quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Longarinas : Ednardo





Longarinas faz alusão aos pilares da Ponte Metálica da Praia de Iracema, que não é uma ponte, mas um píer, já que é uma passarela sobre as águas e não uma estrutura que interligue um ponto ao outro. A Ponte Metálica tem realmente muitas longarinas, relevando, desde logo, a sensibilidade do compositor Ednardo, ao nomear a canção a partir dos pilares gastos pelo mar e pelo tempo, sinônimos de altivez e resistência, valores cultuados pelo Pessoal do Ceará.
A música começa com: 'Faz muito tempo que eu não vejo o verde daquele mar quebrar', numa espécie de reencontro de um filho que havia partido e retornado, encantado, à terra natal, sina tão comum ao povo cearense, vivenciada pelo próprio Ednardo. O verde do mar faz lembrar os verdes mares bravios, de Iracema, de Alencar.
'Nas longarinas da ponte velha que ainda não caiu', ressalta-se a resistência da Ponte Metálica (Ponte Velha) como lembrança de uma época que não se deixa encobrir facilmente pela poeira do tempo.
'Faz muito tempo que eu não vejo o branco da espuma espirrar' descreve o encontro das ondas com as pilastras, formando uma espuma no choque da água salgada com o concreto, que espirra na eterna briga da ponte, que resiste, com o mar, que deseja destruí-la.
'Uma a uma, as coisas vão sumindo'. A música segue lamentando o sumiço das coisas. Os símbolos do passado clássico que são encobertos pela indiferença do tempo. 'Uma a uma, se desmilinguindo.' Desmilinguir-se é, no coloquial, comum no Ceará, ir-se desmanchando, ir-se desfazendo... 'Só eu e a ponte velha teimam resistindo'. No entanto, a ponte e o poeta resistem; a ponte e o poeta, poeta-cantor do Pessoal do Ceará, que não larga suas raízes, que não nega sua identidade. 
'E a nova jangada de vela', jangada tão comum nos verdes mares cearenses, jangada de Dragão do Mar, também sinônimo de resistência, 'Pintada de verde e encarnado', do verde da esperança e do encarnado da luta contra as forças da natureza.
'Só meu mote não muda a moda não muda nada...' O mote do poeta não muda a moda, não muda o gosto efêmero dos novos tempos. Apesar disso, resiste. 
'E o mar engolindo lindo', as ondas do novo engolem o passado, a 'Antiga praia de Iracema', sua história, sua tradição, sua poética; engolem até os olhos verdes da menina que lia mais um novo poema, mas não sem um olhar desconfiado da lua para a noiva do sol (Fortaleza), com mais um supermercado, que traduz os novos tempos, erguidos sobre as ruínas dos casarões antigos. 
Assim, 'Era uma vez meu castelo entre mangueiras e jasmins florados'. Os casarões vão-se desmilinguindo. Foram-se os tempos dos galos, noites e quintais. O mar vai engolindo a poesia de Iracema. O mal vai engolindo e rindo da poesia de outrora. O poeta chega enquanto o mar e mal devoram a Iracema dos seus sonhos e, com o coração partido, entoa um aboio: 'Beira-mar, beira-mar...' Beira-mar, Iracema... Dá no mesmo. Um aboio choroso como aquele do vaqueiro que perde a sua rês. 
Mas, em meio a esse processo desolador, o poeta chega e representa uma esperança, esperança de um canto novo, de um tempo novo que não renega o passado. Um poeta que volta às origens, que saúda a maninha, que se balança na rende branca, na cadência do maracatu... Um poeta que está chegando agora. Quem sabe para ficar!

Nenhum comentário: