A primeira menção ao nome do Mardone França li no livro História de Coreaú, do Leonardo Pildas, onde ele consta dentre as personalidades ilustres da Palma como estatístico, mestre e doutor em Bioestatística e professor universitário (cf. p. 556). Anos depois, graças às redes sociais, tive o prazer de trocar uns dedos de prosa virtuais com ele e, em meio à conversa, pedi que ele enviasse algum texto de sua lavra para o Blog da APL, a nossa academia de letras rebelde da Palma. Pouco depois, Mardone me enviou um conto, publicado no Blog da APL, que foi um dos mais singelos e mais bem escritos que já li na vida: Tupã, o anjo negro, sobre o simpático cão da família Carneiro de França, nos seus tempos de Coreaú. Tupã faria uma ótima dupla (casal, quiçá), decerto regulando em grandeza d'alma, com a cachorra Baleia. Em seguida vieram outras peças memoráveis, como o Conto de Setembro, o Banco do Jaime e Açudes, serra e Meral, todos publicados no Blog da APL e, prontamente, já selecionadas para uma antologia de contos da Palma que ainda está no prelo. Além dos publicados no Blog, Mardone me enviou um conto que, se tivesse que escolher um para plagiar, seria este o escolhido: O gavião da tarde. Um conto que nos representa a todos nós, crias da Palma contraditoriamente tão pobre e tão rica ao mesmo tempo; pobre de bens materiais, mas rica de memórias e sentimentos. É óbvio que, com tamanho talento literário, Mardone não poderia ficar de fora da academia rebelde da Palma, e logo se tornou um membro-honorário — honorário e não efetivo, gize-se, apenas por estar, à época, afastado fisicamente das terras palmenses.
Confesso que às vezes sou um tanto generoso ao apreciar o trabalho literário alheio. Às vezes elogio, até como estímulo, algo que, de repente, sequer valor literário possa ter. Mas isso, absolutamente, não acontece com os contos e as crônicas do Mardone. Tenho três grandes referências do conto, uma internacional, Tchekhov; uma latinoamericana, Borges; e uma nacional, Machado de Assis. Agora, tenho também uma referência regional, que atende pelo nome de Mardone França, que, por acaso, nasceu na mesma quadra da nossa velha Palma. O gavião da tarde não deixa nada a dever à Gaivota, do Tchekhov, nada a dever ao Aleph, do Borges, nada a dever à Missa do Galo, do Machado de Assis.
Confesso que às vezes sou um tanto generoso ao apreciar o trabalho literário alheio. Às vezes elogio, até como estímulo, algo que, de repente, sequer valor literário possa ter. Mas isso, absolutamente, não acontece com os contos e as crônicas do Mardone. Tenho três grandes referências do conto, uma internacional, Tchekhov; uma latinoamericana, Borges; e uma nacional, Machado de Assis. Agora, tenho também uma referência regional, que atende pelo nome de Mardone França, que, por acaso, nasceu na mesma quadra da nossa velha Palma. O gavião da tarde não deixa nada a dever à Gaivota, do Tchekhov, nada a dever ao Aleph, do Borges, nada a dever à Missa do Galo, do Machado de Assis.
Quando passei por Natal, em meados de 2016, encontrei o Mardone e ele me anunciou que estava trabalhando no projeto de publicar um livro de contos e eis que, um ano depois, chega às minhas mãos Histórias de menino, uma coletânea de contos e crônicos — encabeçada, obviamente, por O gaivão da tarde —, que reúne quinze capítulos de pura literatura, com tudo a que uma autêntica obra literária pode abranger, como talento, erudição e sensibilidade, com um diferencial particularmente especial, o cenário telúrico da nossa Palma como pano de fundo de quase todas as peças, ou seja, as Histórias de menino são, sobretudo, as impressões do Mardone França — o Poeta das Luzes, por conta do seu talento fotográfico — sobre o espaço-tempo da sua infância na Palma. Um livro escrito com esmero e maestria, um livro que honra a tradição do universal pelo regional, abeberando-se na sabedoria do velho Tolstoi, que dizia: "Pinta tua aldeia e pintarás o mundo." Um livro, enfim, verdadeiramente literário que honra a academia rebelde da Palma — e credencia seu autor, ipso facto, à condição de membro-efetivo da APL — e que honra, sobretudo, a velha Palma, torrão natal que carregamos conosco, sempre, por mais longe que nós vamos.
Quando soube da ideia do livro não pude conter o entusiamo e reforçar amiudadamente o estímulo para que ele saísse o quanto antes. E eis que ora o temos diante de nós. Histórias de menino nasce com a feição de grande literatura, com o selo de clássico da literatura regional e com a marca — de ferrar gado —, ao final de cada capítulo, como assinatura atávica, de cada um dos filhos de seu Carneiro e dona Quinoca...
O livro é uma obra de arte do começo ao fim. Não se pode olvidar da capa e da contracapa, que trazem uma pintura da Arimá Viana, esposa do autor, retratando a Matriz da Palma e o vale do Coreaú permeado pelas reminiscências do menino que se fez homem, sem deixar de ser menino. Li o livro de um fôlego só. Aposto que quem ler O gaivão da tarde, o primeiro conto, não parará mais até concluir o livro. Borges dizia: "Que outros se jactem do que escrevem, eu me orgulho do que eu leio." Histórias de menino é um desses orgulhos que tenho de ter lido, uma poesia em prosa das memórias de um menino da Palma, assim como você, como diria Belchior, assim como eu, da Palma — do Coreaú, tanto faz —, paradoxalmente, às vezes tão pequena e efêmera, mas às vezes tão grande e eterna...
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