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Akáki Akákievitch já sentira por antecipação a inevitável timidez, ficou meio confuso e, falando na medida em que a desenvoltura da língua lhe permitia, explicou, acrescentando o "aquilo" até mais amiúde que antes, que tinha um capote novinho em folha, mas que o haviam roubado de maneira desumana e que se dirigia a ele pedindo para interceder de algum modo, entrar em contato com o chefe de polícia e dar um jeito de encontrar o capote. Sabe Deus por quê, mas o fato é que o general achou que Akáki Akákievitch estava usando de intimidade.
– Meu caro senhor – continuou ele com voz entrecortada –, o senhor por acaso não conhece o regulamento? não sabe onde se encontra? como se encaminham as coisas? o senhor devia ter antes apresentado uma solicitação à repartição; esta a enviaria ao chefe da seção, ao chefe do departamento, depois ao secretário e então o secretário a passaria para mim...
– Mas Excelência – Akáki Akákievitch procurava reunir toda a pequena fração de presença de espírito que lhe restava, sentia que estava terrivelmente suado –, Excelência, tive a ousadia de importuná-lo porque esses secretários são aquilo... uma gente pouco confiável...
– O quê? O quê? O quê? – disse o figurão. – De onde lhe vêm essas ideias? Que desmandos são esses que os jovens andam cometendo contra seus chefes e superiores?! – O figurão pareceu não notar que Akáki Akákievitch já passava dos cinquenta anos. Portanto, se ele pudesse ser qualificado de jovem, isso só seria possível em termos relativos, isto é, se comparado com quem já estivesse na casa dos setenta. – O senhor por acaso não sabe com quem está falando? Será que não compreende diante de quem se encontra? Compreende ou não? Estou lhe perguntando. – E bateu com o pé, elevando a voz a um timbre que deixaria não só Akáki Akákievitch apavorado.
Akáki Akákievitch ficou deveras estupefato, cambaleou, tremeu todo e perdeu toda a condição de se aguentar sobre as pernas: se os contínuos não tivessem acorrido imediatamente para segurá-lo, ele teria despencado; saiu quase carregado. Quanto ao nosso figurão, satisfeito em ver que o efeito tinha até superado a expectativa e completamente embriagado pela ideia de que sua palavra podia até fazer uma pessoa desmaiar, olhou de esguelha para o amigo a fim de verificar a sua reação, e não foi sem satisfação que o viu num estado completamente indefinido, e por sua vez começando até a sentir medo.
Como desceu a escada, como tomou a rua – nada disso Akáki Akákievitch sequer chegou a notar. Não sentia os braços nem as pernas. Nunca fora tão fortemente repreendido por um general, e ainda por cima de outra repartição. Caminhou em meio à nevasca que assobiava pelas ruas, boquiaberto, desviando-se atrapalhadamente das calçadas; seguindo o costume de Petersburgo, o vento o atacava de todos os lados, de todos os becos. Num abrir e fechar de olhos apanhou uma angina e chegou em casa aos trancos e barrancos, sem força para dizer uma só palavra; todo inchado, deitou-se na cama. Que força tem às vezes uma reprimenda devidamente passada! No dia seguinte, já estava com febre alta. Graças ao generoso auxílio do clima de Petersburgo, a doença evoluiu com mais rapidez do que se poderia esperar, e, quando o médico apareceu e lhe tomou o pulso, nada teve a fazer senão receitar uma compressa, e mesmo assim só para que o doente não ficasse sem o beneficente socorro da medicina; de resto, comunicou-lhe no mesmo instante que dentro de uns dois dias a morte era certa. Depois disso dirigiu-se à senhorita e disse:
– Quanto à senhora, não perca tempo à toa: encomende agora mesmo um caixão de pinho, porque o de carvalho ficará muito caro para ele.
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(O Capote. Nikolai Gógol)
– Quanto à senhora, não perca tempo à toa: encomende agora mesmo um caixão de pinho, porque o de carvalho ficará muito caro para ele.
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(O Capote. Nikolai Gógol)
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