domingo, 10 de dezembro de 2017

TEMPO


Despertou não sabia em que dia da semana, muito menos em que mês e em que ano. Sentado no piso de um quarto escuro, não sabia tampouco se era noite ou se era dia. Não havia porta, janela, nem qualquer objeto no quarto. Estava preso num cubículo escuro e vazio. Havia apenas um orifício na parece, com uma luz que não penetrava o seu interior. Tentou levantar-se, estava sem forças. Teria morrido? Perdido a memória? Não sabia quem era, de onde vinha, quantos anos tinha... Sabia pouca coisa. Sabia que era um homem e que havia um mundo com pessoas que interagiam e se apegavam umas às outras e que por isso sofriam e também eram felizes. Rastejou até o orifício. Havia pouca coisa lá fora. Apenas um relógio, um quadro e um livro aberto, suspensos num imenso deserto. O relógio marcava duas horas em ponto. Devia ser do dia... O homem pintado no quadro tinha um olhar vazio, uma boca que parecia falar e a mão que apontava para algum lugar. Talvez para o livro volumoso do lado, que a distância não permitia ler.
Tapou com o dedo o orifício e mergulhou na total escuridão. Quando despertou de novo, viu pelo orifício que o relógio marcava as mesmas duas horas. Não era possível. Parecia ter dormido uma eternidade. O homem pintado no quadro parecia chorar, sua boca já não falava mais e a mão já não acenava para lugar algum. O livro agora estava fechado. A capa trazia um símbolo, uma estrada e uma planta. Inesperadamente, uma tempestade de areia aproximou-se e encobriu o relógio, o quadro e o livro. Encobriu até mesmo o quarto escuro.  
Despertou mais uma vez e viu pelo orifício o relógio empoeirado que continuava a marcar duas horas, o livro que estava novamente aberto e o homem do quadro que parecia sorrir. Sentiu algo estranho dentro de si. Uma vontade de sair do cubículo escuro e observar de perto aquele quadro, de ler aquele livro e, sobretudo, de investigar o funcionamento daquele relógio.
As paredes pareciam de concreto. Não conseguia ver o teto. Seu único caminho para o mundo exterior era aquele orifício minúsculo. Como sairia? Perguntou a si mesmo. Perguntou para o homem do quadro, que, depois de um silêncio, pareceu dizer-lhe alguma coisa. Logo em seguida, apareceu uma mulher caminhando no deserto, uma mulher que ouviu alguma coisa do homem do quadro e se dirigiu ao quarto escuro. À medida que ela se aproximava do orifício, diminuía cada vez mais de tamanho, até ficar menor do que o próprio orifício e passar através dele para dentro do quarto. Tendo voltado ao seu tamanho original, a mulher tocou a mão do homem do quarto e o convidou a sair.
Quando deu por si, sentado na areia, ele não mais encontrou sua guia. Ergueu-se ainda perplexo, aproximou-se do relógio e descobriu que ele não funcionava por falta de pilha, que o livro volumoso era o livro da vida e que o homem do quadro, na verdade, era ele mesmo.

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