Aos leitores deste humilde diário, àqueles que o acessam de perto ou de longe, aos que nos enviam e-mails, àqueles que permanecem silentes, espalhados por tantos lugares mundo afora, aos colaboradores e a todos que compartilham conosco alguns momentos da vida e da arte, nossos votos de um ano de 2018 de muita saúde, paz, felicidade, solidariedade, sabedoria e amor!
domingo, 31 de dezembro de 2017
FELIZ ANO NOVO!
Aos leitores deste humilde diário, àqueles que o acessam de perto ou de longe, aos que nos enviam e-mails, àqueles que permanecem silentes, espalhados por tantos lugares mundo afora, aos colaboradores e a todos que compartilham conosco alguns momentos da vida e da arte, nossos votos de um ano de 2018 de muita saúde, paz, felicidade, solidariedade, sabedoria e amor!
FRASE DO ANO
"Na finitude da vida nada sabemos, temos pouco controle dos fatos, de modo que paira sempre a incerteza dentro de uma certeza aparente. É esse duvidoso que nos move, que nos faz ver como possível, ainda que impossível." (...)
quinta-feira, 28 de dezembro de 2017
DOIS DEDOS DE PROSA
– Acho um insulto a preocupação com o mercado e com a meritocracia, sobretudo num momento em que a indigência prolifera nas ruas e nas praças.
– Você é contra a meritocracia?
– A meritocracia é um ponto de partida, não um ponto de chegada. No seu aspecto da concursocracia, especialmente no setor público, é inegável que representa um avanço em relação ao compadrismo que grassava anteriormente, mas, ainda assim, pelas suas características atuais, é bastante excludente e elitista. Não precisamos bani-la, mas aperfeiçoar os seus critérios, de maneira que se torne includente e materialmente democrática.
– Como se conseguiria isso?
– A reserva de vagas para pobres, negros e trans é um ponto de partida.
– Você não acha que se o mercado se recuperar a pobreza diminui?
– E você não acha que se a pobreza diminuir o mercado se recupera? Quem vem primeiro? Quem é responsável pela diminuição da pobreza? O mercado ou o
Estado? Ainda que você acredite na mão invisível do mercado – que julgo uma quimera –, quem efetivamente é responsável pela redução das desigualdades sociais é o Estado. No pacto social que forma um Estado Democrático – ou não somos um Estado Democrático de Direito? –, quando se atribui ao Estado a prerrogativa de intervir na economia, poderia o mercado se insurgir contra essa intervenção, por outra via que não as urnas? Não seria antidemocrática a pretensão de se implantar um Estado mínimo (liberal) sob a égide de uma Constituição que é social?
– O Estado brasileiro, por mais que sofra alguma redução de tamanho, como acontece atualmente, continua sendo muito intervencionista...
– E precisa sê-lo... Um país com desigualdades históricas gritantes como o nosso não pode ficar de braços cruzados, à espera da mão invisível do mercado... Aliás, onde essa mão invisível, sem a intervenção do Estado, promoveu justiça social?
– Há muitas experiências exitosas, Reagan, Thatcher, Helmut Khol...
– Você fala de Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, países em que o neoliberalismo se implantou num contexto socialmente mais favorável e ainda assim com resultado final bastante pífio. É preciso não esquecer que o liberalismo clássico culminou na quebra da bolsa de Nova Iorque e na crise de 1929. Depois disso, a política mundial orientou-se pelo keynesianismo, no embalo do qual veio o New Deal, que socorreu uma Europa em ruínas... O New Deal seria a mão invisível do mercado...?
– Veja Cuba, a Coreia do Norte, a Venezuela... Esses países decadentes não estariam precisando do mercado livre?
– Antes de abolirem, nas suas palavras, o mercado livre, esses países eram melhores do que são hoje? Cuba tem um dos melhores índices de saúde e de educação do mundo. Antes da Revolução era extremamente pobre e desigual. A Coreia do Norte vive sob uma tirania. A tirania é sempre ruim, seja de direita, seja de esquerda, ruim para a economia, mas sobretudo ruim para as pessoas. O ocaso em que vive a Coreia do Norte não é uma questão meramente econômica ou ideológica, é uma questão humanitária. Quanto à Venezuela, o que efetivamente ainda existe, para além do ensaio de um socialismo bolivariano, é um Estado social, num modelo não muito distante do que foi implantado no Chile, por exemplo, e que deu certo.
– E por que a Venezuela está um caos?
– Seria interessante analisar a fundo todo o processo de implantação do bolivarianismo e sobretudo a reação que a elite venezuelana faz a ele...
– Então a elite é a responsável pelo caos humanitário da Venezuela...?
– Decerto é um dos responsáveis...
– Você é a favor da supressão da liberdade nesses países?
– De que liberdade você fala? A liberdade civil e política ou a liberdade econômica? Do ponto de vista civil e político, ainda não se invetou nada melhor do que a democracia. A democracia pressupõe liberdade civil e política, não liberdade econômica. O ideal seria a liberdade em todos os aspectos, mas, na prática, a mão invisível do mercado jamais enfrentou a injustiça social sem a intervenção do Estado. O socialista tem um sério problema com a questão da liberdade civil e política, mas ainda pode nos perguntar: – Qual o outro caminho?
– Não haveria outro caminho?
– Cada caso é um caso. Os países nórdicos seguiram um modelo social que funcionou. Será que Cuba conseguiria os mesmos avanços adotando igual modelo? O Chile teve muitos avanços com um modelo semelhante, mas conseguiria esse feito sem suas reservas de cobre? A supressão da liberdade civil e política é um desastre, mas é igualmente desastrosa a injustiça social. A dialética do mundo nos leva a tomar posição dentro desse jogo de forças que precisa tender ao equilíbrio. Às vezes, quando as condições são muito desfavoráveis, é preciso tencionar mais; não sei precisamente até que ponto. Esse ponto são as circunstâncias históricas que acabam determinando.
– O Estado brasileiro, por mais que sofra alguma redução de tamanho, como acontece atualmente, continua sendo muito intervencionista...
– E precisa sê-lo... Um país com desigualdades históricas gritantes como o nosso não pode ficar de braços cruzados, à espera da mão invisível do mercado... Aliás, onde essa mão invisível, sem a intervenção do Estado, promoveu justiça social?
– Há muitas experiências exitosas, Reagan, Thatcher, Helmut Khol...
– Você fala de Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, países em que o neoliberalismo se implantou num contexto socialmente mais favorável e ainda assim com resultado final bastante pífio. É preciso não esquecer que o liberalismo clássico culminou na quebra da bolsa de Nova Iorque e na crise de 1929. Depois disso, a política mundial orientou-se pelo keynesianismo, no embalo do qual veio o New Deal, que socorreu uma Europa em ruínas... O New Deal seria a mão invisível do mercado...?
– Veja Cuba, a Coreia do Norte, a Venezuela... Esses países decadentes não estariam precisando do mercado livre?
– Antes de abolirem, nas suas palavras, o mercado livre, esses países eram melhores do que são hoje? Cuba tem um dos melhores índices de saúde e de educação do mundo. Antes da Revolução era extremamente pobre e desigual. A Coreia do Norte vive sob uma tirania. A tirania é sempre ruim, seja de direita, seja de esquerda, ruim para a economia, mas sobretudo ruim para as pessoas. O ocaso em que vive a Coreia do Norte não é uma questão meramente econômica ou ideológica, é uma questão humanitária. Quanto à Venezuela, o que efetivamente ainda existe, para além do ensaio de um socialismo bolivariano, é um Estado social, num modelo não muito distante do que foi implantado no Chile, por exemplo, e que deu certo.
– E por que a Venezuela está um caos?
– Seria interessante analisar a fundo todo o processo de implantação do bolivarianismo e sobretudo a reação que a elite venezuelana faz a ele...
– Então a elite é a responsável pelo caos humanitário da Venezuela...?
– Decerto é um dos responsáveis...
– Você é a favor da supressão da liberdade nesses países?
– De que liberdade você fala? A liberdade civil e política ou a liberdade econômica? Do ponto de vista civil e político, ainda não se invetou nada melhor do que a democracia. A democracia pressupõe liberdade civil e política, não liberdade econômica. O ideal seria a liberdade em todos os aspectos, mas, na prática, a mão invisível do mercado jamais enfrentou a injustiça social sem a intervenção do Estado. O socialista tem um sério problema com a questão da liberdade civil e política, mas ainda pode nos perguntar: – Qual o outro caminho?
– Não haveria outro caminho?
– Cada caso é um caso. Os países nórdicos seguiram um modelo social que funcionou. Será que Cuba conseguiria os mesmos avanços adotando igual modelo? O Chile teve muitos avanços com um modelo semelhante, mas conseguiria esse feito sem suas reservas de cobre? A supressão da liberdade civil e política é um desastre, mas é igualmente desastrosa a injustiça social. A dialética do mundo nos leva a tomar posição dentro desse jogo de forças que precisa tender ao equilíbrio. Às vezes, quando as condições são muito desfavoráveis, é preciso tencionar mais; não sei precisamente até que ponto. Esse ponto são as circunstâncias históricas que acabam determinando.
quarta-feira, 27 de dezembro de 2017
LA NAUSÉE
C'est pour cela que nous nous sommes séparés: nous n'avions plus assez de force pour supporter ce fardeau.
Croyez-moi, je vous parle d'expérience, tout ce que je sais, je le tiens de la vie.
(...) mon Dieu comme les choses existent fort aujourd'hui.
(...) l'existence est une imperfection.
La vie a un sens si l'on veut bien lui en donner un. Il faut d'abord agir, se jeter dans une entreprise.
(...) je ne crois pas en Dieu; son existence est démentie par la Science. Mais, dans le camp de concentration, j'ai appris à croire dans les hommes.
«Pour supporter votre condition, la condition humaine, vous avez besoin, comme tout le monde, de beaucoup de courage. Monsieur, l'instant qui vient peut être celui de votre mort, vous le savez et vous pouvez sourire: voyons! n'est-ce pas admirable? Dans la plus insignifiante de vos actions, ajoute-t-il avec aigreur, il y a une immensité d'héroïsme.»
(...) à l'ordinaire l'existence se cache. Elle est là, autour de nous, en nous, elle est nous, on ne peut pas dire deux mots sans parler d'elle et, finalement, on ne la touche pas.
L'essentiel c'est la contingence. Je veux dire que, par définition, l'existence n'est pas la nécessité. Exister, c'est être là, simplement; les existants apparaissent, se laissent rencontrer, mais on ne peut jamais les déduire.
Tout ce qui reste de réel, en moi, c'est de l'existence qui se sent exister.
(Jean-Paul Sarte)
domingo, 17 de dezembro de 2017
KARL MARX
"O que constitui o movimento dialético é a coexistência dos dois lados contraditórios, sua luta e sua fusão em uma nova categoria. Na realidade, basta pôr-se o problema de eliminar o lado mau para que se liquide de um só golpe o movimento dialético." (Karl Marx)
"(...) é o lado mau que produz o movimento que faz a história, determinando a luta." (Karl Marx)
domingo, 10 de dezembro de 2017
TEMPO
Despertou não sabia em que dia da semana, muito menos em que mês e em que ano. Sentado no piso de um quarto escuro, não sabia tampouco se era noite ou se era dia. Não havia porta, janela, nem qualquer objeto no quarto. Estava preso num cubículo escuro e vazio. Havia apenas um orifício na parece, com uma luz que não penetrava o seu interior. Tentou levantar-se, estava sem forças. Teria morrido? Perdido a memória? Não sabia quem era, de onde vinha, quantos anos tinha... Sabia pouca coisa. Sabia que era um homem e que havia um mundo com pessoas que interagiam e se apegavam umas às outras e que por isso sofriam e também eram felizes. Rastejou até o orifício. Havia pouca coisa lá fora. Apenas um relógio, um quadro e um livro aberto, suspensos num imenso deserto. O relógio marcava duas horas em ponto. Devia ser do dia... O homem pintado no quadro tinha um olhar vazio, uma boca que parecia falar e a mão que apontava para algum lugar. Talvez para o livro volumoso do lado, que a distância não permitia ler.
Tapou com o dedo o orifício e mergulhou na total escuridão. Quando despertou de novo, viu pelo orifício que o relógio marcava as mesmas duas horas. Não era possível. Parecia ter dormido uma eternidade. O homem pintado no quadro parecia chorar, sua boca já não falava mais e a mão já não acenava para lugar algum. O livro agora estava fechado. A capa trazia um símbolo, uma estrada e uma planta. Inesperadamente, uma tempestade de areia aproximou-se e encobriu o relógio, o quadro e o livro. Encobriu até mesmo o quarto escuro.
Despertou mais uma vez e viu pelo orifício o relógio empoeirado que continuava a marcar duas horas, o livro que estava novamente aberto e o homem do quadro que parecia sorrir. Sentiu algo estranho dentro de si. Uma vontade de sair do cubículo escuro e observar de perto aquele quadro, de ler aquele livro e, sobretudo, de investigar o funcionamento daquele relógio.
As paredes pareciam de concreto. Não conseguia ver o teto. Seu único caminho para o mundo exterior era aquele orifício minúsculo. Como sairia? Perguntou a si mesmo. Perguntou para o homem do quadro, que, depois de um silêncio, pareceu dizer-lhe alguma coisa. Logo em seguida, apareceu uma mulher caminhando no deserto, uma mulher que ouviu alguma coisa do homem do quadro e se dirigiu ao quarto escuro. À medida que ela se aproximava do orifício, diminuía cada vez mais de tamanho, até ficar menor do que o próprio orifício e passar através dele para dentro do quarto. Tendo voltado ao seu tamanho original, a mulher tocou a mão do homem do quarto e o convidou a sair.
Quando deu por si, sentado na areia, ele não mais encontrou sua guia. Ergueu-se ainda perplexo, aproximou-se do relógio e descobriu que ele não funcionava por falta de pilha, que o livro volumoso era o livro da vida e que o homem do quadro, na verdade, era ele mesmo.
Tapou com o dedo o orifício e mergulhou na total escuridão. Quando despertou de novo, viu pelo orifício que o relógio marcava as mesmas duas horas. Não era possível. Parecia ter dormido uma eternidade. O homem pintado no quadro parecia chorar, sua boca já não falava mais e a mão já não acenava para lugar algum. O livro agora estava fechado. A capa trazia um símbolo, uma estrada e uma planta. Inesperadamente, uma tempestade de areia aproximou-se e encobriu o relógio, o quadro e o livro. Encobriu até mesmo o quarto escuro.
Despertou mais uma vez e viu pelo orifício o relógio empoeirado que continuava a marcar duas horas, o livro que estava novamente aberto e o homem do quadro que parecia sorrir. Sentiu algo estranho dentro de si. Uma vontade de sair do cubículo escuro e observar de perto aquele quadro, de ler aquele livro e, sobretudo, de investigar o funcionamento daquele relógio.
As paredes pareciam de concreto. Não conseguia ver o teto. Seu único caminho para o mundo exterior era aquele orifício minúsculo. Como sairia? Perguntou a si mesmo. Perguntou para o homem do quadro, que, depois de um silêncio, pareceu dizer-lhe alguma coisa. Logo em seguida, apareceu uma mulher caminhando no deserto, uma mulher que ouviu alguma coisa do homem do quadro e se dirigiu ao quarto escuro. À medida que ela se aproximava do orifício, diminuía cada vez mais de tamanho, até ficar menor do que o próprio orifício e passar através dele para dentro do quarto. Tendo voltado ao seu tamanho original, a mulher tocou a mão do homem do quarto e o convidou a sair.
Quando deu por si, sentado na areia, ele não mais encontrou sua guia. Ergueu-se ainda perplexo, aproximou-se do relógio e descobriu que ele não funcionava por falta de pilha, que o livro volumoso era o livro da vida e que o homem do quadro, na verdade, era ele mesmo.
sábado, 9 de dezembro de 2017
terça-feira, 5 de dezembro de 2017
DOSTO...
"O pior é que a beleza é tão misteriosa quão terrível. É uma luta entre Deus e o demônio e o campo de batalha é o coração do homem." (Fiódor Dostoiévski)
quinta-feira, 23 de novembro de 2017
MEUS CONTOS
Dois contos nossos na recém-publicada Antologia de Contos da Editora Becalete – Volume 4. Temos 5 (cinco) livros de cortesia. Quem quiser de graça – um desses cinco –, é só dar um toque no zap (85) 9-9679-7283!
terça-feira, 14 de novembro de 2017
L
Nós mudamos aos poucos com os anos;
Muda o sol quando chega a primavera;
Chega o tempo que finda a longa espera;
Vão-se as marcas de tristes desenganos.
De repente começam novos planos;
A semente que morre e prolifera
Traz nas flores febris da nova era
Os espinhos sutis de outros danos.
Somos água corrente de um rio;
Uma chama fugaz em noite escura;
A mudança que vem em meio à dor.
Somos folha que voa no vazio;
O sorriso depois da amargura
À procura da foz do puro amor.
Eliton Meneses
segunda-feira, 13 de novembro de 2017
XLIX
Há quem busque o sentido desta vida;
Uma causa que explique a existência;
A razão para além da contingência;
Um senhor que ordene esta partida.
Um profeta falou de uma saída,
Da verdade por trás da aparência,
Da resposta pedante da ciência
À pergunta por vezes esquecida.
Um protesta, na crise, não ser nada;
Outro fala, com náusea, no absurdo,
Como amargo profano sem noção.
Somos nós que fazemos a estrada;
Uma curva por fora do chafurdo;
Somos todos um ser em construção.
Eliton Meneses
domingo, 12 de novembro de 2017
XLVIII
Para o Rio Coreaú
O rio dobra a curva da barragem;
Passou faz pouco o velho juazeiro;
Cantou no poste o alegre bigodeiro;
Chegou sem pressa após a estiagem.
O verde toma conta da paisagem;
As águas correm em pleno fevereiro;
Ao longe soa o aboio do vaqueiro;
Uma canoa alcança a outra margem.
Nas pedras, fala alto a lavadeira;
Outro menino sobe a mutambeira;
A cobra-grande espreita o Socavão.
A Ponte Velha jaz em meio ao barro;
A densa moita do Poço do Carro
Esconde um bem atento gavião.
Eliton Meneses
O rio dobra a curva da barragem;
Passou faz pouco o velho juazeiro;
Cantou no poste o alegre bigodeiro;
Chegou sem pressa após a estiagem.
O verde toma conta da paisagem;
As águas correm em pleno fevereiro;
Ao longe soa o aboio do vaqueiro;
Uma canoa alcança a outra margem.
Nas pedras, fala alto a lavadeira;
Outro menino sobe a mutambeira;
A cobra-grande espreita o Socavão.
A Ponte Velha jaz em meio ao barro;
A densa moita do Poço do Carro
Esconde um bem atento gavião.
Eliton Meneses
sábado, 11 de novembro de 2017
XLVII
Para João Pedro
Meu filho, na vida, procures o belo;
O belo que dorme no fraco e no triste;
A imensa beleza em tudo que existe;
A força que emana de um ato singelo.
Encontres do nada um fausto castelo;
Aquele que sonha ainda resiste;
Sonhei tanta coisa enquanto dormiste;
O bem sempre vence no fim do duelo.
A arte sublima as coisas da vida;
Talvez a chegada está na partida;
Às vezes no raso está o profundo.
É tido por louco aquele que ama;
A noite é escura mas tem uma chama,
Porque 'a beleza salvará o mundo'.
Eliton Meneses
Meu filho, na vida, procures o belo;
O belo que dorme no fraco e no triste;
A imensa beleza em tudo que existe;
A força que emana de um ato singelo.
Encontres do nada um fausto castelo;
Aquele que sonha ainda resiste;
Sonhei tanta coisa enquanto dormiste;
O bem sempre vence no fim do duelo.
A arte sublima as coisas da vida;
Talvez a chegada está na partida;
Às vezes no raso está o profundo.
É tido por louco aquele que ama;
A noite é escura mas tem uma chama,
Porque 'a beleza salvará o mundo'.
Eliton Meneses
quarta-feira, 8 de novembro de 2017
XLVI
Ninguém ao certo sabe quem eu sou;
Quais dores sinto, quem deveras amo;
De onde eu vim, pra onde ainda vou;
Se eu existo, a quem eu tanto chamo.
Nem eu tampouco sei quem me sonhou;
Quantas vitórias tem quem eu difamo;
Por onde encontro o tempo que passou;
Não quero nada e ainda assim reclamo.
Há tantos corpos frios, sem afago;
A noite é longa e a fera nunca dorme;
Quisera ter o mundo sobre os ombros.
A luz costuma vir depois do estrago;
O vento varre o mal, sempre disforme;
O novo surge aos poucos dos escombros.
Eliton Meneses
segunda-feira, 6 de novembro de 2017
XLV
Apagou-se o seu último cigarro;
Nove meses de enleio e de ruína;
Nem a água sobrou da cajuína;
Antes mesmo do beijo veio o escarro.
De manhã já não toca o som do carro;
Pelo corpo não corre a endorfina;
Outra vez foi envolto na rotina;
O que era uma flor, agora é barro.
Quando vem atrelado ao puro amor
Os contornos cruéis da fera dor,
É difícil escapar aos vendavais.
Mesmo assim não ficou nenhuma mágoa,
A despeito dos olhos rasos d'água;
Nunca pode dizer-se nunca mais.
Eliton Meneses
sábado, 4 de novembro de 2017
XLIV
Bhagavad Gîta
Todos formam no campo de batalha
Os dois lados diversos dessa guerra;
As estrelas do céu miraram a terra,
Quando Arjuna expressou a sua falha.
Krishna disse: "Ao dever não se atalha.
Um guerreiro à matéria não se aferra;
Quem enfrenta o combate nunca erra,
Mesmo quando o inimigo muito valha."
Tens no corpo uma alma imperecível;
Teu apego é um monstro irremissível;
Nunca esperes os frutos da ação.
Os valores eternos são Pandavas;
Inimigos internos são Kauravas;
Sem coragem não tens libertação.
Eliton Meneses
quinta-feira, 2 de novembro de 2017
XLIII
Cada qual vai cumprindo o seu papel
No teatro dantesco desta vida;
Tanta gente que prega desvalida
Vai tentando debalde ser fiel.
Gira o mundo que nem um carrossel;
Uns que fogem no meio da partida;
Outros deixam exposta uma ferida;
Quase todos desertam do quartel.
Há quem sinta da gente o seu perfume;
Há quem pensa que não será estrume;
Tantos pensam somente em seu anel.
Muitas vezes ensaiam uma aventura;
Correm léguas em crise de loucura;
Todos sentem na boca o amargo fel.
Eliton Meneses
terça-feira, 31 de outubro de 2017
XLII
O sol não declinou no fim da tarde;
Aos poucos foi sentindo a diferença;
O corpo, sem sintoma da doença,
Tornou de novo à vida sem alarde.
A alma, comovida, já não arde;
Defeitos nós trazemos de nascença;
Apenas Deus nos pode dar sentença;
Fazer de um valente, outro covarde.
Ninguém pode saber o que lhe aguarda,
Depois de atravessar o triste ocaso,
Talvez rasteje um monstro que apavora;
Ninguém possui ao certo a salvaguarda;
O mundo está coberto de acaso;
A morte é ilusão que mais devora.
Eliton Meneses
domingo, 29 de outubro de 2017
XLI
Cansado desatina ante o espelho;
Perplexo não enxerga a sua cara;
Dois corpos de mãos dadas na seara
Descansam sob a luz do sol vermelho.
Dois olhos que percorrem o aparelho
Recordam a promessa muito rara;
Pegaram uma ferida que não sara,
Decerto não por falta de conselho.
Ao longe uma canção ainda ecoa;
A sombra de um pássaro que voa
Trazia grande paz à dura guerra.
Ficaram à deriva em mesma barca;
Talvez de novo Laura e seu Petrarca,
Das tantas voltas dadas nesta terra.
Eliton Meneses
domingo, 22 de outubro de 2017
XL
O tempo corre sempre para frente;
Não vás chorar o leite derramado;
A vida faz da gente acostumado;
Nem tudo que é real é aparente.
O mundo é mesmo um palco incoerente;
Melhor é não viver desanimado;
O plano volta e meia é transformado
E a cena que virá é diferente.
Sentiras todo o corpo alquebrado;
Perderas por encanto o ser amado;
Ficaste navegando sem um porto.
O sonho que nasceu como tragédia
Agora mais parece uma comédia;
Amanheceu e não estavas morto.
Eliton Meneses
sexta-feira, 20 de outubro de 2017
XXXIX
Senti enfim o cheiro de outras flores;
Saí da fria sombra da caverna;
Eu vi depois da solidão interna
De manhã cedo o brilho de outras cores.
Atravessei diversos dissabores;
Aquela angústia não seria eterna;
Alumiou no escuro uma lanterna;
Achei a cura para as minhas dores.
Ouvi contente a ave que passava,
Tomei a água fresca que brotava;
Pensei na vida com os seus amores.
Deitei na relva olhando o infinito,
O mundo assim se fez bem mais bonito,
Seguindo em frente com os meus valores.
Eliton Meneses
terça-feira, 17 de outubro de 2017
XXXVIII
Não corro o mundo em busca de façanha;
Uma lenda que herdei foi inventada;
Bem cedo desertei da pátria amada;
Cheguei bem triste ao topo da montanha.
Perdido fui cair na artimanha;
Segui sem medo a torpe encruzilhada;
Nem vi que numa curva dessa estrada
Havia de esbarrar em coisa estranha.
Cansado pernoitei em plena rua,
Metido a remoer tantos deslizes,
Sonhei com mais um monstro imaginário.
Com olhos reluzindo a luz da lua,
Cercado de um bando de infelizes,
Fiquei mais uma vez tão solitário.
Eliton Meneses
quinta-feira, 12 de outubro de 2017
XXXVII
Preciso compreender a desventura
Da vida entre o céu e o inferno;
Defronto este mundo pós-moderno,
Tão fértil de cinismo e de loucura.
Procuro nos meandros da leitura
A réstia que ficou de amor fraterno;
Transito entre o instante e o eterno,
Tentando desvendar a tela escura.
Preciso resolver os paradoxos,
Embora com a vista encandeada,
Da luta entre Deus e a criatura.
Cansada de purismos ortodoxos,
A gente ainda segue deslumbrada
A arte que desponta na lonjura.
Eliton Meneses
domingo, 8 de outubro de 2017
XXXVI
(...)
Deixou-se levar pelo seu encanto;
De tanto pensar quase ficou louco;
Falar todo dia era muito pouco;
Queria entoar junto dela um canto.
O sino tocou para seu espanto;
Falou tantas horas que ficou rouco;
Pras coisas do mundo se fez de mouco;
De noite sozinho conteve o pranto.
A terra sem ela era um calvário;
Fazia de tudo pra protegê-la;
A sua alma gêmea, seu relicário.
Diante do tempo, pra não perdê-la,
Vivia num mundo imaginário,
Mirando com ela uma mesma estrela.
Eliton Meneses
Deixou-se levar pelo seu encanto;
De tanto pensar quase ficou louco;
Falar todo dia era muito pouco;
Queria entoar junto dela um canto.
O sino tocou para seu espanto;
Falou tantas horas que ficou rouco;
Pras coisas do mundo se fez de mouco;
De noite sozinho conteve o pranto.
A terra sem ela era um calvário;
Fazia de tudo pra protegê-la;
A sua alma gêmea, seu relicário.
Diante do tempo, pra não perdê-la,
Vivia num mundo imaginário,
Mirando com ela uma mesma estrela.
Eliton Meneses
quinta-feira, 5 de outubro de 2017
XXXV
Me pus a desbravar terras remotas;
Caminhos de verdades tão secretas;
Segui por entre as rimas dos poetas,
Depois de ler compêndios poliglotas.
Achei muitas respostas ignotas,
Sentado na cabana dos profetas;
Sonhei um céu de nuvens abjetas,
Tentando desviar de outras rotas.
Sequer imaginei correr perigo;
Cedi inerme à força do chamado,
Sedento por detrás de muitas portas.
Peguei-me a reviver o filme antigo:
A luz que irradiava o ser amado
Fazia sublimar as linhas tortas.
Eliton Meneses
segunda-feira, 2 de outubro de 2017
XXXIV
Pensou em seguir pelo mundo afora;
O sonho que teve era só quimera;
Havia incerteza e tamanha espera;
Seguir não podia os erros doutrora.
Ouviu com o galo os raios da aurora;
Sentiu de repente outra atmosfera,
Talvez o começo de nova era;
Chegou como anjo e se foi embora.
Ficou no caminho com suas flores,
Contendo infeliz o amargo pranto;
Melhor não ferir o sagrado império.
A vida se faz de muitos amores;
O quadro de casa tem seu encanto;
As cores do novo têm seu mistério.
Eliton Meneses
sábado, 30 de setembro de 2017
FRASE DO MÊS
"While
there is a madman, a poet and a lover will dream, love and fantasy. And
while there is a dream, love and fantasy, there's hope." (Shakespeare)
RETALHOS
— Você não estaria brincando de ser Deus?
— Não estou brincando de ser Deus, talvez esteja apenas brincando de ser humano...
O que seria desse enorme céu estrelado sem essa criatura minúscula que o contempla deslumbrado?
No próximo segundo da eternidade não estaremos nem você nem eu...
Estoy acostumbrado a luchar contra gigantes. Nunca los he vencido a alguno, pero jamás me rendí tampoco.
No son gigantes, son sólo molinos de viento; gigante en verdad es usted.
NU ARTÍSTICO (DEBATE)
Mote: A sociedade que mais acessa sites pornográficos finge espanto diante de um artista nu...
Paulo Victor: Meu grande amigo! Tá certo mas a questão não é do artista nu e das crianças está ao lado de um adulto nu e isso que esta tando o que falar. Logo pq nos seres humanos vem nu ao mundo. A questão é criança ao redor de um adulto nu.
Eliton: Meu amigo Paulo Victor, há pouco tempo, numa apresentação semelhante, sem criança, a polêmica foi a mesma... Todas as crianças do meu tempo tomavam banho no Rio Coreaú junto com os adultos nus... Nunca ninguém reclamou disso -- e olha que já faz uns quarenta anos! Não sei por que a nossa atualidade tão pervertida insiste em simular falsamente tanto puritanismo...
Alexandre Neto: Desculpe por discordar meu amigo Eliton Meneses mas havia o lado das mulheres e o lado dos homens em nosso tempo de nus tomado banho de rio, e se temos uma sociedade já erotizada em excesso pelo meios de comunicação não acho certo que nossas crianças também sejam expostas a isto mesmo sobre o argumento de ser arte.
Eliton: Realmente, amigo Alexandre, no rio havia o lado dos homens/meninos e o lado das mulheres/meninas, o problema é que, quem foi contra a participação das meninas no cena de nu artístico tão debatida, é também contra a participação de meninos junto com o artista nu... Na ultraconservadora Índia, periodicamente os sadhus saem aos milhares nus pelas ruas no Kumbha Mela e são referenciados por todos -- homens, mulheres, meninos e meninas -- em nome da fé, sob certo aspecto, um elemento da arte e da cultura dos povos... Os índios, no seu modo tradicional, andam todos nus, velhos e novos, meninos e meninas, e têm muito menos problemas relacionados à sexualidade do que a nossa sociedade pós-industrial... Enfim, talvez não seja a cena em si -- que se desenvolve num contexto, sem nenhuma conotação erótica -- que seja chocante, talvez sejam os olhos "puritanos" de quem a vê que a interpretam com uma conotação que, na realidade, ela não possui...
Alexandre Neto: São civilizações diferente nossa sociedade é predominantemente cristã,com costumes bem diferentes de índios e aborígenes de tais comunidades no caso hindus para eles o nu é tão natural com as aves a voar no céu mas para nós não,talvez temos regredido no nosso progresso de pensamento principalmente aquele nascido na idade média acho que os curadores de arte expõe estas arte modernas e controversas exatamente para aguçar a curiosidade dos menos atentos e assim retirar seus lucros ,mas isto são apenas pontos de vistas diferentes de pessoas preocupadas com os rumos que nossa sociedade caminha, onde a intolerância dos dois lados é mais valiosa que as verdadeiras amizades, não somos contemporâneos na nossa Palma mas lhe admiro não só pela sua estirpe mas pelos seus belos poemas e escritos ,somos discípulos do mesmo sentimento mas com visões diferentes. Ainda terei a oportunidade de lhe conhece e aprender com suas ideias e seu vasto conhecimento.
Eliton: A questão é que a liberdade artística não pode se prender aos preceitos exclusivos da moral judaico-cristã, que parte da sociedade aparenta adota. O componente libertário da arte dialoga inevitavelmente com outros segmentos do humano que transcendem, em muito, as estáticas barreiras dos pudores religiosos... A admiração é recíproca, amigo!
PB: Eliton Meneses... você aceitaria um homem nu (que não seja você) na frente da sua filha? Se aceita, francamente você tem alguma coisa errada.
Eliton: É claro que normalmente não aceitaria! Mas se a minha filha fosse atuar – como atriz – numa peça em que a nudez das personagens tivesse uma finalidade consequente, é claro que não veria problema. A paranoia religiosa está chegando a tal ponto que daqui a pouco não se vai poder representar uma cena de parto porque a mãe não pode ficar nua diante do recém-nascido... Acho que o erro está mesmo é na cabeça dessa gente que quer impor todos os seus pudores até pra representação artística... Se a pessoa não sabe o que é teatro, se não sabe minimamente a história do teatro desde a Grécia antiga até os nossos dias, sinceramente acho que deveria pensar suas vezes antes de opinar num assunto tão delicado como esse...
PB: Eliton Meneses... você aceitaria um homem nu (que não seja você) na frente da sua filha? Se aceita, francamente você tem alguma coisa errada.
Eliton: É claro que normalmente não aceitaria! Mas se a minha filha fosse atuar – como atriz – numa peça em que a nudez das personagens tivesse uma finalidade consequente, é claro que não veria problema. A paranoia religiosa está chegando a tal ponto que daqui a pouco não se vai poder representar uma cena de parto porque a mãe não pode ficar nua diante do recém-nascido... Acho que o erro está mesmo é na cabeça dessa gente que quer impor todos os seus pudores até pra representação artística... Se a pessoa não sabe o que é teatro, se não sabe minimamente a história do teatro desde a Grécia antiga até os nossos dias, sinceramente acho que deveria pensar suas vezes antes de opinar num assunto tão delicado como esse...
SOUL MATE
“People think a soul mate is your perfect fit, and that's what everyone wants. But a true soul mate is a mirror, the person who shows you everything that's holding you back, the person who brings you to your own attention so you can change your life. A true soul mate is probably the most important person you'll ever meet, because they tear down your walls and smack you awake. But to live with a soul mate forever? Nah. Too painful. Soul mates, they come into your life just to reveal another layer of yourself to you, and then they leave." (Elizabeth Gilbert. Eat, pray, love)
quarta-feira, 27 de setembro de 2017
SONETO XXXIII
Gostava do simples e do complexo;
Às vezes saía pela tangente;
Deveras, sentia-se diferente,
Andando no côncavo e no convexo.
Vagava no mundo sempre perplexo;
Buscava na vida ser consequente;
Alguns lhe chamavam de inocente
Ao vê-lo parado sem um reflexo.
Queimou na fogueira por ironia,
Porque não entrara na sua mente,
O livro sagrado sem qualquer nexo.
Sedento de caos e cosmogonia,
Diante do abismo tão inclemente,
Pegou-se a rezar, mas não genuflexo.
Eliton Meneses
quarta-feira, 20 de setembro de 2017
SONETO XXXII
(...)
Uma flor foi nascer em meu jardim,
Quando não esperava já mais nada;
Germinou numa terra abandonada;
Pôs a chama divina dentro em mim.
Foi o não que aos poucos virou sim;
Uma espera que vara a madrugada;
Deu um sopro na vela da jangada;
Um começo que não prevê um fim.
Afrodite que fala ao meu ouvido
Tantas coisas às vezes sem sentido,
Cedo e tarde dos dias da semana,
Uma rosa vermelha sem espinho;
Um farol que achei pelo caminho;
Uma alma que exalta a raça humana.
Eliton Meneses
Uma flor foi nascer em meu jardim,
Quando não esperava já mais nada;
Germinou numa terra abandonada;
Pôs a chama divina dentro em mim.
Foi o não que aos poucos virou sim;
Uma espera que vara a madrugada;
Deu um sopro na vela da jangada;
Um começo que não prevê um fim.
Afrodite que fala ao meu ouvido
Tantas coisas às vezes sem sentido,
Cedo e tarde dos dias da semana,
Uma rosa vermelha sem espinho;
Um farol que achei pelo caminho;
Uma alma que exalta a raça humana.
Eliton Meneses
terça-feira, 19 de setembro de 2017
INTOLERÂNCIA
— Es como si el mundo estuviera dando vueltas — já dizia a velha Úrsula, matriarca dos Buendías...
Nas voltas que o mundo dá, a nossa pós-modernidade líquida acaba de encalhar na Idade Média...
Abaixo a ciência! Todo poder à Inquisição!
Nenhuma heresia será perdoada! Ego te absolvo!
Salve a fogueira! O fogo que redime o pecado!
Salve Torquemada! O terror das bruxas feias!
Salvo o mundo novo! Um mundo coberto de teias!
domingo, 17 de setembro de 2017
EL AMOR EN LOS TIEMPOS DEL CÓLERA
(...) si algo habían aprendido juntos era que la sabiduría nos llega cuando ya no sirve para nada.
— Péguemelo — dijo, con la mano en el pecho — No hay mayor gloria que morir por amor.
Hildebranda tenía una concepción universal del amor, y pensaba que cualquier cosa que le pasara a uno afectaba a todos los amores del mundo entero.
(...) los seres humanos no nacen para siempre el día en que sus madres los alumbran, sino que la vida los obliga otra vez y muchas veces a parirse a sí mismos.
(...) y le enseñó lo único que tenía que aprender para el amor: que a la vida no la enseña nadie.
(...) se puede estar enamorado de varias personas a la vez, y de todas con el mismo dolor, sin traicionar a ninguna.
Tenía que enseñarle a pensar en el amor como un estado de gracia que no era un medio para nada, sino un origen y un fin en sí mismo.
«Hace un siglo me cagaron la vida con esse pobre hombre porque éramos demasiado jóvenes, y ahora nos quieren repetir porque somos demasiado viejos».
(...) habían vivido juntos lo bastante para darse cuenta de que el amor era el amor en cualquier tiempo y en cualquier parte, pero tanto más denso cuanto más cerca de la muerte.
(...) y lo asustó la sospecha tardía de que es la vida, más que la muerte, la que no tiene límites.
(El amor en los tiempos del cólera. Gabriel García Márquez)
quarta-feira, 6 de setembro de 2017
SONETO XXXI
Com quantos paus se faz uma canoa?
A quantas léguas chega o universo?
Em quanto tempo a luz clareia o verso?
De quantas faces faz-se uma pessoa?
O que sustenta firme uma coroa?
Por onde anda o barco submerso?
Que coração habita um ser perverso?
Quantos pecados nosso Deus perdoa?
Muita pergunta segue sem resposta;
Tanto mistério ainda que apavora
O pobre homo sapiens sem razão.
Tentou romper audaz a regra posta;
Pensou abrir a caixa de Pandora,
Mas só colheu miséria e solidão.
Eliton Meneses
quinta-feira, 31 de agosto de 2017
FRASE DO MÊS
quarta-feira, 30 de agosto de 2017
MUNICÍPIOS MAIS POPULOSOS DO CEARÁ
Fortaleza – 2.627.482
Caucaia – 362.223
Juazeiro do Norte – 270.383
Maracanaú – 224.804
Sobral – 205.529
Crato – 130.604
Itapipoca – 127.465
Maranguape – 126.486
Iguatu – 102.614
Quixadá – 86.605
Pacatuba – 82.824
Aquiraz – 79.128
Quixeramobim – 78.658
Canindé – 77.514
Russas – 76.475
Tianguá – 74.719
Crateús – 74.426
Aracati – 73.629
Cascavel – 71.079
Pacajus – 70.911
Icó – 67.486
Horizonte – 65.928
Camocim – 62.985
Acaraú – 62.199
Morada Nova – 61.548
Fonte: IBGE. Estimativa 2017
segunda-feira, 28 de agosto de 2017
AMOR
Já faz mais de vinte e um anos. Era terça-feira de Carnaval do distante ano de 1996. O boné azul denunciava uma careca recém-aprovada no vestibular. Era hora de comemorar, sair da caverna dos estudos e ficar com alguém, pela primeira vez. Acabava de fazer 18 anos e estava em Coreaú para o Carnaval. Zé Mauro e Evânio estavam acompanhados das suas namoradas. Fomos à quadra em frente à casa do Zé Baú, onde havia um som. Fiquei segurando vela até os 15 minutos finais da festa. Quando as esperanças pareciam perdidas, eu a vi passar. Uma menina encantadora que me fez brilhar os olhos e o coração dar um pulo. Pensei imediatamente: – É ela! Nunca a tinha visto em Coreaú. Talvez fosse de fora. Tomei coragem e a convidei para dançar. Para minha surpresa, ela aceitou. Saímos pelo salão; eu, em estado de graça. Perguntei alguma coisa sem sentido – a música estava alta, talvez ela nem tenha ouvido – e ela respondeu algo que também não entendi. Depois de dez minutos, que voaram na velocidade de um segundo, vieram chamá-la. As amigas queriam ir embora. Assim, tivemos que nos despedir, contrariados, sem que eu soubesse nada sobre ela. Em seguida, também fui embora. Nada mais me interessava naquela festa. Antes, perguntei à Rita quem era aquela menina. Ela não soube responder. No dia seguinte, voltei para Fortaleza, obviamente, sem parar de pensar nela.
No Sábado de Aleluia, vi quando ela entrou na igreja lotada. Fiquei na porta mais próxima. Não dava para alcançá-la. Era preciso esperar o fim da missa comprida. Muitas velas acesas, um sermão que não tinha fim. Estava ansioso. O que iria dizer para ela? Será que ela viria por esta porta? Por alguns momentos a perdi de vista. Será que ela se recordaria de mim? A missa terminou e me preparei para a abordá-la. Quando ela passou com a amiga diante de mim, dirigi-me sem jeito para saldá-la, perguntei se ela ainda lembrava de mim e ela, com um sorriso reticente, disse um tímido sim e seguiu logo em seguida a amiga que já ia alguns passos adiante. Fiquei inconsolável. Deixei ela escorrer pelos dedos da mão. E agora? No domingo ainda andei à toa pela cidade para ver se a encontrava, mas foi em vão. Na segunda-feira voltei para Fortaleza.
Apesar desse contratempo, não conseguia tirá-la da cabeça. Não era possível. Nas férias de julho, fui novamente a Coreaú tentar encontrá-la. Continuava sem saber nada sobre ela, nem nome, nem endereço, nada... Foram trinta dias de investigação minuciosa. Ninguém sabia nada sobre a menina linda que encontrei na quadra. Nenhuma pista, nenhuma luz naquele labirinto. Parecia loucura. Era a noite do último dias das férias e o primo não veio me chamar para sair. Pensei em ficar em casa, mas às oito horas algo me disse: tente outra vez. Saí sozinho pela rua e, logo que dobrei a esquina, a vi vindo de bicicleta em minha direção. Fiquei na frente e ela parou. Falei: – Passei as férias toda lhe procurando. E ela respondeu, com um sorriso: – Foi?! Fomos caminhando até a praça da rodoviária e, em duas horas de conversa, finalmente soubemos o nome um do outro. Uma pena tê-la encontrado somente no último dia das férias. Fui deixá-la na sua casa. Enfim, descobri onde ela morava. No dia seguinte fui embora com uma cratera de saudade no peito. Ao menos estava próxima a festa da padroeira em setembro.
Passei um mês e meio de saudade. Tentei manter a rotina de estudo, apesar de tudo, apesar de estar perdidamente apaixonado, longe da pessoa amada, contando os dias para reencontrá-la. Cheguei em Coreaú num final de tarde, instantes depois de faltar energia na cidade. A noite veio, mas a energia não. Não podia esperar mais um dia para revê-la. Atravessei a cidade no escuro mesmo. Cheguei no portão. Bati palmas. Uma jovem se aproximou com uma lanterna na mão e perguntei se a Auri estava. Era uma irmã dela que foi chamá-la. Sob a luz de uma vela, sentamos para conversar. Pensei que ela fosse me abraçar, dar um beijo, sei lá... Esperei uma recepção calorosa e me frustrei. Fantasiei demais o reencontro. Ela estava fria, distante, lacônica... Fiquei espantado. Como em um mês mudara tanto? Devia estar gostando de outro. Perguntei se havia algum problema. Ela disse que não, aquele era apenas o jeito dela. Não insisti. Despedi-me e fui embora. Caminhei desolado no escuro da noite coreauense, que não era maior do que o escuro da minha noite interior. Não era ela. O meu coração havia se enganado. Apenas um estava apaixonado. Era preciso esquecê-la. Estava acabado. Acabado o que nem havia começado.
No dia seguinte, sem nenhuma disposição, saí com o primo para dar uma volta na rua. A missa havia terminado e muita gente andava pelas ruas. Inesperadamente, ela apareceu com duas amigas. Ela estava linda, mais linda do que nunca. Passei direto por ela, fingindo que não a havia notado. Depois de uns dez metros, não me contive e dei uma espiada para trás. Ela estava de braços abertos, como quem diz: – Aonde você pensa que vai? Voltei, tentando bancar o difícil, e perguntei: – Você está esperando por quem? E ela respondeu: – Por você, desde o Carnaval. Em seguida, ela dispensou as duas amigas, eu dispensei o primo, e, sozinhos, fui logo perguntando, sem arrodeio: – Você quer ser minha namorada? E ela respondeu: – Quero sim.
Passei um mês e meio de saudade. Tentei manter a rotina de estudo, apesar de tudo, apesar de estar perdidamente apaixonado, longe da pessoa amada, contando os dias para reencontrá-la. Cheguei em Coreaú num final de tarde, instantes depois de faltar energia na cidade. A noite veio, mas a energia não. Não podia esperar mais um dia para revê-la. Atravessei a cidade no escuro mesmo. Cheguei no portão. Bati palmas. Uma jovem se aproximou com uma lanterna na mão e perguntei se a Auri estava. Era uma irmã dela que foi chamá-la. Sob a luz de uma vela, sentamos para conversar. Pensei que ela fosse me abraçar, dar um beijo, sei lá... Esperei uma recepção calorosa e me frustrei. Fantasiei demais o reencontro. Ela estava fria, distante, lacônica... Fiquei espantado. Como em um mês mudara tanto? Devia estar gostando de outro. Perguntei se havia algum problema. Ela disse que não, aquele era apenas o jeito dela. Não insisti. Despedi-me e fui embora. Caminhei desolado no escuro da noite coreauense, que não era maior do que o escuro da minha noite interior. Não era ela. O meu coração havia se enganado. Apenas um estava apaixonado. Era preciso esquecê-la. Estava acabado. Acabado o que nem havia começado.
No dia seguinte, sem nenhuma disposição, saí com o primo para dar uma volta na rua. A missa havia terminado e muita gente andava pelas ruas. Inesperadamente, ela apareceu com duas amigas. Ela estava linda, mais linda do que nunca. Passei direto por ela, fingindo que não a havia notado. Depois de uns dez metros, não me contive e dei uma espiada para trás. Ela estava de braços abertos, como quem diz: – Aonde você pensa que vai? Voltei, tentando bancar o difícil, e perguntei: – Você está esperando por quem? E ela respondeu: – Por você, desde o Carnaval. Em seguida, ela dispensou as duas amigas, eu dispensei o primo, e, sozinhos, fui logo perguntando, sem arrodeio: – Você quer ser minha namorada? E ela respondeu: – Quero sim.
P.S.: Naquele Carnaval, a Auri tinha 16 anos, hoje ela está completando 38. Ela foi minha primeira namorada; eu, o primeiro namorado dela. Namoramos quase 5 anos e estamos casados há mais de 16. Não era loucura. Era amor à primeira vista. A Auri é tudo aquilo que eu imaginava e ainda muito mais. Parabéns, minha namorada! Você é a metade mais doce e mais bela da nossa laranja. O João Pedro e eu te amamos muito!
terça-feira, 22 de agosto de 2017
REENCONTRO DE ENEIAS E DIDO
Per sidera iuro,
per superos, et si qua fides tellure sub ima est,
invitus, regina, tuo de litore cessi.
per superos, et si qua fides tellure sub ima est,
invitus, regina, tuo de litore cessi.
"Não longe daqui se mostram uns campos por toda parte
– Os Campos das Lágrimas, assim os chamam por este nome.
Aqui, aqueles que o duro amor matou com cruel veneno,
As veredas secretas escondem e ocultam-se em volta de uma floresta de mirtos;
Os cuidados não deixam nem a própria morte.
Que mostra as feridas do cruel filho,
E Evadne e Pasífae, Laodamia vai como companheira destas.
Ceneu, outrora mancebo e agora mulher, é restituído pelo destino à antiga forma.
Entre estas andava errante na grande floresta a Fenícia Dido,
recente da ferida; logo que o herói troiano parou junto dela e a
conheceu por uma sombra escura, como quem vê ou julga ter visto a lua surgir
por entre nuvens no princípio do mês, derramou lágrimas e falou-lhe com um doce amor:
Ó infeliz Dido, pois uma verdade suspeita me assaltava
de que tu te tinhas extinguido, acabando a existência com o ferro!
Ai! Eu para ti fui a causa da morte! Juro, ó rainha, pelas estrelas
E pelos deuses do céu e pela fé, se alguma existe na profundezas da terra,
que foi contrariado que me retirei do seu litoral.
Mas os mandados dos deuses que me obrigam agora a ir por estas sombras,
Pelos lugares incultos, de aspecto imundo, e por esta noite profunda
me obrigam com as suas ordens; nem eu pude crer
que eu te podia causar uma tão grande dor com a minha retirada.
Para o passo, e não te retires da minha vista.
De quem foges? É esta a última vez que te falo com autorização do destino."
Eneida. Virgílio. Livro Livro VI
Nec procul hinc partem fusi monstrantur in omnem
lugentes campi: sic illos nomine dicunt.
Hic, quos durus amor crudeli tabe peredit,
secreti celant calles et myrtea circum
silva tegit; curae non ipsa in morte relinquunt.
His Phaedram Procrimque locis, maestamque Eriphylen
crudelis nati monstrantem volnera, cernit,
Evadnenque et Pasiphaen; his Laodamia
it comes, et iuvenis quondam, nunc femina, Caeneus,
rursus et in veterem fato revoluta figuram.
Inter quas Phoenissa recens a volnere Dido
errabat silva in magna; quam Troius heros
ut primum iuxta stetit adgnovitque per umbras
obscuram, qualem primo qui surgere mense
aut videt, aut vidisse putat per nubila lunam,
demisit lacrimas, dulcique adfatus amore est:
Infelix Dido, verus mihi nuntius ergo
venerat exstinctam, ferroque extrema secutam?
Funeris heu tibi causa fui? Per sidera iuro,
per superos, et si qua fides tellure sub ima est,
invitus, regina, tuo de litore cessi.
Sed me iussa deum, quae nunc has ire per umbras,
per loca senta situ cogunt noctemque profundam,
imperiis egere suis; nec credere quivi
hunc tantum tibi me discessu ferre dolorem.
Siste gradum, teque aspectu ne subtrahe nostro.
Quem fugis? Extremum fato, quod te adloquor, hoc est.'
Eneida. Virgílio. Livro VI
domingo, 20 de agosto de 2017
SONETO XXX
São tantos os dilemas deste mundo;
Tão fáceis as estradas tortuosas;
Perdemo-nos das retas luminosas
No rápido passar de um segundo.
Seguimos cada canto vagabundo!
Sereias muito pouco virtuosas;
Deixamos fenecer as nossas rosas,
Atrás de um fantasma moribundo.
À míngua de firmeza em nossa vida,
Corremos para os braços do perigo,
Reféns das nossas próprias tentações.
Devemos recordar em cada lida:
Ainda que tivermos sem abrigo,
De nunca descobrir os corações.
Eliton Meneses
sexta-feira, 18 de agosto de 2017
SONETO XXIX
O eterno se achegou com ironia,
Me deu o amargo féu e a doce cana;
Levou-me inerte à porta do nirvana,
Depois partiu qual mera fantasia.
Senti a mais perfeita sintonia;
O vento que arrebata uma cabana;
Tentei seguir contrário à caravana,
Fiquei sem luz no sol do meio-dia.
Eu vi no alto céu o abismo infindo;
No mar revolto, a barca destroçada
Do velho pescador de alma humana.
O símbolo sagrado foi bem-vindo,
Pois quase aquela força disfarçada
Tornou-se do meu peito uma tirana.
Eliton Meneses
quinta-feira, 17 de agosto de 2017
SAUDADE
Não tenho verdade;
Prefiro não tê-la.
Deus tenha piedade,
Por que fui querê-la?
Chegou sem maldade,
Passei para vê-la.
Não era amizade,
Inútil contê-la.
Fiquei nesta idade
A ouvir estrela.
Me chamo saudade,
Depois de perdê-la.
Eliton Meneses
domingo, 13 de agosto de 2017
SONETO XXVIII
Tenho rezado muito mas em vão;
The black bird veio sem pedido;
Assoviou-me coisas sem sentido,
Aboletado triste em meu portão.
As linhas tortas seguem pela mão,
Escorrem pelo leito bem comprido,
Deságuam neste coração partido,
Que sofre atordoado feito um cão.
Pensei que havia ainda esperança;
Em meio a tal procela, desvalido;
The raven tão somente disse não.
Porém, ainda há luz em nossa andança;
Quem sabe mais um conto proibido
Dos muitos livros feitos neste chão.
Eliton Meneses
terça-feira, 1 de agosto de 2017
AS CALÇADAS
"A calçada ideal é aquela que oferece condições de um caminhar seguro e confortável, proporcionado pela escolha de pisos adequados, ausência de obstáculos, sem degraus entre os terrenos, com o mobiliário urbano e a vegetação dispostos de forma a não atrapalhar o pedestre."
"toda pessoa tem direito à liberdade de locomoção e residência dentro das fronteiras de cada Estado" (Declaração Universal dos Diretos Humanos)
Há muitos anos, fugindo da situação política incerta do Brasil, após o fiasco da eleição de Fernando Collor, fui-me refugiar no país irmão – Portugal – tendo lá vivido os melhores anos da minha vida. E foi mesmo lá que aprendi o verdadeiro significado da palavra “calçada”, pois para os lusitanos trata-se de uma obra de arte, artesanal, que consiste na aposição meticulosa de pedras polidas e justapostas sobre os passeios para lhes dar uma feição mais nobre e senhorial. Pois bem. No tempo em que nós brasileiros mantínhamos certa proximidade da língua-mãe, quando então denominávamos por cá de passeios os espaços por onde as pessoas trafegavam, limitados por um batente que os separava das ruas e vias pelas quais transitavam os carros e os animais, também adotamos o costume de adorná-los com pedras representando desenhos e formatos harmoniosos, tornando-os calçadas, como suas similares portuguesas. Hoje, na gíria do português falado no Brasil, chamam-se calçadões.
Na nossa cidade, no saudoso final do século XIX, o passeio mais famoso, para onde convergiam as pessoas nos fins de semana, para se colocarem à mostra, lançando as modas no vestir trazidas da Europa, chamava-se de público, hoje transmudado numa bela praça, com largas alamedas, e frondosas árvores, e reproduções de estátuas gregas clássicas, e um elegante quiosque ao centro, o qual prestava-se para receber as pessoas, no decorrer do dia, para um convescote ou para saborearem bolos, doces, geléias, sorvetes e sucos expostos em uma pequena montra; à noite, depois que partiam as famílias, acolhia os dândis, os janotas cheios de maneirismos e as cortesãs, para noitadas regadas a abundantes doses de absinto. A cidade, então alumiada por lampiões, revestia-se de singelo encanto provincial. Os coches e as carroças jamais estacionavam sobre os passeios.
Nos tempos atuais, a cidade não possui mais a graça dos tempos passados. Conforme afirmou certo pesquisador, já fomos a segunda cidade mais bonita do mundo e só perdíamos para a cidade de Tour na França (não ratifico a veracidade da informação). Mantivemos, no entanto, o ar de província, que se agrava pela arrogância, pelo egoísmo desmedido e pela absoluta falta de educação, que o fortalezense faz questão de ostentar com pedantismo e falso ar de superioridade. Nossas calçadas não mais servem para que os transeuntes caminhem por elas confortavelmente, visto que estão abarrotadas de carros estacionados, motos atravessadas, entulhos e todo tipo de sujidades, além de serem mal pavimentadas, forçando as pessoas a delas apearem e se lançarem às ruas também repletas de carros e motos que se deslocam com precipitação e velocidade perigosas.
De largas que eram, foram encolhidas e transformadas em uma nesga por vezes quase imperceptível, premida junto às paredes das edificações, consentindo a passagem de uma pessoa apenas. Em alguns trechos, os carros maiores, além de ocuparem toda a calçada, ainda encostam-se aos muros, bloqueando o pequeno espaço por onde o pedestre haveria de passar, obrigando-o a caminhar pela pista de rolamento destinada aos veículos. Ontem, como me vi premido a descer da calçada e caminhar pelo asfalto, porque não tinha espaço para eu andar dentre os carros estacionados, tive que assistir a um verdadeiro espetáculo de buzinadas que um motorista mais estúpido resolveu me proporcionar. Absurdo! O divulgado espírito acolhedor do cearense, sobretudo no que respeita ao povo da capital, é apenas quimera!
Faço, reiteradamente, tais críticas e um opositor resolveu confrontar-me, para dizer que os motoristas não podem ser privados do direito de estacionar seus carros ou suas motos. Respondi que ele estava certo, mas ressalvei que quanto ao direito de estacionar não lhe é lícito fazê-lo em qualquer lugar, em detrimento do direito das pessoas de poderem-se locomover com segurança e confiabilidade. As calçadas nunca foram destinadas a estacionamento de qualquer tipo de veículo ou condução, mas existem, desde há muito, para o tráfego de pessoas. Se permitirmos que os carros ocupem as ruas e as calçadas, por onde andarão os pedestres? Se não existem lugares destinados ao estacionamento dos veículos, que se proteste perante o Poder Público para que os construa (o problema é que se existirem tais estacionamentos públicos, eles deverão cobrar e a mor parte dos que possuem carros não querem pagar pela utilização de estacionamentos); o que é inadmissível é que se retire dos particulares a liberdade de ir e vir sem atropelos ou perigo à saúde. É dever do Estado zelar pela liberdade de locomoção de todos os cidadãos, conforme se lê na Constituição Brasileira. Afinal, sabe-se, os seres humanos são bem mais importantes que as máquinas. É de lembrar-se que todo motorista, em algum momento, terá de descer do seu carro e, assim, transformar-se em pedestre e, por isso, vai precisar atravessar ruas, vai precisar deslocar-se pelas calçadas, vai precisar transitar como qualquer outro ser humano foi preparado para fazer. Não precisamos ser um povo sem noção da realidade!
Existem, além disso, os que se postam à espera de transportes coletivos, os quais se aglomeram ao longo das calçadas e sequer se afastam para que os que desejam passar possam fazê-lo sem precisarem esgueirar-se numa dança quase macabra, para poderem caminhar sem embaraços. Caso alguém que porte muletas ou se locomova sobre uma cadeira de rodas, ou que conduza uma criança, ou esteja a amparar um idoso ou pessoa com certas necessidades especiais pretenda passar haverá de se expor ao risco de disputar espaço dentre os veículos em movimento na rua, em flagrante desrespeito às suas integridades físicas. As pessoas que caminham em grupo de três ou mais, de igual modo, juntam-se lado a lado, impedindo que quem lhes venha atrás possa desvencilhar-se e seguir seu caminho. E mais: ficam incomodadas se quem tiver pressa pedir licença ou demonstrar que quer ultrapassá-las; tentam atrapalhar a todo custo, ou não se afastando para permitir a passagem, ou mantendo-se num passo lento e demorado para retardar o apressado. Eis a hospitalidade cearense!
Há que se falar, ainda, dos patinadores, skatistas e ciclistas que em determinadas zonas da cidade ocupam boa parte dos espaços das calçadas pondo em risco a segurança de quem por elas caminha. Por vezes, parece que surgem de repente, como se viessem de algum lugar incerto e remoto, o que assusta e desestabiliza a concentração e o equilíbrio dos transeuntes. Uma querida amiga acaba de relatar um acidente que sofreu em conseqüência da imprudência de um desses skatistas, o qual perdendo o controle do brinquedo, quase a fez despencar de uma calçada alta, com uma criança nos braços, por ter pisado em falso sobre o indigitado objeto que lhe chegou pela retaguarda sem que ela esperasse ou percebesse. A mãe do adolescente autor do delito, achou a cena engraçada e divertiu-se à farta com a peraltice do filho adolescente. Que gracinha, como costumava dizer uma falecida apresentadora de televisão!
Tenho que destacar, da mesma forma, os comerciantes que instalam seu comércio nas calçadas, espalhando mesas, bancos, carrocinhas de lanches, fogareiros de churrascos etc. Certa feita, deparando-me com tal situação, pedi ao dono do pequeno bar que afastasse seus objetos para que eu pudesse passar (até porque havia uma bicicleta estacionada sobre a calçada que obstruía minha passagem) e ele me respondeu que eu se quisesse passar que andasse pela pista dos carros, porque aquele era “o comércio dele”. Estávamos na avenida Santos Dumont e eu tive que sujeitar-me a isso, malgrado o perigo de ser colhido por algum veículo em disparada. No mesmo dia, entretanto, denunciei-o ao órgão competente e, no dia seguinte, ele já havia recolhido a mobília para o interior do bar e estacionado sua bicicleta em lugar menos inconveniente para os transeuntes. De outra vez, vi um outro comerciante afirmar, quando alguém reclamou pela calçada ocupada, que ele “era um pai de família” e que “tirava dali seu sustento”. Fiquei pensando se os outros pais de família que por ali passavam também não tinham direito à sobrevivência, porquanto eram obrigados a se exporem ao risco de serem atropelados...Onde será que aprendemos que somos os titulares de todos os direitos e os demais são submetidos apenas às obrigações?
Por fim, e por mais risível que pareça, há os famosos atletas de fim de semana, que em seus exercícios físicos e caminhadas nas calçadas em volta das praças, dos estádios ou ao longo da orla marítima, parecem aviltados quando alguém, em simples deslocamento de uma parte a outra da cidade, pisa em seus “domínios”. Lançam então, prontamente, olhares reprovadores ou críticos como se somente os que estão praticando exercícios físicos pudessem transitar por aqueles locais sem terceiros para incomodar tão saudáveis práticas. Ninguém merece, como se diz no pitoresco linguajar dos mais jovens!
Para arrematar, deixo como reflexão: por que precisamos de uma lei para regular a ocupação das calçadas, de fiscalização para verificar o cumprimento dessa mesma lei, da imposição de multa por eventual descumprimento dessa norma, de atritos com os demais, se sabemos que estamos agindo errado e em detrimento dos outros cidadãos que também pagam seus impostos e têm direito de usufruir do espaço público como nós? Por que perdemos a capacidade de nos envergonhar por tais atitudes e por não termos a humildade de reconhecer que estamos errados quando avançamos sobre o espaço dos outros? Por que deixamos de reconhecer que a nossa liberdade termina onde começa a do outro? Por que recriminamos o direito dos outros de se indignarem com as nossas falhas, como se fôssemos perfeitos?
Penso, por vezes, que eu deva repetir como o grande Fernando Pessoa:
Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,
Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?
Francisco GOMES
segunda-feira, 31 de julho de 2017
FRASE DO MÊS
"Outubro começou como os meses costumam começar: a sua entrada é, no fundo, discreta e completamente silenciosa. Sem sinais nem fogueiras, os meses insinuam-se, de um modo que facilmente escapa à atenção de quem não esteja muito alerta. Na realidade, o tempo não tem cortes, não há trovões nem tempestades no início de um novo mês ou de um novo ano; e mesmo na aurora de um novo século só os homens soltam foguetes e repicam os sinos." (A Montanha Mágica. Thomas Mann)
"Der Oktober brach an, wie neue Monate anzubrechen pflegen, - es ist an und für sich ein vollkommen bescheidenes und geräuschloses Anbrechen, ohne Zeichen und Feuermale, ein stilles Sicheinschleichen also eigentlich, das der Aufmerksamkeit, wenn sie nicht strenge Ordnung hält, leicht entgeht. Die Zeit hat in Wirklichkeit keine Einschnitte, es gibt kein Gewitter oder Drommetengetön beim Beginn eines neuen Monats oder Jahres, und selbst bei dem eines neuen Säkulums sind es nur wir Menschen, die schießen und läuten." (Der Zauberberg. Thomas Mann)
sábado, 29 de julho de 2017
SONETO XXVII
Canto a terra querida em que nasci;
minha aldeia, morada de minh'alma;
o meu porto seguro, a minha Palma;
o meu solo vermelho em que cresci.
Canto a terra singela onde aprendi
que na vida é preciso agir com calma,
pois o tempo supera até o trauma
dos horrores do tempo em que vivi.
Minha terra deitada em verde vale;
a igreja, a coluna e a velha casa,
o cachorro e os sonhos que perdi.
Não há outra paragem que se iguale;
o meu peito inda queima feito brasa,
desde aquele momento em que parti.
Eliton Meneses
terça-feira, 25 de julho de 2017
HISTÓRIAS DE MENINO
A primeira menção ao nome do Mardone França li no livro História de Coreaú, do Leonardo Pildas, onde ele consta dentre as personalidades ilustres da Palma como estatístico, mestre e doutor em Bioestatística e professor universitário (cf. p. 556). Anos depois, graças às redes sociais, tive o prazer de trocar uns dedos de prosa virtuais com ele e, em meio à conversa, pedi que ele enviasse algum texto de sua lavra para o Blog da APL, a nossa academia de letras rebelde da Palma. Pouco depois, Mardone me enviou um conto, publicado no Blog da APL, que foi um dos mais singelos e mais bem escritos que já li na vida: Tupã, o anjo negro, sobre o simpático cão da família Carneiro de França, nos seus tempos de Coreaú. Tupã faria uma ótima dupla (casal, quiçá), decerto regulando em grandeza d'alma, com a cachorra Baleia. Em seguida vieram outras peças memoráveis, como o Conto de Setembro, o Banco do Jaime e Açudes, serra e Meral, todos publicados no Blog da APL e, prontamente, já selecionadas para uma antologia de contos da Palma que ainda está no prelo. Além dos publicados no Blog, Mardone me enviou um conto que, se tivesse que escolher um para plagiar, seria este o escolhido: O gavião da tarde. Um conto que nos representa a todos nós, crias da Palma contraditoriamente tão pobre e tão rica ao mesmo tempo; pobre de bens materiais, mas rica de memórias e sentimentos. É óbvio que, com tamanho talento literário, Mardone não poderia ficar de fora da academia rebelde da Palma, e logo se tornou um membro-honorário — honorário e não efetivo, gize-se, apenas por estar, à época, afastado fisicamente das terras palmenses.
Confesso que às vezes sou um tanto generoso ao apreciar o trabalho literário alheio. Às vezes elogio, até como estímulo, algo que, de repente, sequer valor literário possa ter. Mas isso, absolutamente, não acontece com os contos e as crônicas do Mardone. Tenho três grandes referências do conto, uma internacional, Tchekhov; uma latinoamericana, Borges; e uma nacional, Machado de Assis. Agora, tenho também uma referência regional, que atende pelo nome de Mardone França, que, por acaso, nasceu na mesma quadra da nossa velha Palma. O gavião da tarde não deixa nada a dever à Gaivota, do Tchekhov, nada a dever ao Aleph, do Borges, nada a dever à Missa do Galo, do Machado de Assis.
Confesso que às vezes sou um tanto generoso ao apreciar o trabalho literário alheio. Às vezes elogio, até como estímulo, algo que, de repente, sequer valor literário possa ter. Mas isso, absolutamente, não acontece com os contos e as crônicas do Mardone. Tenho três grandes referências do conto, uma internacional, Tchekhov; uma latinoamericana, Borges; e uma nacional, Machado de Assis. Agora, tenho também uma referência regional, que atende pelo nome de Mardone França, que, por acaso, nasceu na mesma quadra da nossa velha Palma. O gavião da tarde não deixa nada a dever à Gaivota, do Tchekhov, nada a dever ao Aleph, do Borges, nada a dever à Missa do Galo, do Machado de Assis.
Quando passei por Natal, em meados de 2016, encontrei o Mardone e ele me anunciou que estava trabalhando no projeto de publicar um livro de contos e eis que, um ano depois, chega às minhas mãos Histórias de menino, uma coletânea de contos e crônicos — encabeçada, obviamente, por O gaivão da tarde —, que reúne quinze capítulos de pura literatura, com tudo a que uma autêntica obra literária pode abranger, como talento, erudição e sensibilidade, com um diferencial particularmente especial, o cenário telúrico da nossa Palma como pano de fundo de quase todas as peças, ou seja, as Histórias de menino são, sobretudo, as impressões do Mardone França — o Poeta das Luzes, por conta do seu talento fotográfico — sobre o espaço-tempo da sua infância na Palma. Um livro escrito com esmero e maestria, um livro que honra a tradição do universal pelo regional, abeberando-se na sabedoria do velho Tolstoi, que dizia: "Pinta tua aldeia e pintarás o mundo." Um livro, enfim, verdadeiramente literário que honra a academia rebelde da Palma — e credencia seu autor, ipso facto, à condição de membro-efetivo da APL — e que honra, sobretudo, a velha Palma, torrão natal que carregamos conosco, sempre, por mais longe que nós vamos.
Quando soube da ideia do livro não pude conter o entusiamo e reforçar amiudadamente o estímulo para que ele saísse o quanto antes. E eis que ora o temos diante de nós. Histórias de menino nasce com a feição de grande literatura, com o selo de clássico da literatura regional e com a marca — de ferrar gado —, ao final de cada capítulo, como assinatura atávica, de cada um dos filhos de seu Carneiro e dona Quinoca...
O livro é uma obra de arte do começo ao fim. Não se pode olvidar da capa e da contracapa, que trazem uma pintura da Arimá Viana, esposa do autor, retratando a Matriz da Palma e o vale do Coreaú permeado pelas reminiscências do menino que se fez homem, sem deixar de ser menino. Li o livro de um fôlego só. Aposto que quem ler O gaivão da tarde, o primeiro conto, não parará mais até concluir o livro. Borges dizia: "Que outros se jactem do que escrevem, eu me orgulho do que eu leio." Histórias de menino é um desses orgulhos que tenho de ter lido, uma poesia em prosa das memórias de um menino da Palma, assim como você, como diria Belchior, assim como eu, da Palma — do Coreaú, tanto faz —, paradoxalmente, às vezes tão pequena e efêmera, mas às vezes tão grande e eterna...
segunda-feira, 24 de julho de 2017
PAIS & FILHOS
Sempre que finalizo um romance, um conto, uma crônica interessante... gosto de tecer algumas considerações ou mesmo fazer uma breve resenha crítica sobre a obra, até como uma forma de assimilar melhor o enredo do livro ou mesmo na tentativa de fazer um estudo crítico, bem como, quiçá, incentivar outros a também se interessarem pela leitura!
Pais & Fihos é uma obra do realismo russo, da segunda metade do Século XIX (1862), de autoria de Ivan Turguêniev, escritor que popularizou o termo niilismo, corrente filosófica que apresenta uma visão cética e radical dos valores religiosos, políticos e sociais, que, inclusive, influenciou a filosofia de Nietzsche e alguns romances de Fiódor Dostoievsky, meu escritor favorito!
Como sugere o próprio título do romance, Pais & Filhos trata do conflito de gerações impulsionado pelas mudanças políticas e sociais que estavam acontecendo na Rússia oitocentista da época. Fazendo uma rápida digressão histórica do momento: ocorria o fim do regime de servidão na Rússia, estando o camponês (servo) sob a tutela do proprietário de terras. A organização política e social da época ainda era feudal, diferente das organizações políticas ocidentais.
A história começa com dois jovens, o médico niilista Bazárov e seu escudeiro e grande amigo Arkádi, chegando à casa de Nikolai Pietróvitch, pai de Árkádi, no interior da Rússia, nos arredores da cidadezinha conhecida como Marina. Bázarov se considera um niilista, aquele que não crê em nada, que se recusa a seguir regras e autoridades e é avesso às manifestações sentimentais. Arkádi, embora mantenha certa fidelidade à ideologia do amigo, se mostra mais sentimental e corresponde melhor às manifestações afetivas do pai. Nicokolai Pietróvitch, assim como seu irmão, tio de Arkádi, Pável Pietróvitch, constituem parte da elite aristocrata ultrapassada da época. Suas atitudes antiquadas entrarão em choque com a ideologia de Bázarov, fato que contribuirá para o completo desentendimentos entre eles e para nutrir o sentimento de ódio de Pável pelo amigo do sobrinho e hóspede de Nikolai. Assim, haverá sempre em toda a narrativa esse conflito geracional entre o velho e o novo. Os amigos visitam os pais de Bazárov em uma outra cidade do interior da Rússia. Vassíli Ivánovitch e Arina Vassílievna são aqueles pais amáveis que fazem de tudo para agradar o filho; porém, Bazárov não se permite manifestações de afetos paternais. Nessas visitas, os dois conhecem a viúva Ana Serguêievna e sua irmã caçula Kátia e, a partir daí, um sentimento mais puro do amor faz com que os dois, por um momento, se deixem levar, embora Bazárov não se renda por completo aos seus sentimentos interiores por Ana e acabe no fim da narrativa tendo um final trágico, fruto talvez das suas próprias convicções. Por outro lado, Arkádi se entrega ao amor e terá uma vida próspera com Kátia!
Assim é que um livro de apenas 200 páginas sintetiza de forma tão pungente a realidade das relações familiares, a discrepância de duas gerações distintas e, após sua publicação, contribuiu para a mobilização social e o arrebatamento niilista que influenciaria muuitas gerações posteriores, perpassando grandes obras de renomados escritores russos como Os irmãos Karamazov, de Fiódor Dostoievsky.
Enfim, fica a dica de leitura introspectiva!
Auricélia Souza Fontenele
Professora de Literatura
quinta-feira, 20 de julho de 2017
NATACHA
O olhar vago no horizonte denunciava que Natacha já não era a mesma. Perdera o companheiro, aquele com quem compartilhara quase tudo na vida. Três anos de namoro. Dez anos de convivência. Agora estava só. O cãozinho também estava triste. Era Luiz quem passeava com ele todas as tardes. Sentia falta do dono. Assim como Natacha, quase não comia ultimamente. De repente, um enorme vazio se abateu sobre ambos. Há menos de dois meses, Luiz percorria animado as ruas do bairro todo fim de tarde.
Foi tudo muito rápido. As dores no estômago, a consulta, os exames, a internação... Em menos de três semanas Luiz foi enterrado. Numa tarde nublada de agosto, alguns familiares e os poucos amigos compareceram ao velório. Um amigo com feição de profeta errante declamou o Salmo 91 e o caixão desceu para a cova funda.
— Aquele que habita no esconderijo do Altíssimo à sombra do Onipotente descansará. (...)
Luiz era ateu. Em nenhum momento do seu suplício recorreu à religião. No começo, imaginou tratar-se de uma simples gastrite. Quando soube da metástase, com uma peculiar calma estoica, passou a organizar suas pendências financeiras e a tentar consolar a companheira.
O cadáver estava duro e frio. Muito diferente daquele Luiz há pouco tão cheio de vida. Natacha beijou-lhe a face e não sentiu sua alma presente. O ser humano muda muito quando morre. Sem alma, é como um tronco de árvore oco largado no chão.
O cadáver estava duro e frio. Muito diferente daquele Luiz há pouco tão cheio de vida. Natacha beijou-lhe a face e não sentiu sua alma presente. O ser humano muda muito quando morre. Sem alma, é como um tronco de árvore oco largado no chão.
Natacha era espírita kardecista. A doutrina de fato trouxe-lhe bastante alívio. Se fosse ateia não saberia como suportar tamanha dor. A despeito do consolo espiritual, a saudade apertava. O apartamento estava vazio. O cãozinho agora passava o dia deitado, num canto. Luiz foi um bom marido. Natacha não tinha coragem de abrir o guarda-roupa dele. Toda manhã parecia ouvir uns passos... Numa carta psicografada, Luiz disse que estava bem. Duas semanas depois da morte do dono, o cãozinho também não resistiu. Natacha acumulava a sua segunda perda num intervalo de tempo tão curto. O apartamento ficou ainda mais vazio. Toda manhã, além dos passos do Luiz, passou a ouvir também o latido do cãozinho.
Natacha quase não saía do apartamento. Não estava com disposição para ir ao centro espírita. Não tinha com quem conversar. Não tinha mais nem um bicho de estimação para acariciar. Continuou, por alguns dias, servindo a água e a ração do cãozinho... Pediu licença no trabalho. Passou a ler mais intensamente a Bíblia, o Livro dos Espíritos, um livro de autoajuda... Mas não manteve nenhuma leitura. Precisava viajar. Adquirir um cachorro novo. Luiz costumava dizer que a vida não tinha um sentido predeterminado. Cada qual deveria atribuir a ela o sentido que melhor lhe aprouvesse. Era chegada a hora de atribuir um novo sentido à sua vida. Precisava resgatar o gosto pelas pequenas coisas. Precisava aguar as plantas que estavam murchando, conversar com a melhor amiga, visitar novamente o orfanato... Precisava perder o medo e resolver adotar aquela criança que lhe abriu os braços na última vez em que foi lá...
Natacha quase não saía do apartamento. Não estava com disposição para ir ao centro espírita. Não tinha com quem conversar. Não tinha mais nem um bicho de estimação para acariciar. Continuou, por alguns dias, servindo a água e a ração do cãozinho... Pediu licença no trabalho. Passou a ler mais intensamente a Bíblia, o Livro dos Espíritos, um livro de autoajuda... Mas não manteve nenhuma leitura. Precisava viajar. Adquirir um cachorro novo. Luiz costumava dizer que a vida não tinha um sentido predeterminado. Cada qual deveria atribuir a ela o sentido que melhor lhe aprouvesse. Era chegada a hora de atribuir um novo sentido à sua vida. Precisava resgatar o gosto pelas pequenas coisas. Precisava aguar as plantas que estavam murchando, conversar com a melhor amiga, visitar novamente o orfanato... Precisava perder o medo e resolver adotar aquela criança que lhe abriu os braços na última vez em que foi lá...
segunda-feira, 17 de julho de 2017
SONETO XXVI
Como as águas do rio as coisas correm,
Arrastadas no vão da correnteza;
Por qualquer afluente, sem beleza,
Muitas barcas perdidas até morrem.
Velam noites compridas que decorrem
Sob o canto disforme da tristeza;
Singram vales desertos na certeza
De que todos se agarram, mas escorrem.
Poucas coisas no mundo têm raízes;
De que todos se agarram, mas escorrem.
Poucas coisas no mundo têm raízes;
Todos vão à procura de descanso,
Quando finda a jornada sem grandeza.
O que fica do bando de infelizes,
Quando finda a jornada sem grandeza.
O que fica do bando de infelizes,
À deriva na curva de um remanso,
É o espólio da terna natureza.
Eliton Meneses
É o espólio da terna natureza.
Eliton Meneses
quarta-feira, 12 de julho de 2017
REFORMA TRABALHISTA
Entendo o sujeito ser contra o PT, ser contra a Dilma, ser contra o Lula... Agora, o sujeito ser contra o trabalhador (ele também um trabalhador) e aplaudir as conquistas do patrão, aí já é um ato de desvairada loucura... Se a criatura não tem nem noção de como funciona a relação capital-trabalho, devia pelo menos parar de passar vergonha nas redes sociais...
sábado, 8 de julho de 2017
quinta-feira, 6 de julho de 2017
SONETO XXV
"L'amante nell'amato si trasforma." (Petrarca)
Não podia conter o pensamento;
Muitas vezes se vira angustiado;
Bem difícil era vê-lo concentrado;
Percorria o seu mundo, desatento.
Sempre errava na fala o seu momento;
Precisava ser mais organizado;
Costumava sonhar, mas acordado;
Outro disse faltar-lhe sentimento.
Não sabia domar seu movimento;
Era sempre inquieto e ansioso;
Era cheio de perdas e retardos.
Lamentava depois do açodamento;
Não ficava um instante ocioso;
Um transtorno, porém, com muitos fardos.
Eliton Meneses
sábado, 1 de julho de 2017
SONETO XXIV
Ficou o mesmo no correr dos anos;
o mesmo tolo desde que nascido.
Passou a vida inteira embevecido,
atado à corda dos seus desenganos.
Seguia o tosco arranjo dos arcanos.
Quisera um dia não haver perdido
aquela luta em que foi, aturdido,
levado à lona por servis tiranos.
Saiu de casa sem nenhum destino,
atravessando a madrugada fria,
com a insônia a percorrer a rua.
Em cada esquina mais um desatino;
uma comédia melhor contaria
a sua história toda nua e crua.
Eliton Meneses
sexta-feira, 30 de junho de 2017
FRASE DO MÊS
"Três paixões, simples mas bastante fortes, têm governado minha vida: o desejo de amar, a busca do conhecimento e a insuportável compaixão pelo sofrimento da humanidade. Essas paixões, como os fortes ventos, têm-me levado de um lado para outro, em caminhos caprichosos, por sobre um grande oceano de angústias, que chega à beira do desespero." (Bertrand Russell)
"Three passions, simple but overwhelmingly strong, have governed my life: the longing for love, the search for knowledge, and unbearable pity for the suffering of mankind. These passions, like great winds, have blown me hither and thither, in a wayward course, over a great ocean of anguish, reaching to the very verge of despair." (Bertrand Russell)
OS 100 MELHORES LIVROS DA LITERATURA
Os 100 melhores livros da história da literatura, segundo a Revista Bula:
1 — Dom Quixote, Miguel de Cervantes, 1605; *
2 — Guerra e Paz, Liev Tolstói, 1869; *
3 — A Montanha Mágica, Thomas Mann, 1924; *
4 — Ulisses, James Joyce, 1922; *
5 — Cem Anos de Solidão, Gabriel García Márquez, 1967; *
6 — A Divina Comédia, Dante Alighieri, 1321; *
7 — Em Busca do Tempo Perdido, Marcel Proust, 1913;
8 — O Som e a Fúria, William Faulkner, 1929;
9 — O Homem sem Qualidades, Robert Musil, 1930-1943;
10 — O Processo, Franz Kafka, 1925; *
11 — Crime e Castigo, Fiódor Dostoiévski, 1866; *
12 — Anna Kariênina, Liev Tolstói, 1877;
13 — Édipo Rei, Sófocles, 427 a.c.; *
14 — 1984, George Orwell, 1949;
15 — O Castelo, Franz Kafka, 1926;
16 — Ilíada e Odisseia, Homero, século 8 a.c.; *
17 — A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy, Laurence Sterne, 1759;
18 — Doutor Fausto, Thomas Mann, 1947; *
19 — Lolita, Vladímir Nabókov, 1955; *
20 — Enquanto Agonizo, William Faulkner, 1930;
21 — A Morte de Virgílio, Hermann Broch, 1945;
22 — Os Lusíadas, Luís de Camões, 1572; *
23 — O Homem Invisível, Ralph Ellison, 1952;
24 — Hamlet, William Shakespeare, 1603; *
25 — Finnegans Wake, James Joyce, 1939;
26 — Rumo ao Farol, Virginia Woolf, 1927;
27 — Grande Sertão: Veredas, Guimarães Rosa, 1956; *
28 — Pedro Páramo, Juan Rulfo, 1955; *
29 — As Três Irmãs, Anton Tchekhov, 1901; *
30 — Orgulho e Preconceito, Jane Austen, 1813;
OS 100 LIVROS MAIS INFLUENTES
Os cem livros que mais influenciaram a humanidade, segundo a Revista Bula (por ordem cronológica):
1 — Ching (1500 a.C.)
2 — O Velho Testamento (1500 a.C.)
3 — A Ilíada e A Odisséia — Homero (Século IX a.C.) *
4 — Os Upanishads (700 a.C.-400 a.C.)
5 — O Caminho e Seu Poder — Lao-Tzu (Século III a.C.)
6 — O Avesta (500 a.C.)
7 — Analectos — Confúcio (Século IV – V a.C.)
8 — História da Guerra do Peloponeso — Tucídides (Século V a.C.)
9 — Obras — Hipócrates (400 a.C.)
10 — Obras — Aristóteles (Século IV a.C.)
11 — História — Heródoto (Século IV a.C.)
12 — A República — Platão (380 a.C.) *
13 — Elementos de Geometria — Euclides (280 a.C.)
14 — O Dhammapada (252 a.C.)
15 — A Eneida — Virgílio (70-19 a.C.)
16 — Da Natureza da Realidade — Lucrécio (55 a.C.)
17 — Exposições Alegóricas das Leis Divinas — Philo de Alexandria (Século I d.C.)
18 — O Novo Testamento (64-110 d.C.) *
19 — Vidas Paralelas — Plutarco (50-120 d.C.)
20 — Anais, da Morte do Divino Augusto — Cornélio Tácito (120 d.C.)
21 — O Evangelho da Verdade (Século I d.C.)
22 — Meditações — Marco Aurélio (167 d.C.)
23 — Hipotiposes Pirrônicas — Sexto Empírico (150-210 d.C.)
24 — Novenas — Plotino (Século III d.C.)
25 — Confissões — Agostinho de Hippo (400 d.C.) *
quarta-feira, 28 de junho de 2017
SECA
A planta secou;
A igreja fechou;
O sonho acabou;
A mulher pariu.
O rei foi deposto;
Ficou o desgosto;
Errei o aposto;
A grana sumiu.
O tempo passou;
O santo pecou;
O vácuo ficou;
O diabo sorriu.
A praga no rosto;
Quiçá o encosto;
O sol de agosto
Um peito partiu.
Eliton Meneses
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