo traje que enverga, mas a despedimos conforme a cultura que mostrou." (provérbio russo)
"An apple a day keeps the doctor away" (provérbio inglês)
"Si Dieu n'existait pas, il foudrait l'inventer". (Voltaire)

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Quousque tandem abutere (...) patientia nostra?

Tocante à não-prorrogação da CPMF, assisti até tarde da noite a votação e, definitivamente, perdi a esperança com os políticos deste País! Tudo parece guiado apenas pelos interesses político-partidários. É lamentável ver as mesmas figuras que dantes (diga-se: era FHC) defendiam em discursos inflamados a prorrogação, ora defendendo idéia diametralmente oposta, apenas porque é o Lula e não mais o FHC o presidente! Ou seja, esses sujeitos não estão nem um pouco preocupados com as conseqüencias deletérias de suas decisões, querem saber apenas dos seus próprios interesses. Eu, particularmente, sempre fui contra o aumento da carga tributária, inclusive da CPMF, nada obstante ulteriormente tenha mitigado a crítica em face da eficiência que a contribuição acabou assumindo no controle à sonegação. De qualquer sorte, não seria favorável à reinstituição da CPMF, mas acho absurdo a extinção abrupta dos recursos dela advindos, se há comprovação de que estão sendo aplicados corretamente em áreas tão sensíveis como a saúde e o combate à pobreza e em especial por se mostrar eficaz no controle da evasão fiscal... Acho que uma extinção gradual seria bem mais razoável ou talvez ainda mais razoável seria a sua manutenção, ainda que numa alíquota simbólica (0,01%, p.ex.), só pra não perder o instrumento de louvável austeridade fiscal (quem não deve não teme)... Mais lamentável ainda é ver o risinho sínico de sequiosos de poder como Agripino, Tasso e Arthur Virgílio, outrora entusiastas da elevada carga tributária, e da própria CPMF, com ares de vitória, crentes de que estão minando o presidente adversário, quando em verdade estão infligido ao povo mais pobre um doloroso castigo e pari passu conferindo aos grandes sonegadores uma excelente válvula de escape! Esses é que esperam governar o País, decerto através da reinvenção futura da CPMF, da qual eles jamais prescindiriam! A turma da esquerda também deveria ter moderado seu discurso na era FHC, deveria ter analisado o tributo com olhos postos nos intereses do povo e não nos interesses de uma futura eleição presidencial. Por um lado, a não-prorrogação parece até um merecido castigo. Se antes defendiam veementemente a extinção da CPMF, por que agora mudaram radicalmente de opinão? Apenas porque o Lula está no poder?! Isso é muito pouco! Acima disso estão os interesse de milhões de pessoas que dependem desses recursos pra ter saúde e educação! E se é pra haver exoneração fiscal, que se comece exonerando outros tributos bem mais injustos. Não se pode negar que dos tributos que temos a CPMF é um dos que melhor promovem a justiça distributiva, tirando em maior proporção de quem tem para amparar quem não tem!
Haja incoerência! De todos os lados!
P.S.: Tenho indisfarcável convicção de esquerda, mas esse episódio me deixou profundamente consternado, inclusive com a própria turma da esquerda.

domingo, 2 de dezembro de 2007

It's never too late to learn!

LA DIVINA COMMEDIA - DANTE






INFERNO
Canto I

Nel mezzo del cammin di nostra vita
mi ritrovai per una selva oscura
ché la diritta via era smarrita.
Ahi quanto a dir qual era è cosa dura
esta selva selvaggia e aspra e forte
che nel pensier rinova la paura!
Tant'è amara che poco è più morte;
ma per trattar del ben ch'i' vi trovai,
dirò de l'altre cose ch'i' v'ho scorte.

Io non so ben ridir com'i' v'intrai,
tant'era pien di sonno a quel punto
che la verace via abbandonai.
Ma poi ch'i' fui al piè d'un colle giunto,
là dove terminava quella valle
che m'avea di paura il cor compunto,
guardai in alto, e vidi le sue spalle
vestite già de' raggi del pianeta
che mena dritto altrui per ogne calle.
Allor fu la paura un poco queta
che nel lago del cor m'era durata
la notte ch'i' passai con tanta pieta.
E come quei che con lena affannata
uscito fuor del pelago a la riva
si volge a l'acqua perigliosa e guata,

così l'animo mio, ch'ancor fuggiva,
si volse a retro a rimirar lo passo
che non lasciò già mai persona viva.
Poi ch'èi posato un poco il corpo lasso,
ripresi via per la piaggia diserta,
sì che 'l piè fermo sempre era 'l più basso.

Ed ecco, quasi al cominciar de l'erta,
una lonza leggera e presta molto,
che di pel macolato era coverta;
e non mi si partia dinanzi al volto,
anzi 'mpediva tanto il mio cammino,
ch'i' fui per ritornar più volte vòlto.
Temp'era dal principio del mattino,
e 'l sol montava 'n sù con quelle stelle
ch'eran con lui quando l'amor divino

mosse di prima quelle cose belle;
sì ch'a bene sperar m'era cagione
di quella fiera a la gaetta pelle
l'ora del tempo e la dolce stagione;
ma non sì che paura non mi desse
la vista che m'apparve d'un leone.
Questi parea che contra me venisse
con la test'alta e con rabbiosa fame,
sì che parea che l'aere ne tremesse.
Ed una lupa, che di tutte brame
sembiava carca ne la sua magrezza,
e molte genti fé già viver grame,
questa mi porse tanto di gravezza
con la paura ch'uscia di sua vista,
ch'io perdei la speranza de l'altezza.

E qual è quei che volontieri acquista,
e giugne 'l tempo che perder lo face,
che 'n tutt'i suoi pensier piange e s'attrista;
tal mi fece la bestia sanza pace,
che, venendomi 'ncontro, a poco a poco
mi ripigneva là dove 'l sol tace.
Mentre ch'i' rovinava in basso loco,
dinanzi a li occhi mi si fu offerto
chi per lungo silenzio parea fioco.
Quando vidi costui nel gran diserto,
«Miserere di me», gridai a lui,
«qual che tu sii, od ombra od omo certo!».
Rispuosemi: «Non omo, omo già fui,
e li parenti miei furon lombardi,
mantoani per patria ambedui.

Nacqui sub Iulio, ancor che fosse tardi,
e vissi a Roma sotto 'l buono Augusto
nel tempo de li dèi falsi e bugiardi.
Poeta fui, e cantai di quel giusto
figliuol d'Anchise che venne di Troia,
poi che 'l superbo Ilión fu combusto.
Ma tu perché ritorni a tanta noia?
perché non sali il dilettoso monte
ch'è principio e cagion di tutta gioia?».
«Or se' tu quel Virgilio e quella fonte
che spandi di parlar sì largo fiume?»,
rispuos'io lui con vergognosa fronte.
«O de li altri poeti onore e lume
vagliami 'l lungo studio e 'l grande amore
che m'ha fatto cercar lo tuo volume.

Tu se' lo mio maestro e 'l mio autore;
tu se' solo colui da cu' io tolsi
lo bello stilo che m'ha fatto onore.
Vedi la bestia per cu' io mi volsi:
aiutami da lei, famoso saggio,
ch'ella mi fa tremar le vene e i polsi».
«A te convien tenere altro viaggio»,
rispuose poi che lagrimar mi vide,
«se vuo' campar d'esto loco selvaggio:
ché questa bestia, per la qual tu gride,
non lascia altrui passar per la sua via,
ma tanto lo 'mpedisce che l'uccide;
e ha natura sì malvagia e ria,
che mai non empie la bramosa voglia,
e dopo 'l pasto ha più fame che pria.

Molti son li animali a cui s'ammoglia,
e più saranno ancora, infin che 'l veltro
verrà, che la farà morir con doglia.
Questi non ciberà terra né peltro,
ma sapienza, amore e virtute,
e sua nazion sarà tra feltro e feltro.
Di quella umile Italia fia salute
per cui morì la vergine Cammilla,
Eurialo e Turno e Niso di ferute.
Questi la caccerà per ogne villa,
fin che l'avrà rimessa ne lo 'nferno,
là onde 'nvidia prima dipartilla.
Ond'io per lo tuo me' penso e discerno
che tu mi segui, e io sarò tua guida,
e trarrotti di qui per loco etterno,

ove udirai le disperate strida,
vedrai li antichi spiriti dolenti,
ch'a la seconda morte ciascun grida;
e vederai color che son contenti
nel foco, perché speran di venire
quando che sia a le beate genti.
A le quai poi se tu vorrai salire,
anima fia a ciò più di me degna:
con lei ti lascerò nel mio partire;
ché quello imperador che là sù regna,
perch'i' fu' ribellante a la sua legge,
non vuol che 'n sua città per me si vegna.
In tutte parti impera e quivi regge;
quivi è la sua città e l'alto seggio:
oh felice colui cu' ivi elegge!».

E io a lui: «Poeta, io ti richeggio
per quello Dio che tu non conoscesti,
acciò ch'io fugga questo male e peggio,
che tu mi meni là dov'or dicesti,
sì ch'io veggia la porta di san Pietro
e color cui tu fai cotanto mesti».
Allor si mosse, e io li tenni dietro.

Dante - 1307 d.C.

quinta-feira, 15 de novembro de 2007

La macchina del tempo

Io vorrei tornare indietro nella macchina del tempo fino ao tempo di Gesù. Mi piacerebbe conoscerlo. Soltanto conoscerlo e poi lasciarlo in pace. Ma prima andrei a ringraziarlo per tutte le cose che hanno nel mondo (sopprattutto per mio bambino Giovanni Pietro). E nemmeno slegare un sospiro di lamento per tante altre cose che non posso capire... Non affligerebbe Gesù con richieste. Magari gli porterei un regalo. Un regalo colto nel giardino in cui viviamo. Io gli porterei una rosa colta nel campo dell'humano amore. Una rosa scempia, però con fiato di vita. La più bella che potevo trovare. Io prenderei a Gesù un fiore di regalo, per Lei vedere che ancora c'è fiore nel mondo odierno - le stesse che ha piantado molto tempo fa. Che c'è pure cuore e occhi che lo vedono, nonostante siano scettico gli occhi e gli desideri. Per vedere anche che c'é gente che lo ricerca senza richieste avide. Persone a chi piacciono cose come fiore. Persone che lo ricercano forse perchè non possono reprimere la inquietudine...
Tuttavia, se la macchina non funciorare, cosa farei della rosa?
- La portarei insieme a me, perchè la rosa è mio bambino G. Pietro, che Gesù già me aveva prima regalato.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Perfil do Novo Servidor Público

"Olhai de que esperanças me mantenho!
Vede que perigosas seguranças!
Que não temo contrastes nem mudanças,
Andando em bravo mar, perdido o lenho."
Camões
Órgãos públicos repletos de apadrinhados do chefe político. Cenário sombrio de uma época não muito remota. Um agrado, um emprego público. Não carecia demorar na repartição. Um relatório para datilografar, um café, só mais um carimbo... Terminava o expediente. O ordenado era minguado, mas quase sempre se pagava, com algum atraso. Difícil outro meio de vida. Ia-se levando, arrastado, no aguardo da merecida aposentadoria, por idade.
Algum novato idealista que ousasse, com denodo, quebrar a serenidade da repartição findava oprimido por sugestões sorrateiras.
– É só começo, caro colega! Faça só a sua parte, o serviço nunca acaba. Ainda podem interpretá-lo mal, considerá-lo uma ameaça às poucas gratificações.
Do outro lado do balcão, a morosidade gerava descontentamento. As pessoas inconformadas nas filas passavam a notar que a burocracia inconseqüente do serviço público lhes saía muito caro. Aviltava demasiado o tributo fielmente recolhido. Parecia implorar-se favor, tamanha a impaciência do atendente.
O quadro de descaso tornou-se insuportável. Urgia mudar a sistemática. Democratizar o acesso ao cargo público, através de concurso. Banir privilégios deletérios, práticas obsoletas. Traçar metas, olhos postos sempre na prestação eficiente do serviço público, enaltecendo-lhe o cunho instrumental, destinado à satisfação do cidadão-usuário. Adotar mecanismos de controle, exigir compromisso.
As mudanças estão vindo, paulatinamente. Tempos de austeridade. Necessário qualificar-se para ocupar um cargo público, qualificar-se para adquirir estabilidade, para progredir na carreira, melhorar o salário. O novo serviço público tem horário a cumprir, satisfação a prestar ao usuário. Não pode hesitar diante de técnicas que conduzam à satisfação eficiente do interesse público.
A demanda crescente não assusta. Nesse passo, o computador é um aliado indispensável. A padronização das rotinas mitiga sobremaneira a repetição inócua. O espírito de equipe, a dedicação e o respeito mútuo também não podem faltar, para tornar palpáveis as metas traçadas, para evitar o dissabor da advertência, para aplacar eventuais desavenças. O ambiente de trabalho ameniza, e até estimula.
A eficiência do servidor público não implica tão-somente a prestação célere de seus misteres, pressupõe também a segurança de seus atos e a oferta solícita do serviço ao cidadão-usuário, que, afinal, é quem mantém a máquina administrativa funcionando, através de uma pesada carga tributária. A urbanidade no atendimento ao público é o mínimo que se pode exigir.
A perspectiva com que acena o novel servidor público é alvissareira, conquanto longa estrada ainda tenha a palmilhar. O esforço há de ser conjunto, Poder Público, servidor e cidadão-usuário, unidos no propósito de debelar anos de descaso, de gerar uma cultura de eficiência, sem perder de vista que o servidor público não é um autômato escravo de resultados a qualquer custo, mas um ser humano em busca de realizações, no trabalho e na vida pessoal, sobretudo.
Chico Eliton

A ignorância é a mãe do preconceito

"Somos muitos Severinos
iguais em tudo e na sina:
a de abrandar estas pedras
suando-se muito em cima,
a de tentar despertar
terra sempre mais extinta,
a de tentar arrancar
algum roçado da cinza."
João Cabral de Melo Neto
Quando esteve, a estudo, na Itália, João Pedro (cearense de Coreaú) conheceu uma retirante paulista que buscava seu 'companheiro', grávida e desprezada. Refugiada, não da seca, mas das agruras do amor, era uma jovem 'moça' digna de alguma simpatia, particularmente por seu desprendimento e notória ignorância. Largara os estudos em busca de seu sonho: reencontrar o pai do filho que carregava no ventre, um guapo aventureiro vindo dos pampas.
A jovem hospedou-se na mesma pensão em que João Pedro estava, vindo a tornarem-se amigos. Certa noite, confessou-lhe sua profunda frustração por receber, já na primeira ligação que fizera a seu amado, um lamentável: "Bah, guria, vai te fuder; arreda de mim, tchê!".
João Pedro ficou com um indisfarçável pesar, inerme diante da situação.
No dia seguinte, ouvindo João Pedro conversar – arranhando os idiomas respectivos – com alguns colegas de estudo: alemães, italianos, franceses e ingleses, a jovem paulista afirmou surpresa: "Não sei como vocês cearenses conseguem aprender tanta coisa, naquela terra tão seca, buscando água na cacimba, com aquelas jangadas todas saindo para pescar!".
Ao que, tentando se segurar – eis que nunca buscara água em cacimba ou andara de jangada –, ele lhe respondeu: "Minha filha, é que, entre uma volta e outra na cacimba, entre uma pescaria e outra - na jangada -, nós paramos, pegamos um livro e aprendemos alguma coisa".
Achou que o gaúcho tinha sido muito cruel, ao ferir sentimentos e esperanças, ainda que de alguém que ostentara um pedantismo inconseqüente. Só por isso, a jovem não ouviu pela segunda vez o: "Bah, guria, vai te fuder; arreda de mim, tchê!!".
É sempre salutar ver o lado lúdico dos desaforos que nos lançam.
Se a ignorância é a mãe de todo preconceito; o preconceituoso, antes do nosso ódio, merece nossa complacência e nosso sarcasmo...

domingo, 4 de novembro de 2007



Um crepúsculo desse dispensa qualquer comentário!
Pôr-do-sol em Coreaú/CE, minha terra natal!
VIAGEM
Viagens que nós fazemos,
Mundo além do horizonte,
Não sei quem mais ama a vida,
Nas nossas andanças singelas,
Palmilhando searas infindas,
Da vida e do mundo ideal,
Dois sonhos mui semelhantes,
Um filho, um café e um tango,
Pensamento e alguma poesia,
Asperezas da vida sensível,
Inquietudes do homem cordato,
Mistérios do mundo sempre igual,
Sem ânsia pelos dias, pelo tempo,
Razões opostas ou concordes,
Na mesma estrada e mesma fonte,
A utopia, o socialismo e Dostoiévski...
Prazeres introspectivos e sociais,
Navegantes de um mundo singular,
Nosso mundo universal e particular,
Angústia, Ilíada, oceano de idéias,
Tão vasto quanto o humano coração,
Nem Diógenes tampouco Napoleão,
Iguais a qualquer mujique cosmopolita,
Sem veleidade ignóbil ou ambição,
Artistas da leitura e da reflexão,
Eis, mãe do meu filho, como estamos,
Ainda nutrindo poesias e sonhos,
Com amor casto e profano em demasia,
Nesse mundo de almas vis e geniais...
Tomemos nosso vinho, companheira!
Não permitamos que a mediocridade campeie,
Nem que falsos deuses aflijam nossos ideais,
Brandindo valores nossos inatos,
A passo lento, caminhando sem pressa a vida,
Que o tempo relativo nos permite ser imortais...
Fco. Eliton

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

TRIBUTO A RAIMUNDO DA BARRA

Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto
mais vasto é o meu coração.
Drummond


A Palma já não é a mesma sem ti, meu avô. O barulho do chocalho do gado cessou. A brisa agora varre nostálgica a carnaubeira. Nenhum vaqueiro abóia mais. Venderam o seu gado, as terras, as criações e o cavalo cocho. Venderam até as casas da "Rua de Baixo". E o apurado ainda não deu pra muita coisa. Era muito filho, ‘vô. E ao vaqueiro ainda coube um quinhão... Afinal, ele era vaqueiro, veterinário, conselheiro e confidente. O gado na mão dele não prosperou, mas sempre havia algum leite para a venda e para uns queijos aqui e acolá.
Das propriedades, não sobrou nada, 'vô. Cada herdeiro, antes de receber seu quinhão, já o havia negociado. Setenta anos de trabalho árduo e economia rigorosa foram desfeitos em algumas horas de maquinação e balbúrdia.
Ninguém mais contemplará aquelas terras com o mesmo amor. Ninguém mais sonhará todas as noites com centenas de reses confinadas nos currais. O sonho acabou, meu avô. O senhor foi definhando, definhando, até não resistir mais e permitir que se apossassem do que era seu.
A Barra, o Ramalhete, o Pé-do-morro, tudo está triste. Não há nenhum chocalho. Nenhuma cabeça de gado pra quebrar a monotonia do fim de tarde. Há apenas um redemoinho arrastando umas folhas secas. Uma nuvem branca imóvel e uma longa estrada vazia, em cujas margens se erguem uns mameleiros retorquidos. Da casa do Evaristo não se ouve eco algum. O pobre velho também já faleceu. A mulher e os cachorros foram morar na rua. O sol parece dar uma trégua para o que restou do açude-do-meio. Mas logo que o sol esfria vem o vento forte que lambe sempre o que restou de água. Os urubus espreitam a carcaça de uma bezerra moribunda e uns dois campinas retardatários procuram debalde uma poça d’água no regato.
Tenho saudade, meu velho. Saudade do seu cheiro de mato. Do seu olhar vazio. Da sua palavra firme e até da sua avareza jocosa. Temos todos saudade. Não há mais couro de cabra no cabide, cangalha espalhada pelos cantos, um fardo de milho no chão. A casa grande d’outrora minguou. Abandonaram-na. No corredor, sua rede parece inda armada. Sua tosse seca parece ainda ecoar. No quarto do meu meio o tio ‘Di’ planeja dominar o mundo, mas a diabetes é que o está dominando, insaciável. Na cozinha sem vida a vovó parece dar ordem à empregada. É preciso mexer o doce, guardar o soro pra coalhada da noite, ir atrás do Valdemir.
Um cabrito berra no quintal. Não, não berra, é mera impressão. Olho a despensa vazia. Tenho a sensação de estar sendo seguido. Ouço o arrastar de um chinelo de couro. Não me assombro, sigo adiante taciturno.
Fecho o velho portão. De longe, o ‘Rabo-da-gata’ deserto, já nem lembra os velhos tempos. Apenas uma miragem sua. Miragem. Tudo aqui e o senhor tão distante. Num cemitério monótono de uma terra que não lhe agrada. Após um velório apressado, cercado de alguma lamentação e uns inevitáveis planos de partilha, deixaram-no em paz. Numa planície aguada duma manhã de verão. No céu, uma barra acenava com um inverno promissor. Toda a terra iria florir, a vazante seria inundada, a rês leiteira... Mas você não estará aqui. Já terá findado o último capítulo. Fecharam o seu livro e o devolveram à biblioteca da memória.
- Adeus, meu avô!

Etim, Coreaú, julho de 2004

O que falta em Coreaú

Está faltando em Coreaú algumas pontes bem largas,
Que tenham o condão de unir muitas ilhas de vaidade!
Está faltando em Coreaú tantos coreauenses,
Retirantes precoces da falta de oportunidade.

Está faltando quase tudo e nós não fazemos nada,
Reclamando sem coerência da alheia inatividade.
Num pedantismo de diplomas com idéias escassas,
De braços cruzados pregando intensa fraternidade!

Falta resolução pra reclamar ao menos do irrazoável,
Pra debelar velhas amarras que herdamos por verdade.
Estamos cercados, mas não estamos derrotados.
Há uma longa escalada em busca da liberdade!

Falta-nos entender a força a que chamam coletividade!
Sem elitismo pretensioso, sem cavilosa maquinação!
Falta-nos rebelar contra o fantasma da iniquidade!
Compartilhar sonhos – abrir a mente e o coração!

Francisco Eliton Meneses

Para a mãe do João Pedro

Você me inspira mais que o ar que respiro;
Você me inspira mais que a luz da manhã;
Nos momentos felizes, você é meu retiro;
Nas tormentas da vida, o meu terno divã.

Mais que o sol que ilumina o meu dia;
Mais que a lua ou que todo entardecer;
Há mais de dez anos me trazendo alegria...
Quero mais todo o sempre do teu lado viver...

Etim p/ Aury

Insana Guerra

Ouço a voz de tanta coisa, ouço sussurros.
Ouço o brado de padecer de humana gente.
Ouço o grito irado de pais ao céu plangente
E o consolo doce de mães tão ternamente...

Ouço gemidos distantes de inocentes,
De tantas crianças famintas pelo mundo.
Ouço, aterrado, pessoas e lágrimas silentes,
E o olhar inerte do humanismo moribundo.

Ouço uma música repleta de esperança,
E penso na guerra que nutre desilusões,
Em corações humanos empedernidos
E no murmúrio vil de torpes ambições.

Contemplo a queda do orvalho na janela,
O gorjeio de pássaros no céu ainda azul,
A sanha humana varrer rubras campanhas
E o olhar vacilante de deletérios tabus.

Ouço passos em marcha, ditadores,
Continências e tambores irracionais.
Nobres sonhos humanos ofuscados,
E a barbárie sob signos nacionais.

Não basta já de infâmia e veleidade?!
Por onde andam os humanos corações?!
Desvaneceu o espírito humanitário?!
Temeroso da fadiga e da opressão?!

Não! Ouço algumas vozes combativas,
Ouço gritos viris espalhados pela terra,
Ouço uma leve brisa aplacar macromanias,
E todos livres do dissabor da insana guerra...

Francisco Eliton Meneses