sábado, 23 de julho de 2016

DIÁRIO DE VIAGEM



Quando menino, costumava deitar-me no cimento frio da sala de casa, enquanto o pessoal assistia à novela das oito. O vento da noite varria o corpo esquálido e os pensamentos pegavam carona no caminhão que cruzava a rodovia próxima e seguiam mundo afora. 
Tia Oneida um dia sussurrou:
– Tão magrinho! Dá até pra contar as costelas!
Pensava em lugares distantes, como a Rússia fria; viajava por estradas compridas que davam no mundo inteiro, muito embora nunca tivesse ido à vizinha Moraújo. Talvez a dificuldade de ir para além da própria rua, às vezes da própria porta de casa, tenha-me despertado o interesse de conhecer o mundo. 
Nestas férias, saímos de carro sem itinerário certo. A ideia era seguir pelo litoral até Alagoas, sem nenhum cronograma, sem reserva de hotel, parando onde desse na telha. De Fortaleza a Natal cruzamos um trecho comprido; passamos por Mossoró e seguimos pelo sertão potiguar numa estrada reta quase sem fim. Não notei nenhuma diferença entre o sertão e o agreste; apenas próximo ao litoral a paisagem tornou-se verdejante. Chegamos em Natal no começo da noite e fomos à Ponta Negra atrás de hotel. Na segunda tentativa achamos um bem razoável com vista para o Morro do Careca. Jantamos nos arredores ao som de um autêntico forró e depois fomos dormir; no meio da manhã seguinte iríamos para Recife.
Na BR-101, os canaviais a perder de vista e alguns resquícios de floresta da Zona Mata descortinaram um cenário paradisíaco. A via duplicada e bem conservada garantiu uma viagem rápida e prazerosa até Recife. Na Paraíba, paramos apenas para abastecer e recordamos, no percurso, em meio ao verde da cana, os romances de José Lins do Rego e José Américo de Almeida, enquanto cantavam Táxi Lunar os também paraibanos Zé e Elba Ramalho...
No Recife ficamos três dias num hotel barato em Boa Viagem, reservado previamente por um aplicativo baixado no celular. Assim, conseguimos a um só tempo segurança, comodidade e preço baixo. Outro aplicativo baixado foi o Google Maps, que serviu bastante na orientação. Rodamos por Recife sem qualquer problema, como se já a conhecêssemos, graças ao Google Maps.
Passamos praticamente um dia inteiro no centro histórico de Olinda, onde tivemos a grata surpresa de encontrar o amigo Hilton, de Aracati. Olinda é de encher os olhos, um patrimônio histórico da humanidade, um dos lugares mais belos do Brasil.
Em Recife, relemos Morte e Vida Severina, do poeta pernambucano João Cabral de Melo Neto, e fizemos um típico programa de cidade grande. Num dos dias, fomos a Porto de Galinhas, a 60 quilômetros da capital, que continua bela e encantadora, conquanto já bastante urbanizada. 
No dia seguinte, tomamos a famosa BR-101 com destino a Maragogi, nas Alagoas. Erramos o caminho; deveríamos ter ido pelo litoral e não pela 101; os 120 quilômetros previstos tornaram-se mais de duzentos. De toda sorte, entre a despovoada Gameleira e o litoral passamos pela região mais pitoresca de toda a viagem, um cenário típico de um Brasil Colonial. 
Ficamos dois dias em Maragogi. Imaginava ser uma vila de pescadores, mas encontrei uma cidade com Fórum, Prefeitura, centro comercial... As piscinas naturais, por conta da maré, estavam interditadas. Fizemos outro passeio,  mergulhamos e vimos alguns peixes. As águas, devido ao inverno, estavam um pouco turvas. Maragogi não foi exatamente o que imaginávamos, mas, como diz o poeta, tudo vale a pena, se a alma não é pequena...
Na volta, passamos pela bela João Pessoa, na Paraíba. Assistimos ao jogo Botafogo x Ceará, num estádio Almeidão decrépito, passamos a manhã seguinte na Estação Ciência, demos uma espiada na Ponta do Seixas e fomos almoçar com a amiga Adlany, ex-colega de PGE/RR. 
No mesmo dia seguimos para Natal para jantar com o amigo Mardone, coreauense que até então conhecíamos apenas nas lidas virtuais.    
Depois de uma parada em Canoa Quebrada para um café, chegamos em Fortaleza ao final de quase dez dias de estrada, numa aventura única e inesquecível.

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