segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

VICENZA


Vicenza não sabia mais a quem recorrer. Perdera a conta das mercearias que lhe cortaram o fornecimento. Depois de três meses de atraso, não havia comerciante que a suportasse. Não adiantavam novas promessas, nem a récua de meninos como apelo dramático. Estava fechada a conta e ponto final.   
O vendedor de peixe caiu na besteira de vender-lhe um cambo de cará fiado. Não adiantou. Na terceira cobrança, semanas depois da venda, Vicenza partiu para a ignorância: 
– Me respeite, menino sem vergonha! Sou uma mulher direita! Não me aperreie mais, senão chamo a polícia!   
Um galego recém-chegado na Palma surpreendeu-se com a solicitude da compradora. Vicenza resolveu ficar com três panelas, um espelho, duas redes, um quadro e um faqueiro, para serem pagos em três prestações mensais de duzentos mil cruzeiros. De tão eufórico, o galego nem seguiu mais a venda do dia. Com uma promissória assinada no bolso, regressou contente para o pequeno hotel na Praça da Matriz.
No mês seguinte, o vendedor reapareceu para a cobrança. Na primeira tentativa, bateu na porta por uns vinte minutos e, não tendo resposta, resolveu dar um giro para vender mais algum produto. Quase ao meio-dia, voltou à casa de Vicenza e ainda a encontrou fechada. Bateu mais um pouco na porta, espiou pela fresta da janela, esperou mais uns dez minutos e saiu já um tanto preocupado. No final do dia, depois de ficar meia hora de tocaia na esquina próxima, dirigiu-se, já aflito, à morada da cliente. Com a casa ainda fechada, sem resposta aos seus chamados, o galego resolveu socorrer-se de uma pixota que apareceu na janela da casa vizinha.        
– Você sabe me dizer por onde anda a Vera Lúcia, que mora nesta casa? 
– Olha, seu menino, nessa casa aí não mora nenhuma Vera Lúcia, não!  
– Como assim?! Se ainda no mês passado Dona Vera Lúcia me comprou uns produtos à prestação e até assinou uma promissória!
– O nome da pessoa que morava nessa casa era Vicenza, mas ela até já foi embora para Fortaleza, depois de ser despejada pelo dono da casa, com uns sete meses de aluguel atrasado.
O pobre galego ficou pálido e sem chão. Queria não acreditar no que estava escutando. Um calote de seiscentos mil cruzeiros arrebentaria de vez seu negócio. Desolado, ajuntou os poucos pertences que carregava e seguiu lentamente pela rua deserta, pensando em voltar no dia seguinte para sua terra natal.  
Dois dias depois, Vicenza reapareceu em casa, lépida e fagueira. Antes de entrar, foi falar com a vizinha Serafina sobre a cobrança do galego. Segura de que ele partira no ônibus daquela mesma tarde, agradeceu a cúmplice pela força e seguiu com os cinco filhos para preparar o jantar. 

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