sábado, 5 de maio de 2018

DA AUSÊNCIA DO DIREITO...


Acho que hoje vivi um pouco do que é o espírito de Antígona de Sofócles no plantão de hoje da Defensoria Pública.
Um homem, junto com sua mãe, esperavam desde às 9:00 da manhã um atendimento para conseguir autorização judicial para poder inumar (enterrar) sua filha recém-nascida. Meio-dia comecei a atendê-los. O homem vivia em união estável com sua companheira há 2 anos e meio. Na última terça-feira, 1.º de maio, ela começou o trabalho de parto e infelizmente veio a falecer. A criança sobreviveu, mas hoje, por volta das 3h da manhã, teve a terrível notícia que sua filha também falecera. Como vivia em união estável e não eram casados, não tinha como registrar sua filha para que depois de registrada pudesse receber a certidão de óbito para poder inumar sua filha e fazer a certidão de óbito. Os pais da mãe da criança também era falecidos, tendo como único parente uma tia que ali não se encontrava!!
Após ligação para cartório plantonista do Sisob, tive a informação de que se autorizaria fazer o registro de nascimento sem nome do suposto pai pela tia, desde que com uma simples autorização judicial. Realmente não vi na lei do Registro Público a possibilidade de se fazer o registro público da criança falecida pela tia da mãe também falecida.
Consegui falar com a equipe do plantão judicial no inicio da tarde, informando que ajuizaria a demanda assim que a tia da mãe falecida chegasse, com o intuito de fazer um pedido judicial de autorização para que a tia pedisse uma autorização para, no mínimo, vendo aquelas pessoas arrasadas, dar o mínimo de dignidade com a inumação da criança o quanto antes.
A tia se deslocou do Montese até o Fórum Clóvis Beviláqua, ante a lentidão do transporte público. Nesse intervalo, ainda atendi um pedido de UTI de um senhor que se encontrava em uma UPA e não conseguia vaga de transferência.
A tia da mãe chegou por volta das 16:30 e, ante a seleção de papeladas, confecção de peça inédita, mencionei toda a situação exposta e, finalmente, ao consegui protocolar a petição, o sistema indicou 18:05.
Após se deslocar à secretaria, o homem chorando afirmou que não iriam apreciar o pedido porque havia passado 5 minutos. O plantão é apenas até 6 horas.
Sei que se pode dizer: passaram-se 5 minutos!!! A regra é clara!!!
Mas vendo toda essa situação me indaguei: Ganhamos bem comparando com a maior parte dos brasileiros para nessas horas termos essa postura!?
Mesmo sem se render ao fraco argumento financeiro, um possível ativismo pró-humano (já que ultimamente tem-se destacado o contra) diante desse caso iria provocar uma sanção gravíssima a quem tivesse sensibilidade com a situação!?
O formalismo de 5 minutos e a vontade de ir pra casa no plantão, usufruir o sábado à noite, estão acima da dignidade dessa pessoa que ainda terá que esperar mais tempo para inumar uma criança recém-nascida!?
Acho que às vezes temos que ser um pouco Antígona, porque a burocracia e o distanciamento da realidade fazem virarmos desumanos!!!
Vou acompanhar a situação e espero que a sensibilidade humana que independe de classe social, nível intelectual, religião, ideologia, prevaleça e essa criança possa ser inumada o quanto antes, um mínimo de conforto ante as duas perdas de quem sofreu um revés da realidade ante os sonhos!!!

Vagner de Farias
Defensor Público

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