Eis um tema que seria preferível não ter que enfrentar. Um tema em que, ao fim e ao cabo, todos saem de alguma forma perdendo. Mas um tema que não pode deixar de ser enfrentado, muito embora talvez jamais se encontre uma solução ideal.
Milhares de mães morrem em clínicas de aborto clandestino todo ano somente no Brasil. As causas que levam essas mães a abortarem são as mais diferentes. Entre nós, o aborto é crime, passível, em tese, de prisão, de toda sorte, a experiência revela ser bem raro uma mãe ser punida pelo aborto, sobretudo pela clandestinidade da ação. O crime de aborto acaba sendo praticamente letra morta. Diante disso, surge a questão: Não seria preferível legalizar logo o aborto? Assim, as mulheres que desejassem abortar teriam como recorrer a um hospital para realizar o procedimento de modo seguro...
Essa solução seria simples se não implicasse um outro interesse que a ordem jurídica também protege. Não se pode esquecer que o feto e o embrião são uma vida humana em desenvolvimento. Não sei se porque costumo desviar a pisada até para não atingir uma formiga, acho muito espantosa essa ideia de um aparato médico-hospitalar a postos para realizar um aborto, sem uma razão séria a justificar a medida, como nos casos de risco de vida da gestante e de gravidez resultante de estupro, já autorizados pela lei.
Quando se fala em legalizar o aborto, qual seria o fundamento desse direito de abortar? A integridade do corpo da mãe? A liberdade da mãe? E o direito à vida do embrião? Ora, na ponderação do interesse mais relevante, considerando o embrião ou o feto uma vida, não haveria como a balança não pender em favor do nascituro. A não ser que não se considere o feto ou o embrião uma vida humana, algo absolutamente incompatível com o atual estágio da ciência, não haveria como não priorizar a vida do ser em formação. Na quarta semana de gestação, o pequeno coração do ser humano em desenvolvimento já começa a pulsar de maneira vibrante. A decisão do STF que, há poucos dias, não considerou crime o aborto antes do terceiro mês de gestação, prioriza interesses secundários da mãe e esquece um pequeno coração humano que bate com tanto anseio de viver.
Espantam-me certas incoerências. Já testemunhei camaradas chorarem, por exemplo, pela prisão de um canário na gaiola e, logo em seguida, vibrarem pela legalização do aborto, sem aparentemente se importarem com os milhares de pequenas vidas humanas que seriam ceifadas nesse processo. A vida humana, mesmo embrionária, me interessa mais do que a liberdade de um canário. Se o conceito de justiça que mais prezo significa estar do lado do mais fraco, com Norberto Bobbio, pergunto: Na relação entre a mãe e o nascituro, quem é o mais fraco?
Digo isso, mas também considero que o aborto, especialmente para a mãe, é sempre um drama. Assim, pensar em prisão para a mãe que aborta é algo sobremodo despropositado. Decerto seria recomendável uma pena diversa da prisão, uma multa, uma prestação de serviço à comunidade, algo que, ainda que simbolicamente, representasse uma reprimenda pela atitude reprovável. Prisão, não. A prisão só se prestaria a agravar ainda mais o drama já existente.
Também simplesmente descriminalizar seria reconhecer a licitude da conduta, dizer que o ato de abortar não merece qualquer reprovação social, além de permitir que um hospital realizasse um aborto por um mero capricho da mãe, sem qualquer fundamento razoável. É possível que haja outros motivos para se realizar um aborto, para além dos atualmente previstos em lei. Também concordo em discutir a ampliação dessas hipóteses. O STF incluiu a hipótese dos anencéfalos. Acho isso possível. Mas simplesmente descriminalizar o aborto, o que na prática significaria legalizar o aborto imotivado, acho algo absurdo. Algo que significaria um convite à irresponsabilidade. Numa época com tantos métodos contraceptivos, engravidar e depois ter a liberdade de ceifar a vida do embrião ou do feto ao seu bel-prazer é algo que, para mim, beira o absurdo. Acho que o aborto para acontecer tem que ter ao menos um motivo convincente, um motivo que transcenda a ideia egoística de que a mulher é dona do seu corpo, afinal, o feto não é o corpo da mulher.
Num tema tão espinhoso, não há alternativa melhor do que um meio termo, que não se prenda a argumentos estatísticos enviesados. De fato morrem muitas mulheres em clínicas clandestinas. É lamentável que morram milhares de mulheres em clínicas clandestinas. Mas será que a melhor solução para reduzir esse quadro tão dramático seria mesmo legalizar o aborto? Talvez para a mulher, sim. Sem dúvida para a vida humana em formação, não. Nesse dilema, não seria melhor construir uma cultura de gravidez responsável? Disseminar ainda mais os métodos contraceptivos? Quem sabe até com o pílula do dia seguinte?
Sou um entusiasta da causa feminina, toco nesse tema com bastante desconforto, mas tenho uma opinião que não posso esconder. Sou contra o aborto imotivado. Sou contra o aborto que não tenha uma razão séria a justificá-lo. Sem um motivo bem sério, a minha opção é pelo pequeno coração que pulsa, com muita vontade de viver.
Nossa missão é salvar a todos, mães e filhos.
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