domingo, 13 de novembro de 2016

CEM ANOS DE SOLIDÃO


Uns anos atrás, peguei-me lendo Cem anos de solidão, numa tradução que acompanhava um certo jornal, e, sinceramente, não entendi nada. Estava lendo outras coisas e, naquela leitura rastejante, cheguei a duas conclusões: ou Cem anos de solidão não era tudo aquilo que falavam ou o problema estava em mim, talvez a falta de maturidade literária, talvez a falta de tempo, de sensibilidade ou de compromisso com aquela leitura específica. Por volta da página 50, sem achar nenhuma graça em meninos com rabos de porco, parei a leitura.
Há poucos dias, vi, na livraria, uma edição comemorativa de Cien años de soledad, semelhante à edição comemorativa dos 400 anos de Dom Quixote, da Real Academia Española, e resolvi comprar.
Quando comecei a ler, não parei mais. Parei de ler Guerra e Paz, parei de ler o Código de Processo Penal comentado, parei de fazer um recurso, parei tudo, até terminar a estória mais fantástica já escrita na América Latina, talvez a estória mais fantástica sobre a América Latina, aquela que toca o homem universal a partir do cotidiano do homem latino-americano, encenada num povoado chamado Macondo, que poderia muito bem chamar-se Coreaú ou qualquer outro rincão longínquo da América Latina.
O problema decerto estava em mim. Cien años de soledad desbrava um território antes inexplorado, abre uma dimensão do nosso inconsciente latino esquecido em meio a superficialidades tão óbvias.
A impressão que tive é de, visitando Macondo, ter revisitado a minha Coreaú, de ter penetrado na minha própria história por um atalho que me trouxe de volta cores, cheiros e gostos de outros tempos, de um tempo que realmente dá voltas em torno de si.
Lendo Cem anos de solidão, não há como não se afeiçoar por essa Pátria Grande que se chama América Latina, por essa comarca do mundo tão explorada, mas ao mesmo tempo tão fértil na relevação de um homem novo, um homem mestiço e plural, misto de Aurelianos, José Arcadios e Úrsulas, louco e gênio a um só tempo, que de um quarto escuro de um povoado esquecido consegue sentir e entender a solidão do mundo.
Vendo, por curiosidade, a lista dos 100 melhores livros de todos os tempos da Revista Bula, notei que Dom Quixote figurava na 1.ª posição e Cem anos de solidão na 5.ª. Não li muita coisa na vida, mas do que li, acho que Cem anos de solidão poderia subir facilmente para a 2.ª posição, e, quem sabe, a depender da perspectiva, desbancar o próprio Quixote.
Quem não leu Cem anos de solidão, ainda não teve o enorme prazer de mergulhar numa das maravilhas da literatura, numa maravilha que está plantada no nosso quintal, que está plantada dentro de nós mesmos e que retrata de maneira fiel o inconsciente coletivo de toda a América Latina.

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