sexta-feira, 31 de julho de 2015

NOSSO TEMPO



Não serei o arauto do apocalipse; 
Não cairei em cantilena mendaz; 
Cansei de temer algoz rancoroso; 
Cansei de esperar heroísmo fugaz;
O mundo segue a trilha lentamente
No compasso de caminheiro sagaz;
A esperança se faz no tempo longo;
A ruína na pressa do dragão voraz.
 Sairei taciturno pela rua já deserta,
À espera de uma nova gente audaz,
Com força para um novo recomeço,
Às voltas com um bando mui tenaz.
Sigo o farol gauche da humana saga:
 Sonho de um mundo de amor e paz.
Se tu não segues rumo ao horizonte,
Não me peças que eu ande para trás. 

Eliton Meneses

terça-feira, 28 de julho de 2015

PURGAÇÃO DA MORA


O direito à purgação da mora (quitação das parcelas atrasadas, com os acréscimos legais e contratuais) subsiste nas ações de busca e apreensão baseadas no Decreto-lei 911/69, mesmo depois do advento da Lei n.º 10.931/2004, haja vista derivar essa faculdade de outras disposições legais relacionadas com os direitos constitucionais, obrigacionais e de proteção às relações de consumo, que devem ser interpretadas de forma sistemática. Ora, o instituto da purgação da mora encontra disciplina no artigo 401, inciso I, do atual Código Civil, como forma de impedir a resolução do contrato e de manter o vínculo contratual, para tanto bastando que o devedor ofereça a prestação devida e os prejuízos ocorridos até a oferta, como juros de mora e multa porventura pactuados, salvo se a prestação, devido à mora, se tornar inútil ao credor, hipótese em que este poderá rejeitá-la, e exigir a satisfação das perdas e danos (artigo 395, parágrafo único, do Código Civil).
No caso de contrato de alienação fiduciária em garantia, parece evidente que a exceção do parágrafo único do artigo 395 do Código Civil, que permite ao credor rejeitar a prestação, não se faz presente, na medida em que o pagamento, mesmo com atraso, sempre será mais útil ao credor do que a recuperação do bem objeto da garantia fiduciária. Se isso não bastasse, estando-se diante de relação nitidamente de consumo, a purgação da mora é de ser autorizada ainda com mais razão. Isso porque, nos contratos considerados de adesão, a cláusula resolutória expressa é admitida apenas se a escolha couber ao consumidor (art. 54, § 2º, do CDC). E mesmo que essa disposição protetiva pareça em conflito com a recente regra do § 2º do art. 3º do Decreto-lei 911/69, com a redação da Lei 10.931/2004, essa antinomia evidentemente se resolve pela prevalência da regra protetiva em detrimento da lei especial, porquanto aquela está sustentada em princípios maiores que se sobrepõem à regra da especialidade, inclusive com status de norma constitucional, como garantia individual prevista no artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal.

N.B.: O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, em precedente favorável às instituições financeiras, entendeu que a purgação da mora exige o pagamento integral da dívida nos contratos posterior à Lei n.º 10.931/2004 (cf. REsp 1.418.593/MS, rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 27.05.2014)

segunda-feira, 27 de julho de 2015

ALTOS E BAIXOS


EM ALTA

A resiliência do povo coreauense, sob a aridez causticante do quarto ano seguido de seca, em meio ao redemoinho da desesperança, à espera de quem não ficou de chegar. 

EM BAIXA

O Matadouro ainda deitado em ruínas, alguns pilares da Ponte ainda (perigosamente) quebrados, o Calçadão ainda sem um único banco, a Praça da Juventude em completo abandono, o crescimento desordenado dos bairros periféricos..., tudo em meio ao espetáculo de reconstruções (desnecessárias) de praças do Centro da cidade. 

EM ALTA 

A humildade, a simplicidade e a hospitalidade do povo coreauense.

EM BAIXA

O risco (caso a reforma do seu entorno não seja concluída a tempo) de a Festa de Setembro, pela primeira vez, não acontecer na Igreja Matriz de Nossa Senhora da Piedade.  

sexta-feira, 24 de julho de 2015

LIBERALISMO


A Revista Veja transformou-se num panfleto do liberalismo político-econômico a serviço do neocolonialismo. Ocorre que o liberalismo, que volta e meia reaparece como algo novo, inclusive ultimamente com o rótulo de neoliberalismo, é uma corrente ideológica coberta de poeira e teia de aranha, desmentida, entre nós, desde os primeiros dias da Proclamação de República.
Nos estertores do Império, Rui Barbosa era um liberal convicto, que defendia intransigentemente a doutrina do Estado mínimo, elevando-a até à categoria de dogma. No entanto, mal escoado um mês desde o 15 de novembro de 1889, o nosso sábio "Águia de Haia", na condição de Ministro da Fazenda da República recém-inaugurada, teve que rever os seus conceitos: "Não nos encerremos nas teorias estreitas de certos utopistas, notáveis pela intransigência do seu fanatismo e pela sua incapacidade na prática das cousas humanas, que pretendem modelar o mundo por fórmulas abstratas, nunca experimentadas, querem reduzir o papel do Estado a uma perpétua desconfiança contra as maravilhas das grandes organizações industriais, e negam a vantagem, para as nações, da interferência discreta da administração provocando, acoroçoando, favorecendo os empreendimentos do capital, da riqueza acumulada, das grandes aglomerações do trabalho ao serviço da inteligência, da fortuna e da ambição temperada pelo patriotismo... Ao Estado, nesta fase social, cabe sem dúvida um grande papel na atividade criadora, acudindo a todos os pontos onde o princípio individual reclame a cooperação suplementar das forças coletivas." (Apud Raymundo Faoro. Os donos do poder. Vol. 2. Ed. Globo. 1987. p. 509).
O liberalismo, ao longo da história, já mostrou a que veio e, sobretudo, para quem veio. Não nos deixemos ludibriar mais uma vez por essa velha cantilena desbotada.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

SABEDORIA ANTIGA



1. Vulpem pilum mutare, non mores (A raposa muda de pelo, mas não de costumes);
2. Barba non facit philosophum (A barba não faz o filósofo);
3. Dum licet, et spirant flamina, navis eat (Que a nau prossiga enquanto for permitido e os ventos soprarem);
4. Aequam memento rebus in arduis / servare mentem (Lembra-te de conservar ânimo sereno nas adversidades);
5. Praestat habere acerbos inimicos, quam eos amicos, qui dulces videantur: illos verum saepe dicere, hos numquam (É melhor ter inimigos críticos do que amigos bajuladores: aqueles sempre dizem a verdade; estes, nunca);
6. Ventum seminabunt et turbinem metent (Semearão vento e colherão tempestade);
7. Quisnam istic fluvius est, quem non recipiat mare? (Afinal que rio é esse que o mar não consegue receber?);
8. Felix qui potuit rerum cognoscere causas (Feliz de quem pôde conhecer a causa das coisas);
9. In medio stat virtus (A virtude está está no meio);
10. Omnia vincit amor (O amor tudo vence).

sexta-feira, 17 de julho de 2015

ONDA REACIONÁRIA


A questão da maioridade penal poderia ser orientada pela opinião da Unesco, da Unicef, da CNBB, da Anistia Internacional, de especialistas no assunto, (...), mas a Câmara dos Deputados (a mais retrógrada da história do Brasil), num espetáculo dantesco de manobras, resolveu, num populismo asqueroso, defini-la, de forma inconstitucional e ao arrepio de inúmeros tratados internacionais firmados pelo Brasil, pela onda autoritária, vingativa e intolerante das bancadas da bala, da Bíblia (fundamentalista) e do boi... Tempos sombrios!

segunda-feira, 13 de julho de 2015

FAUSTO


Beati pauperes spiritu.

Preso há mais de seis meses por tentativa de furto de duas cadeiras de balanço, Fausto era admirado pelos companheiros de cela não pela sua ficha criminal, ousadia ou astúcia, como era de costume, mas pelos seus arroubos de erudição. Loiro, alto, ainda musculoso, embora com a feição carcomida pelos vinte anos de droga, Fausto, mesmo entre os detentos, não fazia esforço para se fazer entender. 
 Não hei de quedar nesta masmorra ignóbil por mais tempo. 
Os presos não compreendiam quase nada do que ele falava e, por isso, o consideravam bastante culto; alguns diziam que ele falava em latim. 
Fausto não conteve a euforia quando o defensor público vaticinou que, muito provavelmente, ele seria solto ao final da audiência de instrução e julgamento, agendada para a semana seguinte.  
Alea iacta est! Finalmente poderei provar minha inocência perante o egrégio sodalício e sair deste covil degradante. 
No início da audiência, a expressão de Fausto era de alguma ansiedade, que, de toda sorte, não ofuscava sua natural autoconfiança. Perguntado sobre ser verdadeira a acusação que lhe era feita, Fausto respondeu que não passava de conjectura falaciosa.    
– Em verdade, Excelência, naquele famigerado dia, naquela malfadada hora, seguia eu pela Dragão do Mar, quando, nas imediações da Igreja Matriz, deparei com as duas cadeiras largadas ao sol e pensei comigo: Bem que elas poderiam ser úteis à Casa de Recuperação. Então, levei-as, uma em cada mão, mas poucos metros depois fui abordado pela viatura da polícia. Não agi, portanto, com animus rem sibi habendi.
O réu não conteve o ar triunfal. A promotora de justiça, contendo o riso, perguntou se as cadeiras estavam na calçada ou na rua.
Na calçada. Aliás, na calçada de uma residência cujas portas e janelas estavam fechadas, emendou a tempo Fausto.
O defensor público perguntou o que motivara Fausto a praticar o ato.
– O sentimento de retribuição. Passei um ano e nove meses no Centro de Recuperação, num tratamento contra as drogas, sem pagar um único centavo. Carregarei essa dívida por toda a minha vida; de alguma forma, sinto-me permanentemente na obrigação moral de pagá-la.
Ao final da audiência, a sentença foi proferida. Fausto foi condenado por tentativa de furto. A pena aplicada, de quatro meses de reclusão, já havia sido cumprida, com sobra. Com o alvará de soltura em mãos, livre das algemas, o loquaz condenado agradeceu emocionado a restituição da sua liberdade e foi-se embora radiante de felicidade pelo corredor do fórum.
– Digito caelum attingit.
Uma semana depois, soube-se do ocorrido. Fausto fora visitar um irmão numa favela em Fortaleza e o traficante da área, confundindo-o com um rival, acertou-lhe dois tiros na cabeça. 

sábado, 4 de julho de 2015

TARDE SERTANEJA



Tarde rubra sertaneja,
Tens a cor da solidão;
Obra-prima benfazeja,
Do Senhor da criação.
Lento filme desbotado,
Em lampejo inusitado,
Me revejo neste chão.
No cenário de menino,
Triste aboio vespertino
Do vaqueiro sem gibão.

Lá distante a velha serra
Inda azula a imensidão;
Quase nada cobre a terra
No calor da alta estação:
Mata branca ressequida, 
Uma aragem esmaecida
E a cigarra em louvação.
Pinta o artista em sua tela
A paisagem inculta e bela
Do crepúsculo no sertão.

Eliton Meneses
Foto: Mardone França