Aos leitores deste humilde diário, àqueles que o acessam de perto ou de longe, aos que nos enviam e-mails, àqueles que permanecem silentes, espalhados por tantos lugares mundo afora, aos colaboradores e a todos que compartilham conosco alguns momentos da vida e da arte, nossos votos de um ano de 2016 de muita saúde, paz, felicidade, solidariedade, sabedoria e amor!
quinta-feira, 31 de dezembro de 2015
quarta-feira, 30 de dezembro de 2015
UMA IMAGEM DO ANO
Na vida encontramos muitos amigos; com o tempo, porém, alguns ficam pelo caminho, uns poucos permanecem, outros se tornam indiferentes, meros conhecidos ou mesmo desafetos... Amigos de trabalho, amigos de vizinhança, amigos de infância... Em meio a todos eles, há os amigos de verdade, que em regra se contam nos dedos de uma mão e a quem se pode chamar de irmão. Benedito Rodrigues (à esquerda) e Gilmar Paiva (à direita) são dois desses, com quem tive o grato prazer de compartilhar a noite de Natal.
terça-feira, 29 de dezembro de 2015
MISSA DO GALO
Estava chegando a hora da Missa do Galo. O sino da igreja tinha tocado a segunda chamada. À meia-noite começaria a tão aguardada cerimônia. Pitica havia dito, com ar sisudo, que durante a missa iriam procurar o sangue de Cristo na Bíblia; se não o encontrassem, o mundo se acabaria. Etim ficou bastante apreensivo com o possível malogro da empreitada.
A meninada só pensava no presente de Natal, que afinal quase ninguém recebia, tamanha a pobreza que grassava por aqueles rincões sertanejos. Etim só pensava na bendita gota de sangue de Cristo que devia aparecer para salvar o mundo. Também pensava num galo enorme cantando em cima da igreja, anunciando a salvação do mundo, e no silêncio do galo que antecederia uma enorme explosão. Não se importava com presente, o pouco que tinha já lhe bastava. Preocupava-lhe mesmo era o fim do mundo. Não conseguia entender como, diante do risco iminente do fim do mundo, todas as pessoas se mostrassem tranquilas e ainda tivessem tempo para pensar em presente. De que adiantariam os presentes depois do fim do mundo? Até mesmo Pitica parecia bastante tranquilo, certo de que Papai Noel colocaria debaixo da sua rede uma bicicleta nova.
Quando tocou a terceira chamada, Etim foi sentar-se ansioso no último banco da igreja. A cerimônia era comprida, a leitura lenta e rebuscada, o sermão longo e cansativo, os cânticos maçantes e desafinados... Tudo confluía para aumentar a irritação e a ansiedade do menino. Depois de quase uma hora, que mais pareceu uma eternidade, o padre finalmente parou numa certa altura da Bíblia, ergueu-a aberta e os sinos repicaram com força. O menino respirou aliviado; deviam ter achado o sangue de Cristo. O galo não cantou, mas as palavras de alívio do padre e o dobrar alegre dos sinos deram a certeza de que o mundo estava salvo.
Na manhã seguinte, Pitica apareceu contrariado por não ter encontrado nada debaixo da sua rede; Etim, muito contente por saber que o mundo estava salvo por mais um ano.
segunda-feira, 28 de dezembro de 2015
domingo, 27 de dezembro de 2015
JOÃOZINHO
Dona Rita estava preparando o almoço e nem notou quando Joãozinho saiu sorrateiro com a porquinha de estimação. O menino caminhou uns cem metros até à barragem e de longe avistou outros meninos saltando das árvores da beira do rio. A porquinha estava especialmente serelepe, parecia querer divertir-se no rio. Joãozinho também queria jogar-se nas águas, ser um menino normal, mas tinha medo, o seu problema não lhe permitia tais aventuras, sobretudo sem a presença de um adulto. Nunca mais havia tido uma crise; depois do remédio novo, só teve um desmaio, já fazia mais de mês. De toda sorte, ainda não se considerava curado. Todo cuidado era pouco. Tomar banho de rio sozinho nem pensar.
Joãozinho seguiu pela beira a euforia da porquinha, sem tirar os olhos do encantador cenário formado pelo rio corrente em pleno outubro. De um lado, o comércio movimentado da Rua de Baixo; de outro, a estrada que levava ao Araquém; havia umas lavadeiras nas pedras ao longe e alguns meninos jogando no campinho da barragem. De onde Joãozinho estava, bastava atravessar poucos metros de água rasa para se alcançar o Poço do Carro, onde os homens costumavam se banhar. Joãozinho não queria atravessar a água, mas sua porquinha saiu nadando e, hesitante, resolveu acompanhá-la com água no meio da perna. Dez passos depois, sentiu-se confiante e, ao invés de concluir o percurso, ficou pelo meio brincando com a porquinha que nadava em sua volta.
A brincadeira, porém, durou pouco. O menino sentiu subitamente uma devastadora angústia, seguida de um forte clarão que logo se desfez em trevas. A porquinha ficou em polvorosa, nadando e grunhindo alto em volta das borbulhas, até não resistir mais e retornar exausta e desolada para a beira d'água.
Duas horas depois encontraram o corpo de Joãozinho, afogado na água rasa.
sexta-feira, 25 de dezembro de 2015
JESUS CRISTO :: A MULHER ADÚLTERA
"(...) Jesus foi ao Monte das Oliveiras. E pela manhã voltou ao templo, vindo todo o povo ao seu encontro; e, sentado, lhe ensinava.
Então os escribas e fariseus lhe trouxeram uma mulher surpreendida em adultério, e, pondo-a no meio, lhe disseram: Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante de adultério. Na lei Moisés nos manda apedrejá-la. E tu, o que dizes?
Isso diziam tentando-lhe, para poder acusá-lo. Mas Jesus, inclinando-se, escrevia com o dedo no chão.
E como insistiram na pergunta, ele se ergueu e lhes disse: Aquele de vocês que não tiver pecado atire a primeira pedra.
E inclinando-se novamente seguiu escrevendo no chão.
Mas eles, ao ouvirem isso, foram saindo um a um, do mais velho ao mais moço; e ficou só Jesus e a mulher.
Então, erguendo-se Jesus, e não vendo ninguém a não ser a mulher, lhe disse: Mulher, onde estão os que te acusavam? Ninguém te condenou?
Ela lhe disse: Nenhum, senhor. E disse-lhe Jesus: Nem eu te condeno; vá e não peque mais." (João 8; 1-11)
terça-feira, 22 de dezembro de 2015
LA DIVINA COMMEDIA
"Que otros se jacten de las páginas que han escrito; a mí me enorgullecen las que he leído." (Borges)
Assim como são intraduzíveis o Grande Sertão: Veredas e Os Lusíadas, tendo nós, nativos da língua portuguesa, a grande fortuna de poder lê-los no original, há outros clássicos que somente na língua em que foram escritos se consegue aproximar do seu verdadeiro conteúdo. Há de se aprender inglês para se ler o Paraíso Perdido (Paradise Lost), de Milton; há de se aprender alemão para se ler o Fausto (Faust), de Goethe; há de se aprender francês para se ler Rimbaud, Baudelaire e Mallarmé; há de se aprender espanhol para se ler o Dom Quixote de La Mancha (Don Quijote de La Mancha), de Cervantes; há de se aprender italiano para se ler A Divina Comédia (La Divina Commedia), de Dante Alighieri... No caso d'A Divina Comédia, o original é no dialeto toscano medieval, que deu origem ao moderno italiano, cujo domínio, de toda sorte, assegura uma compreensão razoável da obra no original.
Nossa última façanha no universo da leitura foi exatamente La Divina Commedia, para nós, o maior de todos os poemas, um farol que alumiou em plena Idade Média e conduziu a humanidade para uma nova era. Dante, guiado inicialmente pelo poeta Virgílio e depois por sua amada Beatriz, percorre o Inferno, o Purgatório e o Paraíso, partindo de uma selva escura até o encontro com a luz eterna, numa perfeita tradução de toda a saga humana.
"La gloria di colui che tutto move
per l'universo penetra, e risplende
in una parte più e meno altrove.
Nel ciel che più de la sua luce prende
fu' io, e vidi cose che ridire
né sa né può chi di là sù discende;
perché appressando sé al suo disire,
nostro intelletto si profonda tanto,
che dietro la memoria non può ire."
(Dante)
Nossa última façanha no universo da leitura foi exatamente La Divina Commedia, para nós, o maior de todos os poemas, um farol que alumiou em plena Idade Média e conduziu a humanidade para uma nova era. Dante, guiado inicialmente pelo poeta Virgílio e depois por sua amada Beatriz, percorre o Inferno, o Purgatório e o Paraíso, partindo de uma selva escura até o encontro com a luz eterna, numa perfeita tradução de toda a saga humana.
"La gloria di colui che tutto move
per l'universo penetra, e risplende
in una parte più e meno altrove.
Nel ciel che più de la sua luce prende
fu' io, e vidi cose che ridire
né sa né può chi di là sù discende;
perché appressando sé al suo disire,
nostro intelletto si profonda tanto,
che dietro la memoria non può ire."
(Dante)
domingo, 20 de dezembro de 2015
VALE DA SAUDADE
Às vezes sozinho,
Pego de surpresa,
Você se vê dentro
D'um triste penar.
Saudade medonha
Invade o seu peito,
Não há uma fuga,
No seu cego olhar.
O sonho acabou?!
E agora, menino?
Nada mais importa?
Não quer me falar?
Pergunta consigo:
– Onde é que errei?
Voltar já não pode;
Debalde sonhar.
Um redemoinho
Carrega distante
A carta de amor
Que não pôde dar.
Não há despedida;
De nada adianta
A sua insistência,
Seu quase chorar.
Não valia a pena;
Era só quimera;
Ilusão perdida;
Melhor despertar.
Os velhos amores
Estão do seu lado,
Nunca desistiram;
Por que não voltar?
A vida prossegue;
É só uma chaga
Que logo o tempo
Irá apagar!
Eliton Meneses
sexta-feira, 18 de dezembro de 2015
PESADELO
Certa madrugada, acordou assustado de um pesadelo e perguntou à mãe quanto tempo faltava para ela completar cinquenta anos. Chovia forte e pela telha transparente do quarto apinhado de rede o relâmpago parecia iluminar todo o universo. O menino não tinha ideia precisa do tempo. Alguém havia dito que depois dos cinquenta anos a pessoa ficava velha e caminhava para o fim da vida.
Aterrava-lhe a ideia de perder a mãe precocemente. A triste experiência do melhor amigo órfão parecia-lhe insuportável. No pesadelo recorrente aparecia sempre o mesmo túmulo branco de sua mãezinha no cemitério sombrio. Compreendia bem por que o amigo órfão evitava passar perto do cemitério nas rondas do esconde-esconde.
A mãe, com 41 anos e saúde impecável, nunca entendeu aquela pergunta recorrente do menino na madrugada. Considerava algo à toa. Mais uma esquisitice de um menino cheio de mania.
– Vai dormir, menino! Larga de besteira!
A mãe, com 41 anos e saúde impecável, nunca entendeu aquela pergunta recorrente do menino na madrugada. Considerava algo à toa. Mais uma esquisitice de um menino cheio de mania.
– Vai dormir, menino! Larga de besteira!
domingo, 6 de dezembro de 2015
BRASIL: ESTADO SOCIAL DE DIREITO
"Disse Engels que onde o poder do Estado num determinado país entra em contradição com o desenvolvimento econômico, a luta termina sempre com a derrocada do poder político. Eu diria que no caso específico do Brasil o axioma do colaborador de Marx – substituída a expressão desenvolvimento econômico por desenvolvimento social – cobrará um sentido de dramaticidade e advertência para definir com toda a clareza o momento histórico que o País atravessa.
Poderosas forças coligadas numa conspiração política contra o regime constitucional de 1988 intentam apoderar-se do aparelho estatal para introduzir retrocessos na lei maior e revogar importantes avanços sociais, fazendo assim inevitável um antagonismo fatal entre o Estado e a Sociedade.
Não resta dúvida que em determinados círculos das elites vinculadas a lideranças reacionárias está sendo programada a destruição do Estado social brasileiro.
Se isso acontecer será a perda de mais de cinquenta anos de esforços constitucionais para mitigar o quadro de injustiça provocado por uma desigualdade social que assombra o mundo e humilha a consciência desta Nação. Mas não acontecerá, se o Estado social for a própria Sociedade brasileira concentrada num pensamento de união e apoio a valores igualitários e humanistas que legitimam a presente Constituição do Brasil.
A Constituição de 1988 é basicamente em muitas de suas dimensões essenciais uma Constituição do Estado social. Portanto, os problemas constitucionais referentes a relações de poderes e exercício de direitos subjetivos têm que ser examinados e resolvidos à luz dos conceitos derivados daquela modalidade de ordenamento. Uma coisa é a Constituição do Estado liberal, outra a Constituição do Estado social. A primeira é uma Constituição antigoverno e anti-Estado; a segunda uma Constituição de valores refratários ao individualismo no Direito e ao absolutismo no Poder. (...)
Em se tratando de Estado social, concordamos, por inteiro, com Tomand e Franz Horner quando dizem que um dos mais graves problemas do Direito Constitucional decorre de que ele realiza os fins do Estado social de hoje com a técnica do Estado de Direito de ontem.
Mas o verdadeiro problema do Direito Constitucional de nossa época está, ao nosso ver, em como juridicizar o Estado social, como estabelecer e inaugurar novas técnicas ou institutos processuais para garantir os direitos sociais básicos, a fim de fazê-los efetivos.
Por esse aspecto muito avançou o Estado social da Carta de 1988, com o mandado de injunção, o mandado de segurança coletivo e a inconstitucionalidade por omissão. O Estado social brasileiro é portanto de terceira geração, em face desses aperfeiçoamentos: um Estado que não concede apenas direitos sociais básicos, mas os garante.
Até onde irá contudo na prática essa garantia, até onde haverá condições materiais propícias para traduzir em realidade o programa de direitos básicos formalmente postos na Constituição, não se pode dizer com certeza. É muito cedo para antecipar conclusões, mas não é tarde para asseverar que, pela latitude daqueles direitos e pela precariedade dos recursos estatais disponíveis, sobremodo limitados, já se armam os pressupostos de uma procelosa crise. Crise constitucional, que não é senão a própria crise constituinte do Estado e da Sociedade brasileira, na sua versão mais arrasadora e culminante desde que implantamos nesta País a república há cem anos."
(Paulo Bonavides. Curso de Direito Constitucional. Malheiros. 5.ª edição. 1994. São Paulo. pp. 336/338)
segunda-feira, 30 de novembro de 2015
ALTOS E BAIXOS
EM ALTA
A permanência dramática, mas também heroica do Ceará Sporting Club na Série B do Campeonato Brasileiro. Um clube que, na 30.ª rodada, estava com 98% de risco de rebaixamento conseguir escapar nas oito últimas rodadas é uma clara demonstração de força e superação.
EM BAIXA
A morte trágica do pequeno Francisco Lucas, no Município de Coreaú, num ônibus escolar, ao que tudo indica, eivado de irregularidades. Até quando a desídia dos Poderes Públicos continuará favorecendo absurdos como esse? Até quando?
EM ALTA
A excelente gestão, que se encerra nesta semana, de Andrea Coelho à frente da Defensoria Pública do Estado do Ceará. São quatro anos que ficarão na história da instituição.
EM BAIXA
A crise crônica da saúde pública no Brasil. Há muito tempo muitos pacientes só têm acesso a medicamentos e cirurgias por intermédio da Justiça. Abrem-se novos presídios com alguma frequência, mas novos hospitais muito raramente...
domingo, 29 de novembro de 2015
CRIME INAFIANÇÁVEL?
Um dos grandes dramas do Direito são os malabarismos interpretativos volta e meia empregados para atender a conveniências incompatíveis com o espírito do sistema jurídico. A Constituição Federal estabelece que "Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável” (CF/88, art. 53, § 2º). A prisão em flagrante do senador Delcídio Amaral foi justificado pelo ministro Teori Zavascki como crime permanente, no caso, fazer parte de crime organizado (da Petrobras – Lei 12.850/13, art. 2º). O crime permanente (que dura no tempo) realmente permite a prisão em flagrante em qualquer momento (CPP, arts. 302 e 303), não havendo nesse aspecto qualquer problema. No entanto, de acordo com a mesma Constituição Federal, são inafiançáveis os crimes de "tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem" (art. 5.º, inciso XLIII), bem como "a prática do racismo" (art. 5.º, inciso XLII) e "a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático" (artigo 5.º, inciso XLIV). A partir da Lei nº 12.403/11 (que ampliou as hipóteses de fiança para praticamente todos os crimes, ressalvados aqueles com vedação constitucional), o "fazer parte de crime organizado" não é crime inafiançável, não autorizando, portanto, a prisão em flagrante de um senador no exercício do mandato. E não é a citação de três ministros do STF no caso motivo suficiente para tornar inafiançável o crime e autorizar a prisão... Malabarismos interpretativos para atender conveniências de plantão são sempre reprováveis e prejudiciais ao regime democrático, não importando se o alvo seja um corrupto inveterado ou uma pessoa inocente, algo que só pode ser esclarecido depois do contraditório e da ampla defesa. Que sejam presos todos os corruptos, mas com o devido processo legal, sempre.
HOMENAGEM A FRANCISCO LUCAS
O pequeno estudante tinha um sonho, como qualquer criança de sua tenra idade. Brincar com os colegas e amigos, estudar, fazer os deveres de casa, ir à escola, etc... Para no futuro ser útil à sociedade, trabalhar e constituir sua própria família. Para a alegria e orgulho de seus pais e atendimento ao enunciado bíblico. Mas a insensatez humana lhe roubou o futuro. O presente não mais existe. Só restaram a saudade, a dor e as lembranças do passado tão curto, pois não lhe deram chance de ter o amanhã. Talvez o destino tenha a sua parcela de contribuição, por não se saberes os desígnios de Deus.
O fato é que naquele lindo dia de 19 de novembro (Dia da Bandeira) do ano de 2015, ao começo da bela manhã ensolarada na zona rural de Coreaú, sua mãe o embarcou no tal "ônibus escolar" para levá-lo à escola, como fazia todos os dias. O transporte estava sempre lotado de crianças, mas Lucas sequer chegou à escola, pois o caminho da escola foi tragicamente interrompido quando foi lançado para fora do veículo pelo para-brisa, jogado ao chão e com morte imediata, e tudo fruto do descaso e negligência do Poder Público. Lucas é mais um anjinho no Céu.
As Leis da Física (Lei da Quantidade de Movimento e a da Inércia) e o Diário do Nordeste não negam. Se o tal "ônibus escolar" tivesse os cintos de segurança nos bancos, certamente ele estaria vivo na casa dos seus pais. Mas não, é todo irregular: pneus carecas, ferrugem, extintor de incêndio ninguém sabe, sem identificação horizontal indicando transporte escolar, monitor responsável dentro do ônibus ninguém sabe, sem sinto de segurança nos bancos do velho e surrado veículo de mais de vinte anos de uso, além do motorista que não seria habilitado para dirigir o "Amarelão".
O pai de Lucas (Sr. José Francisco da Rocha) já havia reclamado e denunciado a gravidade do caso do veículo à diretora da Escola, mas nada foi feito e nenhuma providência foi tomada para amenizar ou resolver os graves problemas do transporte escolar daquela zona rural. E ninguém fez nada. E a tragédia anunciada, infelizmente, aconteceu.
E os órgãos fiscalizadores (Prefeitura Municipal de Coreaú/Secretaria Municipal de Educação, Ministério Público do Estado do Ceará, Defensoria Pública, Conselho Tutelar, TCM, TCE etc.), onde andavam e o que faziam, enquanto debaixo dos seus olhos e de suas narinas as Leis e as Normas pertinentes de transporte escolar eram permanente e diuturnamente afrontadas, violadas e desrespeitadas (CRFB/1988, CBT, ECA etc.), e nada era ou foi feito?! Pois se algo tivesse sido feito, não impediria de ocorrer o acidente (pois acidentes acontecem), mas a vida da criança não teria sido grotescamente sacrificada. E não foi por falta de aviso não. O pai de Lucas já havia reclamado e denunciado os graves problemas do ônibus à diretora da Escola e ao Jornal Diário do Nordeste fez e estampou uma extraordinária e completa reportagem especial com o título "(DES) CAMINHOS DA ESCOLA" nesse mesmo corrente ano de 2015, alertando e denunciando tudo e todas as irregularidades, e, mesmo assim, ninguém fez nada e nada foi feito para amenizar e/ou resolver os graves problemas, salvo uma operação policial noticiada naquele mesmo dia.
O desabado do pai de Lucas registrada na matéria do jornal, ao saber do trágico sinistro, é de sensibilizar e chocar qualquer pessoa, menos as insensíveis, e, ao que parece, de quem teria o dever de evitar que isso acontecesse, pois não há como não se indignar com a situação e com o ocorrido.
Se o Poder Público trata as crianças de hoje dessa maneira, como quererão que sejam os homens do amanhã?!
Muito menos seremos uma "Pátria Educadora".
Pêsames a família enlutada.
Cosmo Carvalho
Membro da APL
sexta-feira, 27 de novembro de 2015
DESPEDIDA
Olha, não há mais luz à nossa volta!
A saudade se foi por uma porta;
De repente desfez-se a aliança.
O coração outrora em revolta
O coração outrora em revolta
Era ilusão; agora, não se importa;
Quando desfeita está a confiança.
Alguém partiu mui triste sob escolta;
Um incêndio queimou a nossa horta,
Fazendo de um sonho só lembrança.
Não há mais entre nós reviravolta.
Errei ao caminhar por linha torta
Errei ao caminhar por linha torta
E ao fazer de ti minha esperança.
Eliton Meneses
domingo, 22 de novembro de 2015
SARGENTO PINCEL
Sargento Pincel foi nomeado para comandar o destacamento militar da cidadezinha e, como se diz agora, tocou o terror entre a meninada. Com os adultos ele era um tanto condescendente, não costumava importunar arruaceiros, bêbados inoportunos, nem maridos violentos. O problema dele era com as crianças. Não podia flagrar um grupo delas, ou uma que fosse, se divertindo que apressava o passo enfurecido para estragar-lhes o prazer. Em regra, Pincel chegava abrupta e sorrateiramente, enxotava as crianças e tomava o brinquedo que julgava ilegal, normalmente bolas, bilas e tampas.
– 'Bora todo mundo pra casa!
Numa das celas da delegacia contaram-se para mais de seiscentas bolas. As bilas, tampas e demais apreensões ficavam no gabinete do próprio sargento. A maioria dos pais não se importava ou até aplaudia o rigor do Pincel; quem não concordava não ousava dizer nada. Alguns diziam que os meninos eram muito soltos, precisavam ter regras, como os pais eram frouxos, a polícia precisava controlar. Nessa época não havia direitos de criança, ou ao menos consciência deles.
Sargento Pincel parecia onisciente, onipresente e onipotente. Onde quer que houvesse uma brincadeira de criança, logo chegava ele botando todo mundo pra correr.
– 'Bora todo mundo pra casa!
Nos campinhos de futebol, levava as bolas e desfazia as traves; no jogo de bila, levava as bilas e tapava os buracos; no jogo de tampas, levava as tampas e apagava a marcação. Quando Pincel conseguia por a mão em algum menino, levava-o para casa pela orelha. Houve um que tentou se refugiar debaixo da cama de uma casa próxima e foi arrastado pelo pé...
Na gata-da-turma da praça da Matriz, Pincel tentava, mas não conseguia intimidar a meninada. Logo que ia embora, reiniciavam a brincadeira, até o dia em que o sargento reuniu todos os policiais do destacamento e resolveu sitiar a praça.
Depois de dois anos de atuação do sargento Pincel, a despeito de alguns focos de resistência, a vida da meninada, de modo geral, ficou bastante monótona, até os banhos de rio findaram proibidos. Quando se soube da transferência do sargento para outro destacamento, uma grande euforia tomou conta da cidade, até os pais respiraram aliviados.
Dez anos depois, já mais velho e cansado, Pincel retornou à cidadezinha, mas não foi mais nem a sombra do que fora. A nova geração de meninos aplicava-lhe dribles desconcertantes, gritando: – Me pega, Pincel!; fazia-lhe caretas e até rebolava nele as bolas, bilas e tampas. A figura outrora monstruosa do sargento Pincel converteu-se ao final em algo folclórico.
Quando, caminhando pela rua, o sargento percebeu que arrastava umas latas velhas por uma longa calda de barbante amarrada na alça traseira do seu uniforme, resolveu finalmente ir para a reserva.
quarta-feira, 18 de novembro de 2015
GENTILÂNDIA
Normalmente vivo por cá, espremido nesse canto de praça, como Deus tem permitido. Fui despejado do quarto onde morava quando as coisas pioraram e deixei atrasar o aluguel. A mulher não aguentou essa minha vida. Ganhou o mundo com os meninos. Nunca mais tive notícias deles. Não sinto mais saudade. Nessa vida a gente se acostuma com tudo. Essa minha vida é difícil de seguir. Arrumei um carrinho de reciclagem, um colchão velho, umas caixas de papelão, um cobertor, um prato e uma colher e me estabeleci nesta praça. A polícia às vezes aparece, faz uma vistoria, mas quando encontra alguma coisa digo que é para o consumo próprio e acaba me deixando em paz. A venda é muito pouca, a moçada da universidade não tem grana. Na sexta à noite, a galera entendida se reúne na praça e melhora um pouco o movimento. Afora isso, tenho que complementar o lucro escasso com a reciclagem e um tempo pastorando carros.
A senhora idosa às vezes me traz um prato de comida, uns estudantes me dão um chocolate, um pessoal me traz uma camisa de partido...; vou assim tocando a vida, observando o movimento da praça. De manhã cedo chega a turma da caminhada, no fim de tarde a turma da academia da praça, no sábado os africanos jogam na quadra. Terça e quinta, sempre antes das seis, o pai e o menino de uns sete anos chegam para jogar. Penso em como andarão os meus. Admito que cometi muitos erros nessa vida. Quando quis me corrigir já era tarde. Não sei se tenho o que mereço. O certo é que as penas nunca correspondem às culpas.
Vejo o olhar indiferente dos caminhantes, a cara de nojo de um jovem gordo, o desdém do dono da banca de revista. Quando Amanda aparece à noite, negocio meia hora com ela. Alguém disse que este país não pode dar certo porque, dentre outras coisas, puta se apaixona e traficante se vicia. Amanda, coitada, de tão viciada, mal se sustenta em pé. Também nunca me deu sequer um desconto pelos muitos galanteios que lhe faço. Quanto aos traficantes, ao menos os da praça, de fato, não apuram nem para sustentar o vício.
Ando decrépito, sujo, maltrapilho e com poucos dentes. Os dois únicos amigos que me visitam são doidos varridos. Roberto, doido de nascença, e Nélson, endoidecido pela pedra. Roberto há poucos dias tentou afugentar, com um porrete, um casal lésbico que se beijava na praça, mas acabou no hospital depois de uma pedrada nas costas. Nélson fugiu de um abrigo ainda criança e resolveu morar nos arredores da praça. Diz que ficou perturbado depois de uma surra da polícia. Tem alguns intervalos de lucidez, vive da caridade alheia, dorme no jardim da casa do Roberto e não furta nada de ninguém.
O dono da banca não tem vida. Fica de domingo a domingo no batente. Abre cedo e fecha tarde. Dizem que possui várias casas alugadas. Nunca me deu um cigarro. Não queria a vida do dono da barraca. A turma que dorme na praça consegue ser mais feliz. Não precisamos de muita coisa para viver. O passado não se muda. No futuro talvez reúna forças para uma mudança. O dono da barraca me recrimina porque não sou igual a ele. Roberto diz sempre que há tempo de plantar e há tempo de colher. Nelson costuma dizer que não preciso mudar, porque em time que está ganhando não se mexe.
O dono da banca não tem vida. Fica de domingo a domingo no batente. Abre cedo e fecha tarde. Dizem que possui várias casas alugadas. Nunca me deu um cigarro. Não queria a vida do dono da barraca. A turma que dorme na praça consegue ser mais feliz. Não precisamos de muita coisa para viver. O passado não se muda. No futuro talvez reúna forças para uma mudança. O dono da barraca me recrimina porque não sou igual a ele. Roberto diz sempre que há tempo de plantar e há tempo de colher. Nelson costuma dizer que não preciso mudar, porque em time que está ganhando não se mexe.
domingo, 15 de novembro de 2015
CANTO PRA AVE DO NORTE
Uma ave nasceu entre Sobral e Coreaú.
Entre Coreaú e Sobral nasceu um canto…
Nem cotovia nem rouxinol.
Entre Sobral e Coreaú um conto se fez:
Poesia-canção,
Cantar pra contar que a estrela é diferente e fez o trigo aparecer.
Entre latino-americanos desse norte a melodia é estrela guia
Do Bel canto…
Belchior.
Gilmar Paiva
Sócio-correspondente da APL
MATERIALISMO
"Ao denunciarem a religião e a especulação metafísica, os materialistas desejavam mostrar à humanidade o caminho da ciência e da razão, que conduziria a uma espécie de paraíso terrestre. (...) Nesse aspecto, no entanto, todos eles estavam sujeitos a uma ilusão romântica. Embora seja verdade que uma atitude esclarecida perante a vida e seus problemas representa uma imensa ajuda para descobrir as medidas adequadas com que enfrentar as nossas dificuldades, é óbvio que não são deste mundo as soluções últimas e permanentes da totalidade dos nossos problemas." (História do Pensamento Ocidental. Bertrand Russell. Nova Fronteira. 2013. p. 363)
sábado, 14 de novembro de 2015
GUERRA E PAZ
O sangue dos inocentes escorre num vale que nasce em Mariana, passa por Kobani, Baga e Paris e deságua no Curió.
Nossa solidariedade a todos!
sábado, 7 de novembro de 2015
A POESIA
A poesia é liberdade
Paz, justiça e união
A busca por igualdade
E um mundo em comunhão.
É a criatividade
Uma forma de oração
Que atravessa a finidade
Da terrena condição.
II.
Ó, senhora da beleza
E maestra das paixões
Insistente poesia
Que desarma a calmaria
E atropela os corações.
Ó, deusa da natureza
Vertedouro de emoções
Burilar de fantasia
Muito grata companhia
Presente em quatro estações.
III.
Aurora da inconsciência
Sem-sentido e alusão
À loucura e à transcendência
Do momento e da ilusão
Que persegue a existência
De um filho de Adão.
Mais sublime experiência
Água viva em profusão
O encontro na ausência
Cura da desilusão
A resposta da ciência
Quando falta a conclusão.
IV.
O templo dos pensadores
O refúgio dos amantes
A fuga dos sonhadores
O destino dos errantes
A bússola sem um norte
A vida chutando a morte
O sentindo dos instantes.
A musa dos trovadores
Duas violas cantantes
Três mecenas pagadores
Quatro rimas retumbantes
No balcão bela consorte
Coração batendo forte
Em desejos lancinantes.
V.
Ritual de assunção
Para a pura abstração
Fantasia e ilusão
O retrato mais fiel
Da alma dos desvairados
Dos loucos apaixonados
Teus contornos encantados
Aprisionam o menestrel.
Reduto de inspiração
Terna rima da canção
Protesto e libertação
Voz roufenha do cordel
Dois amigos embalados
Noite e dia enluarados
Ambos tão atribulados
Pondo oitavas no papel.
VI.
É a lente sobre o mundo
Que o homem utiliza
Pela qual visualiza
O acaso e o profundo
Do que não sabe entender
Do mistério que há de ser
Ao fazer de cada ato
Marca sua, autorretrato
No que a vida lhe ceder.
Redenção do moribundo
Que a beleza sintetiza
Em seu veio profetiza
O ocaso e o fecundo
Nos liberta sem querer
Das aparências do ter
Nesse tempo tão ingrato
Desfazendo vezo inato
De um tosco proceder.
VII.
O furor do sentimento
Um buraco na razão
Atropelo de paixão
Que atesta o movimento
De comum alumbramento
Frente ao Desconhecido
Intervalo indefinido
Entre a dor e o prazer
Entre a morte e o viver
Tradução do sem sentido.
Um ardor mui virulento
Que corrói o coração
Há quem julgue ilusão
Do maior contentamento
Um sutil deslumbramento
Num rompante traduzido
Um padecer esquecido
Ao lembrar do bem-querer
Faz a noite alvorecer
Um poeta entristecido.
Benedito Gomes Rodrigues e Eliton Meneses
sábado, 31 de outubro de 2015
CURIOSIDADE DO MÊS
Obs.: A Capitania do Ceará, segundo a pesquisa do prof. Jorge Cintra, seria vertical e seus limites iriam da praia do Mucuripe ao rio da Cruz, que, segundo Aníbal Barreto, é o atual rio Coreaú (cf. Wikipédia).
ALTOS E BAIXOS
EM ALTA
Os 69 (sessenta e nove) anos do grande Antônio Carlos Gomes Belchior Fontenelle Fernandes, maior compositor latino-americano, nascido em Sobral/CE, mas com raízes familiares em Coreaú/CE, minha terra natal. Belchior que, como Tolstoi, cansado de suportar o dia a dia, ganhou o mundo para viver de forma mais plena a sua poesia! Salve, Belchior!
EM BAIXA
A campanha sistemática de criminalização do ex-presidente Lula. Nunca antes na história deste país uma pessoa sofreu uma ofensiva tão pesada. Nunca houve um desejo tão grande de que uma pessoa seja corrupta, mesmo sem ser... A razão imediata desse desespero todos sabem qual é: A possibilidade do 'Cara' voltar à Presidência da República em 2018.
EM ALTA
O Senador Eduardo Suplicy, herdeiro da poderosa família Matarazzo, mas um homem comprometido com as causas sociais; um sujeito com sensibilidade para responde a insultos de uma grei reacionária paulista cantando Blowin' in the Wind, do Bob Dylan: "How many roads must a man walk down//Before you can call him a man?//How many seas must a white dove sail//Before she can sleep in the sand?//Yes and how many times must cannonballs fly//Before they're forever banned?//The answer, my friend, is blowin' in the wind//The answer is blowin' in the wind..."
EM BAIXA
A avaliação do ensino público fundamental e médio pelo próprio Poder Público. Não seria mais confiável uma avaliação realizada por agentes externos? Não seria interessante adotar como critério de avaliação o número de aprovados para o ensino superior, o desempenho dos alunos em concursos artísticos e científicos, o índice de encaminhamento para o emprego...?
sexta-feira, 30 de outubro de 2015
CAPITALISMO
Quanto tempo ainda resta
De sofrer e de lutar
Por um mundo de justiça
E de amor em nosso Lar
– esta Terra que herdamos
E haveremos de deixar?
Há quem diga que não presta
Algo novo em seu lugar
Filhos de raça mestiça
Muito têm a reclamar
Dum passado em que ficamos
Nas galés a soluçar.
Mas as grades que nos prendem
Hoje em dia são discretas
Tão mais fortes que correntes
Prendem as pessoas quietas
Comodismo e egoísmo
Viram vias prediletas.
Veja as flores inda pendem
Em histórias tão secretas
Verdades só aparentes
De cobiças irrequietas
Eis o deus Capitalismo
Com nuances abjetas.
É um deus insaciável
Não importa de onde venha
A comida que o alimenta
E o leite que ordenha
É o suor de quem trabalha
Cujo soldo é a lenha!
Um sistema deplorável
Onde importa o que mais tenha
Ao mujique a ferramenta
Ao senhor o que convenha
Vale menos quem batalha
Nessa lida sem resenha.
A injustiça é a regra
Num sistema deplorável
Que esquece a maioria
Tudo é negociável
O humano se dissipa
É produto descartável.
Mas há pobre que se alegra
Com a ordem implacável
Lhe falta sabedoria
Ou um coração afável
Talvez só lhe reste a tripa
Do banquete imensurável.
E o pior dos oprimidos
É o que escolhe o lado
Do patrão e o defende
Não sabendo o coitado
Que pode a qualquer momento
Ser na rua arremessado.
Humilhados e ofendidos
Trabalhador explorado
Um ou outro que ascende
Deixa de ser revoltado
Mas prossegue o movimento
Que jamais foi derrotado.
(Benedito Gomes Rodrigues e Eliton Meneses)
terça-feira, 27 de outubro de 2015
LULA 70
Na eleição presidencial de 1989, eu tinha 11 anos e, no segundo turno, estava torcendo pela vitória do Lula, até que minha avó me repreendeu severamente, porque ela achava um absurdo um neto torcer para um candidato comunista, pedindo-me depois que eu apanhasse alguns panfletos numa casa-grande, que apoiava o Collor. Naquela eleição não torci mais pelo Lula, mas não tirei da cabeça a palavra comunista. Cinco anos depois, em 1994, votei pela primeira vez, no Lula. Desde então, sempre votei no Lula. Nunca me arrependi de ter votado sempre no melhor presidente que o Brasil já teve. Agora já não pregam mais que o Lula é comunista; agora dizem que ele é corrupto. O problema é que agora já sei quem é o Lula e já estou velho demais para cair nas artimanhas da turma que quer manter as coisas como elas sempre foram. Salve, Lula! Salve os 70 anos do presidente do povo!
domingo, 25 de outubro de 2015
VERÔNICA
Marcus conheceu Verônica pouco antes de anunciarem a apresentação dela no palco. Antes de começar ela pediu ao cliente para observar algo de diferente no seu corpo.
Marcus atentou em cada detalhe no corpo da artista, mas a iluminação precária e a vista embaçada pelos tragos não lhe permitiram notar nada de diferente em Verônica.
Verônica marejou os olhos, apertou as mãos de Marcus e, soluçando, lhe deu um forte abraço.
– Você é um cliente muito incomum. Tome o meu celular. Ligue quando desejar.
Uma semana depois Marcus e Verônica caminhavam na areia da praia da Barra. Ela confidenciou-lhe a decisão de abortar. Era a regra da casa; se engravidar, rua. Não tinha como morar fora da boate. O namorado Júlio lhe dissera que não ia assumir um filho de duzentos pais. O patrão ficara de comprar o remédio no dia seguinte e a vida voltaria ao normal.
– Você não levaria a gravidez adiante, contra tudo e contra todos?
– Aquilo era sentimentalismo de uma personagem bêbada. Na vida real não uso máscara. Sou eu mesma, realista e decidida.
– Então, quem tomou a decisão de não abortar foi a personagem?
– E, então, percebeu?
– O quê?
– Que eu estou grávida!
– Grávida?
– Isso.
– Não!
Verônica pareceu ter uma vertigem e sentou ao lado do cliente. Depois de algum tempo de silêncio, Marcus perguntou-lhe:
– Por que você não sai dessa vida?
– Talvez porque goste. Talvez porque não consiga ser fiel. Talvez porque seja a minha sina. Não sei.
– Infidelidade não é motivo para ser puta.
– Para mim é um bom pretexto.
– Você sabe de quem é o filho?
– Do meu namorado. Um safado que não dá notícias desde que lhe falei da gravidez, mas vou levá-la adiante, contra tudo e contra todos.Verônica marejou os olhos, apertou as mãos de Marcus e, soluçando, lhe deu um forte abraço.
– Você é um cliente muito incomum. Tome o meu celular. Ligue quando desejar.
Uma semana depois Marcus e Verônica caminhavam na areia da praia da Barra. Ela confidenciou-lhe a decisão de abortar. Era a regra da casa; se engravidar, rua. Não tinha como morar fora da boate. O namorado Júlio lhe dissera que não ia assumir um filho de duzentos pais. O patrão ficara de comprar o remédio no dia seguinte e a vida voltaria ao normal.
– Você não levaria a gravidez adiante, contra tudo e contra todos?
– Aquilo era sentimentalismo de uma personagem bêbada. Na vida real não uso máscara. Sou eu mesma, realista e decidida.
– Então, quem tomou a decisão de não abortar foi a personagem?
– Foi.
– A personagem também se chama Verônica?
– A personagem é a Verônica; eu me chamo Maria Clara.
– O aborto vai ser de dia?
– Que diferença faz?
– Se for de noite garanto que a Verônica não irá permiti-lo.
– A Verônica só se manifesta enquanto estou trabalhando. Se for abortar à noite, estarei de folga.
– Você não vai conseguir se livrar tão facilmente da Verônica. Sinto isso no seu olhar.
– Você é um romântico; um religioso, talvez. O que eu tenho na barriga ainda é um girino. Sou dona do meu corpo!
– O que você tem na barriga é uma pessoa em formação, que depende, por enquanto, do seu corpo, mas não se confunde com ele. A Verônica sabe disso.
– A Verônica não sabe nada da vida!
– Acho que ela sabe mais do que a Maria Clara.
– Verônica é uma puta!
– Uma puta com sentimentos.
– Prefiro ser Maria Clara, realista e decidida.
– Verônica e Maria Clara são uma só pessoa. Se a Maria Clara fosse tão realista e decidida não teria dito ao namorado que estava grávida. Teria abortado sem que o dono da boate soubesse; não correria o risco de ser demitida.
– Não sei o que fazer. Estou desesperada. Ou tomo o remédio amanhã ou arrumo as malas. Não tenho para onde ir. Mamãe morreu há dois meses, depois de muitos anos de maus-tratos do meu pai, alcoólatra. Nem pude ir ao enterro, em Sobral.
– Quanto você precisa para largar a boate?
– Muito pouco. Algo para o aluguel de uma quitinete e um pouco mais para o sustento. Mas de onde vou tirar essa grana?
– Primeiro me responda: Com essa grana garantida, você arrumaria as malas?
– Arrumaria.
– Quem está falando é a Maria Clara ou a Verônica?
– Ambas carregam uma criança na barriga.
Terminada a relação, Maria Clara não aceitou o pagamento do encontro, mas dobrou, com cuidado, e pôs na bolsa o cheque de quinze mil reais para as despesas que teria em um ano fora da boate.
sábado, 24 de outubro de 2015
DOSTOIÉVSKI. OS DEMÔNIOS
"– Não, não na futura vida eterna, mas na vida eterna aqui. Há momentos, você chega a esses momentos, em que de repente o tempo para e acontece a eternidade."
"Uma vez Stiepan Trofímovitch me assegurou que os mais elevados talentos artísticos podem ser os mais terríveis canalhas e que uma coisa não impede a outra."
"De modo geral, em toda desgraça do próximo há sempre algo que alegra o olho estranho – não importa de quem seja."
"– Quais são as suas preocupações; não me diga que são essas bobagens?"
"... o que é que entendes de Deus? Ora, foi um estudante que te industriou, mas se tivesse te ensinado a acender lamparinas diante de ícones tu as acenderia."
"– É impossível, Piotr Stiepánovitch. O socialismo é uma ideia grandiosa demais para que Stiepan Trofímovitch não tenha consciência disso – interveio com energia Yúlia Mikháilovna.
– A ideia é grandiosa, mas os que propagam nem sempre são gigantes, et brisons-là, mon cher – concluiu Stiepan Trofímovitch, dirigindo-se ao filho e levantando-se com elegância."
"Esperemos que nos perdoem a nós também. Sim, porque todos e cada um são culpados perante os outros. Todos somos culpados!..."
"O desmedido e o infinito são tão necessários ao homem como o pequeno planeta que ele habita..."
"Seu irmão me dizia que aquele que perde o vínculo com sua terra perde também seus deuses..."
(Fiódor Dostoiévski. in Os Demônios)
quarta-feira, 21 de outubro de 2015
QUERIAM-ME
Queriam-me um verme, pueril, apático;
Queriam-me qualquer coisa, solitário, anêmico;
Queriam-me um rato, fugidio, miúdo;
Queriam-me ridículo, previsível, um fardo;
Queriam-me conforme, meia-boca, escravo;
Queriam-me sofrido, servidor, dramático;
Queriam-me não mais que um bonus pater;
Queriam-me macambúzio, burocrata, atávico;
Queriam-me hipocondríaco, vendedor, um trauma;
Queriam-me tanta coisa, mas eu não concordei com nada.
Eliton Meneses
sexta-feira, 16 de outubro de 2015
PT x PSDB
O PSDB e o PT possuem projetos inconciliáveis. O primeiro é liberal; o segundo é social-democrata. Aliás, se houvesse rigor terminológico, o PT deveria denominar-se PSDB e o PSDB, PL (Partido Liberal). No atual cenário (federal, pelo menos), PSDB e PT não se unem porque estariam traindo seus princípios ideológicos fundamentais. Se houvesse essa união, algo muito estranho estaria ocorrendo, decerto a um preço que não seria interessante pagar... Noutro passo, o PMDB não possui princípio ideológico algum; não é nem direita, nem esquerda, nem centro... É o aliado de quem está no poder! Se Hitler, Stalin ou Kim Jong-un fossem guindados a presidente do Brasil, no atual contexto político, seria inevitavelmente sob o beneplácito do PMDB, partido que, por incrível que pareça, com todo esse seu viés tosco, consegue eleger reiteradamente a maioria tanto da Câmara, quanto do Senado. Ou seja, melhor do que torcer pela improvável aliança entre PSDB e PT, deveríamos torcer pela evolução do nosso eleitor, que confere legitimidade a um partido espúrio para barganhar, com quem quer que seja, seus próprios interesses, beneficiando-se de situações, como a que vivemos, em que todos são seus reféns, situação, oposição e o próprio povo brasileiro...
Quando digo que o PMDB não tem ideologia, quero dizer que não possui ideologia política definida. Sua ideologia oscila conforme a ocasião e a conveniência, o que equivale a não ter ideologia alguma. Isso, inclusive, é um reflexo da falta de projeto de país do partido.
Lula e FHC não são, respectivamente, o PT e o PSDB. Não dá pra comparar os partidos apenas comparando os ex-presidentes, porque o legado de cada um não diz totalmente com a questão partidária. FHC, por exemplo, embora eleito por um partido liberal, adotou muitas políticas sociais, por influência de sua própria formação, por influência da sua mulher (Dona Ruth Cardoso), por influência da tradição social do Estado brasileiro... FHC, v.g., adotou uma política de aproximação com os países latino-americanos, inclusive com Cuba (sic), o que é algo absurdo para os (neo)liberais... Há de se considerar, porém, que, além das idiossincrasias do FHC, que contam muito, deve-se contar também que o PSDB nasceu com uma pretensão, ao menos formalmente, social-democrata, que ainda tinha resquícios na era FHC, mas que é algo que se foi perdendo ao longo do tempo e hoje praticamente desapareceu no PSDB, assumindo o partido cada vez mais o viés neoliberal (Aécio Neves é um retrato fiel desse perfil ideológico, e é o presidente do partido...).
A questão ideológica macroestrutural, no modelo vertical de federação que adotamos, torna difícil comparar a política de um governo federal (Dilma) com a de um governo estadual (Alckmin). Os nossos estados-membros não têm como fazer vingar um modelo (neo)liberal sem o beneplácito do centro (Governo Federal). Desse modo, mesmo o mais liberal dos governadores não tem como fugir das amarras sociais que a legislação federal impõe. Por conta disso, o governo Alckmin (estadual) em vários aspectos se assemelha ao governo Dilma (federal), porque é o modelo federal que, entre nós, acaba sempre predominando. Mas só daria pra comparar um governo Dilma com um governo Alckmin, se este um dia fosse presidente da República.
quinta-feira, 8 de outubro de 2015
JÚLIO
O desprezo que Júlio nutria por seu país estava intimamente associado ao seu fascínio pelos Estados Unidos da América. Também admirava a Europa, pelas conquistas, pela revolução industrial, pelas monarquias ainda importantes..., mas o velho continente para ele vinha logo após os Estados Unidos. Em suas duas viagens internacionais tinha ido a Miami e New York, com os minguados recursos do ordenado municipal. Júlio não se afeiçoava à América Latina, para ele um bando de republiqueta indócil com regime populista. No Brasil, admirava a pujança econômica de São Paulo e a influência europeia do Sul, considerando todo o resto um atraso civilizatório.
Na religião, Júlio era devoto de meia dúzia de santos e acreditava num deus com aparência de rei medieval, quase sempre sentado num trono suntuoso, com uma pesada coroa de ouro e um enorme cetro ricamente ornamentado. Esse deus dava ordens, punia severamente os pecados e resolvia, por meio da Igreja, os problemas materiais do seu rebanho.
Júlio se achava um fosso de cultura; fizera precariamente o curso básico de inglês e posava com ares de poliglota. No português jamais acertava a crase e seus textos eram eivados de barbarismos e solecismos. Escutava música clássica e sucessos franceses e italianos, sem compreender nada. Era formado em Sociologia e ensinava em duas escolas de ensino médio. Durante a faculdade Júlio contestou fervorosamente o que considerava doutrinação marxista e recrudesceu sua ojeriza pelos esquerdistas, para ele uns parasitas alienados. No trabalho de conclusão de curso defendeu Israel, com unhas e dentes, em meio à morte de muitos palestinos.
Júlio acreditava piamente na meritocracia e no liberalismo econômico. Todos seriam iguais e poderiam, com esforço e perseverança, conquistar quaisquer objetivos na vida. O Estado não deveria se meter na economia nem fazer caridade com o dinheiro alheio; deveria basicamente cuidar da saúde e da educação e combater o crime. Os programas sociais eram assistencialismo eleitoreiro e as cotas no ensino superior uma violação à isonomia. Júlio também não era afeito aos movimentos sociais. Alguns deles não passariam de grupos criminosos. A única greve legítima era a dos professores. Professor Júlio considerava Che Guevara um facínora; Marx, um vagabundo incendiário; Evo Morales, um maconheiro... Seus ídolos eram Adam Smith e Ludwig von Mises e suas citações prediletas eram de ex-presidentes norte-americanos, de Margaret Thatcher e da imprensa conservadora nacional.
Júlio detestava o governo federal, conquanto, em seu pobre município, silenciasse quanto ao prefeito alinhado com aquele. Toda corrupção que carcomia a pátria estava no partido do governo federal. No Município, no Estado, na oposição ao governo federal, não havia corrupção ou era ela de somenos relevância... Urgia arrancar o mal pela raiz, restabelecer a ordem, banir os privilégios de pobres acomodados.
Não apoiava a intervenção militar, porque a achava contrária à doutrina do Estado mínimo, mas protestava nas ruas de mãos dadas com aqueles que a apoiavam. Júlio, mais que um neoliberal, era um reacionário; contrário à doutrina social da Igreja Católica, considerada comunista; ao casamento homoafetivo; aos direitos humanos, tidos como direito de bandido...
Júlio, professor satisfeito de uma decadente cidade sertaneja, é mais um militante da direita, que prega, na escola e na internet, que o sonho de mudar o mundo acabou e que as coisas devem permanecer como sempre foram...
Júlio acreditava piamente na meritocracia e no liberalismo econômico. Todos seriam iguais e poderiam, com esforço e perseverança, conquistar quaisquer objetivos na vida. O Estado não deveria se meter na economia nem fazer caridade com o dinheiro alheio; deveria basicamente cuidar da saúde e da educação e combater o crime. Os programas sociais eram assistencialismo eleitoreiro e as cotas no ensino superior uma violação à isonomia. Júlio também não era afeito aos movimentos sociais. Alguns deles não passariam de grupos criminosos. A única greve legítima era a dos professores. Professor Júlio considerava Che Guevara um facínora; Marx, um vagabundo incendiário; Evo Morales, um maconheiro... Seus ídolos eram Adam Smith e Ludwig von Mises e suas citações prediletas eram de ex-presidentes norte-americanos, de Margaret Thatcher e da imprensa conservadora nacional.
Júlio detestava o governo federal, conquanto, em seu pobre município, silenciasse quanto ao prefeito alinhado com aquele. Toda corrupção que carcomia a pátria estava no partido do governo federal. No Município, no Estado, na oposição ao governo federal, não havia corrupção ou era ela de somenos relevância... Urgia arrancar o mal pela raiz, restabelecer a ordem, banir os privilégios de pobres acomodados.
Não apoiava a intervenção militar, porque a achava contrária à doutrina do Estado mínimo, mas protestava nas ruas de mãos dadas com aqueles que a apoiavam. Júlio, mais que um neoliberal, era um reacionário; contrário à doutrina social da Igreja Católica, considerada comunista; ao casamento homoafetivo; aos direitos humanos, tidos como direito de bandido...
Júlio, professor satisfeito de uma decadente cidade sertaneja, é mais um militante da direita, que prega, na escola e na internet, que o sonho de mudar o mundo acabou e que as coisas devem permanecer como sempre foram...
domingo, 4 de outubro de 2015
HAICAIS
i.
O leite materno –
Seiva verde de Mãe-Gaia –
Não é dom eterno.
ii.
Erga-se, algum,
Neste marasmo sem jeito,
Com canto incomum.
iii.
Perfil de estudante,
Mas, por pele e nascença,
Julgam: meliante!
iv.
Eterna alegria:
Sorrir como uma criança
Um instante por dia!
v.
Mundo divertido!
Que discursa honestidade...
E esquece, escondido.
vi.
O medo entretém
E enche os bolsos do que
Não ama a ninguém!
vii.
Que gente apressada!
Nem vê o irmão mendigo
Morto na calçada.
viii.
De fato, não sei
Se há mesmo liberdade
Na terra-sem-rei.
ix.
A dor lhe afligia.
Afogou-se em mágoa tola,
Morreu - covardia.
x.
Nasce o batalhão
De pessoas "informadas":
Gritam palavrão!
Benedito Gomes Robrigues
quarta-feira, 30 de setembro de 2015
REFLEXÃO DO MÊS
"Não somos seus inimigos, de maneira nenhuma, e dizemos: sigam em frente, implantem o progresso, podem até abalar, isto é, abalar todo o velho que precisa ser refeito; mas quando for preciso, conteremos também os senhores nos limites necessários e assim os salvaremos de si próprios, porque sem nós os senhores apenas deixariam a Rússia fortemente abalada, privando-a da decência, e nossa tarefa é nos preocuparmos com a decência. Compenetrem-se de que somos indispensáveis uns aos outros. Na Inglaterra há os whigs e os tories, que também são indispensáveis uns aos outros. Então: nós somos os tories e os senhores, os whigs..." (Dostoiévski. in Os Demônios)
terça-feira, 29 de setembro de 2015
ALTOS E BAIXOS
EM ALTA
A Festa de Setembro 2015 em Coreaú, que, depois de anos seguidos de decadência e marasmo, finalmente transcorreu como nos velhos tempos, tanto no aspecto religioso, quanto no social.
EM BAIXO
A revoada da oligarquia Ferreira Gomes, com seu séquito fiel, para mais uma sigla partidária. A vítima da vez foi o PDT, do admirável caudilho Brizola, que deve estar inconsolável no túmulo... O PSTU que se cuide...
EM ALTA
A Região Metropolitana de Fortaleza, que, na estimativa 2015 do IBGE, aparece como a mais populosa região metropolitana do Norte/Nordeste do Brasil, com 3.985.297 habitantes, ultrapassando as RMs de Salvador e Recife.
EM BAIXA
A decadência do futebol cearense. O Ceará, com estrutura e orçamento de Série A, prestes a ser rebaixado para a Série C; o Fortaleza, no sexto ano consecutivo de Série C, coberto de traumas, roendo as unhas com medo de mais um vexame, agora diante de um famigerado Brasil... de Pelotas; o Icasa rebaixado, numa campanha bisonha, para a Série D; o Guarani de Juazeiro do Norte, na Série D, eliminado na primeira fase... O último que cair apague a luz...
segunda-feira, 28 de setembro de 2015
HAICAIS
i.
Saia do inferno
De olhar a vida alheia
Sem amor fraterno.
ii.
Todos somos um.
No final desta história,
Sobrará nenhum.
iii.
Grilo saltitante
Foi na relva assassinado
Pelo caminhante.
iv.
v.
Moço pervertido
Diz que é Deus e que agora
Tudo é permitido!
vi.
Vem descendo o trem
A encosta da montanha,
Cheio de desdém.
vii.
Gente indignada:
Mais um pobre torturado,
Sem ter feito nada.
viii.
Onde foi que errei?
Se pergunta o sábio mestre
Diante da grei.
ix.
Quando raia o dia?
Esta noite sufocante
Me dá agonia.
x.
Ouço uma canção:
Tanto sangue derramado
No meu coração.
Eliton Meneses
Saia do inferno
De olhar a vida alheia
Sem amor fraterno.
ii.
Todos somos um.
No final desta história,
Sobrará nenhum.
iii.
Grilo saltitante
Foi na relva assassinado
Pelo caminhante.
iv.
Salve a utopia!
Inda que a alma humana
Sofra de miopia.
Inda que a alma humana
Sofra de miopia.
v.
Moço pervertido
Diz que é Deus e que agora
Tudo é permitido!
vi.
Vem descendo o trem
A encosta da montanha,
Cheio de desdém.
vii.
Gente indignada:
Mais um pobre torturado,
Sem ter feito nada.
viii.
Onde foi que errei?
Se pergunta o sábio mestre
Diante da grei.
ix.
Quando raia o dia?
Esta noite sufocante
Me dá agonia.
x.
Tanto sangue derramado
No meu coração.
Eliton Meneses
domingo, 27 de setembro de 2015
sábado, 26 de setembro de 2015
OS MACACOS DE KIPLING
"Os macacos haviam ocupado uma cidade, abandonada, libertando-se da inferioridade da floresta. 'Entretanto, não sabiam para que haviam sido destinados aqueles edifícios, nem como se servirem deles. Sentavam-se, às vezes, todos, em círculo, no vestíbulo que dava para a Câmara do Conselho Real; coçavam-se e catavam pulgas do pelo – e tinham a pretensão de ser homens... Como os macacos de Kipling, imitamos: eles – os homens; nós: os super-homens. Isto é, os que julgamos superiores a nós, os criadores, os requintados, os progressistas, os que estão, lá do outro lado do mundo, fazendo civilização. Cada vez que um desses fazedores de civilização se mexe para fazer uma revolução ou para fazer a barba, nós, cá do outro lado, ficamos mais assanhados do que a macacaria dos junglais. De uns copiamos a forma de governo e os modos de vestir, os princípios da política e os padrões das casimiras – os figurinos, os alfaiates e as instituições. De outros copiamos outras cousas: as filosofias, mais em voga, as modas literárias, as escolas de arte, os requintes e mesmo as suas taras de civilizados. De nós é que não copiamos nada. E temos assim com a bicharia do apólogo kiplinguiano esses pontos comuns: a inconsciência, a volubilidade e... o ridículo'." (Apud Raymundo Faoro. Os Donos do Poder. Vol. 2. 7.ª edição. Ed. Globo. p. 672)
domingo, 20 de setembro de 2015
DECISÃO HISTÓRICA
O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu nesta quinta-feira (17), por 8 votos a 3, declarar inconstitucionais normas que permitem a empresas doar para campanhas eleitorais.
Com isso, perdem validade regras da atual legislação que permitem essas contribuições empresariais em eleições.
A decisão do STF não proíbe que pessoas físicas doem às campanhas. Pela lei, cada indivíduo pode contribuir com até 10% de seu rendimento no anterior ao pleito.
Com isso, perdem validade regras da atual legislação que permitem essas contribuições empresariais em eleições.
A decisão do STF não proíbe que pessoas físicas doem às campanhas. Pela lei, cada indivíduo pode contribuir com até 10% de seu rendimento no anterior ao pleito.
N.B.: Aquele sujeito, arauto da moralidade, que ontem vociferava contra a corrupção específica de um partido, mas que hoje deplora a decisão do STF que proibiu doações de empresas para campanhas eleitorais, sem sequer perscrutar os fundamentos da decisão histórica, revela mais uma vez que a sua revolta nada tem a ver com o problema geral corrupção...
segunda-feira, 14 de setembro de 2015
segunda-feira, 31 de agosto de 2015
DIREITA x ESQUERDA
"Na história humana concreta, não numa abstrata filosofia da história, as lutas pela superioridade alternam-se com as lutas pela igualdade."
"O impulso em direção a uma igualdade cada vez maior entre os homens é, como Tocqueville havia observado no século passado, irresistível. Cada superação desta ou daquela discriminação, com base na qual os homens dividiram-se em superiores e inferiores, em dominadores e dominados, em ricos e pobres, em senhores e escravos, representa uma etapa, por certo não necessária, mas possível, do processo de civilização. Jamais como em nossa época foram postas em discussão as três fontes principais de desigualdade: a classe, a raça e o sexo. A gradual equiparação das mulheres aos homens, primeiro na pequena sociedade familiar, depois na maior sociedade civil e política, é um dos sinais mais seguros do irrefreável caminho do gênero humano rumo à igualdade." (Norberto Bobbio. Direita e Esquerda)
domingo, 30 de agosto de 2015
ALTOS E BAIXOS
EM ALTA
A Transposição do Rio São Francisco, que começa a sair do papel, para irrigar as esperanças de 12 milhões de nordestinos vulneráveis ao flagelo histórico da seca; uma ideia nascida no longínquo ano de 1847, ainda no Brasil Império de Dom Pedro II, tida, já à época, por alguns, como a única solução para a seca do Nordeste. Que um novo tempo floresça no sertão nordestino! "Livre assim nóis da ismola, que no fim dessa estiage Lhe pagamo inté os juru sem gastar nossa corage." (Vozes da Seca, Luiz Gonzaga & Zé Dantas)
EM BAIXA
A ideia do Governo Federal de ressuscitar a CPMF, para fazer frente à queda da arrecadação, sem antes ao menos tentar aprovar o Imposto sobre Grandes Fortunas, previsto na Constituição Federal desde 1988.
A ideia do Governo Federal de ressuscitar a CPMF, para fazer frente à queda da arrecadação, sem antes ao menos tentar aprovar o Imposto sobre Grandes Fortunas, previsto na Constituição Federal desde 1988.
EM ALTA
A passagem de Pepe Mujica pela libertária Universidade Estadual do Rio de Janeiro, prova de que a esquerda latino-americana continua a sonhar e a lutar por um mundo melhor. Afinal, "sem solidariedade não há civilização."
EM BAIXA
EM BAIXA
O silêncio da militância da direita diante da corrupção dos seus amigos, depois de tanto vociferar contra a corrupção dos seus inimigos.
quinta-feira, 27 de agosto de 2015
NECESSIDADE JURÍDICA NO PROCESSO PENAL
Quando o acusado, no processo penal, tendo condições financeiras, não constitui advogado, quem deve defendê-lo? Um advogado dativo ou um defensor público?
Como a defesa técnica, no processo penal, é indispensável, trata-se de um típico caso de necessidade jurídica que atrai a atuação do defensor público, com fundamento, dentre outros, no art. 8.º, 2, e, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica), que estabelece, dentre as garantias judiciais, o "direito irrenunciável de ser assistido por um defensor proporcionado pelo Estado, remunerado ou não, segundo a legislação interna, se o acusado não se defender ele próprio, nem nomear defensor dentro do prazo estabelecido pela lei".
Nesse sentido, Rubens Casara e Antonio Pedro Melchior entendem que, "se o réu não constituir advogado, mesmo tendo recursos para tanto, a atuação do defensor público é obrigatória, já que a defesa técnica é indisponível no processo penal. Percebe-se, com facilidade, que no processo penal a atuação do defensor público não está vinculada à condição financeira do assistido." (Teoria do Processo Penal Brasileiro, Vol. 1, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013, p, 497).
Endossando a hipótese de necessidade jurídica para atuação do defensor pública, o art. 6.º, § 1.º, da Resolução n.º 85/2014 do Conselho Superior da Defensoria Pública da União dispõe que: "A atuação na persecução penal independerá da necessidade econômica do beneficiário quando, na condição de réu, intimado para constituir advogado, não o fizer, e sobrevir nomeação judicial da Defensoria Pública da União".
Tal entendimento também foi acolhido pelo Projeto de Novo Código de Processo Penal, já aprovado pelo Senado Federal, nos seguintes termos: "Com o fim de assegurar o contraditório e a ampla defesa no âmbito do processo penal, caberá à Defensoria Pública o patrocínio da defesa do acusado que, por qualquer motivo, não tenha constituído advogado, independentemente de sua situação econômica, ressalvado o direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si defender-se, caso tenha habilitação." (art. 59, § 1.º, PLS 156/2009).
O art. 263, caput, do atual Código de Processo Penal dispõe que: "Se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvado o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação". O defensor a que se refere o atual CPP, que é de 1941, numa interpretação histórico-evolutiva, não poderia atualmente ser outro que não o defensor público, ressalvadas as comarcas onde não haja Defensoria Pública instalada.
O art. 263, caput, do atual Código de Processo Penal dispõe que: "Se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvado o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação". O defensor a que se refere o atual CPP, que é de 1941, numa interpretação histórico-evolutiva, não poderia atualmente ser outro que não o defensor público, ressalvadas as comarcas onde não haja Defensoria Pública instalada.
segunda-feira, 24 de agosto de 2015
O OITO E A NOITE
A letra N é o símbolo matemático do infinito e o 8 (oito) deitado (Lemniscata) também simboliza o infinito. No latim e em outras línguas dele derivadas ou por ele influenciadas, a palavra Noite significa a união do infinito – pois, para os antigos romanos, a noite começava mas não terminava; quando se acordava já era dia – e é, curiosamente, em todas elas, formada pelo N, acrescido da palavra oito na respectiva língua:
Latim: --------- Nocte = N + octo
Português: ---- Noite = N + oito
Inglês: --------- Night = N + eight
Alemão: ------- Nacht = N + acht
Francês: ------- Nuit = N + huit
Italiano: ------- Notte = N + otto
Espanhol: ----- Noche = N + ocho
sexta-feira, 21 de agosto de 2015
VIDA DE REPÚBLICA V
Quando cheguei de surpresa no fim de tarde de domingo de Páscoa, a Residência estava revirada. Gente espalhada pelo chão, dormindo ou em coma, bebida, cigarro, resto de comida, o som ainda ligado, uma placa de bar num compartimento da casa, um cenário decadente e desolador. A nova direção da entidade estudantil da Universidade havia promovido mais um encontro. Dois novatos nossos, acolhidos ingenuamente depois de sucessivas expulsões de outras REUs, compunham a chapa única que assumiu o diretório e deram de usar a 1665 como ponto de encontro.
Cabeça, que até então causara poucos problemas, aliou-se aos novatos e, de uma vida apenas boêmia, passou à farra sem controle, fechando o trio infernal. Dizia que não usava droga há oito anos, quando ainda estava na Casa do Estudante, mas, logo que chegaram os novatos, resolveu tirar todo o atraso.
Numa das primeiras noites de festa, às três da manhã, sem conseguir dormir pela algazarra e pelo barulho alto do som, tomei coragem e fui reclamar. Doze rapazes e três moças numa roda grande compartilhavam um comprido cigarro de maconha. Cabeça, ao me avistar, abriu um riso enigmático, anunciou-me ao grupo com entusiasmo e, entre elogios, me ofereceu o cigarro.
Tomei o cigarro, senti seu cheio forte, sob o olhar curioso da roda, fingi colocá-lo na boca e, de repente, larguei-o no chão e o amassei com o pé, com força, para o espanto e desalento dos observadores. Dei as costas, ninguém disse uma única palavra, deitei novamente e meia hora depois desapareceram os últimos vestígios da turma.
No dia seguinte tudo recomeçava como se nada tivesse acontecido. Não adiantava protestar, pedir moderação, ameaçar levar o caso para a Pró-reitoria, todo dia tinha encontro e após os debates sobre os problemas do mundo a farra começava.
Durante alguns meses tivemos que suportá-los. Não tínhamos maioria. Era Caçador, Sanção e eu contra Cabeça, Pedro Henrique e Bittencourt. Com Sanção ensinando história em Cascavel e raramente dando o ar da graça, o resultado das reuniões acabava quase sempre em três a dois a favor deles. Como nenhuma outra residência quis aceitar a transferência dos nossos meninos, a Pró-reitoria nos deixou à própria sorte.
No final do ano, o quadro começou a mudar. Cabeça encerrou o período de tolerância e foi excluído formalmente do programa pela Pró-reitoria. Passamos a ser maioria e, apesar dos dissabores, resolvemos aprovar a permanência informal do Cabeça, sob a condição de ele largar as farras na casa. Durante pouco mais de uma semana o acordo foi regularmente cumprido; depois, tudo voltou ao anormal.
No começo do ano recebemos Irmão Chico, protestante que aparentava austeridade na fé cristã, mas já acumulava três expulsões de residências diferentes. Nada obstante, com a chegada dele alimentamos a esperança de virar definitivamente o jogo contra a turma da farra.
T.A. era um hóspede que aparecia volta e meia de um interior distante fazendo amizade com gerações sucessivas da casa para filar um ou dois dias acomodado na capital enquanto pegava um dinheiro com o chefe do partido e fazia uma visita sorrateira a uma mulher casada no Zé Walter. Certa manhã, enquanto T.A. tomava café sem tirar os olhos de uma loira bonita de saia que dormia no chão da sala com as pernas entreabertas, Irmão perguntou-lhe o significado da sigla T.A.
– É tabaco arreganhado, Irmão! É tabaco arreganhado!
Ninguém acreditava no puritanismo do Irmão depois de sua vida eivada de perversão. De qualquer sorte, não se lhe pode negar a importância no processo de reorganização da casa. O primeiro passo foi estabelecer a proibição de bebida alcoólica e cigarro (de qualquer gênero) no interior da casa. Como a medida foi reiteradamente descumprida, aprovamos, em meio a acalorados debates que por pouco não culminaram nas vias de fato, a expulsão da famigerada dupla Pedro Henrique e Bittencourt. Como ambos protestaram contra o tratamento desigual dado a Cabeça, fixamos para os três o prazo de trinta dias para se retirarem da casa. Durante esse prazo, ainda testemunhamos resignadamente ao menos umas vinte festas dionisíacas, afixando no flanelógrafo a cada cinco dias o tempo remanescente do trio.
No dia designado para a saída, permanecemos todo o tempo na sala de estudo, reunidos, à esperada da iniciativa deles, que não eram vistos desde o dia anterior. Quando já escurecia e as esperanças esmaeciam, apareceram os três, serenos e indiferentes, numa camionete de mudança que, em alguns minutos, partiu sem nenhuma despedida.
No dia seguinte tudo recomeçava como se nada tivesse acontecido. Não adiantava protestar, pedir moderação, ameaçar levar o caso para a Pró-reitoria, todo dia tinha encontro e após os debates sobre os problemas do mundo a farra começava.
Durante alguns meses tivemos que suportá-los. Não tínhamos maioria. Era Caçador, Sanção e eu contra Cabeça, Pedro Henrique e Bittencourt. Com Sanção ensinando história em Cascavel e raramente dando o ar da graça, o resultado das reuniões acabava quase sempre em três a dois a favor deles. Como nenhuma outra residência quis aceitar a transferência dos nossos meninos, a Pró-reitoria nos deixou à própria sorte.
No final do ano, o quadro começou a mudar. Cabeça encerrou o período de tolerância e foi excluído formalmente do programa pela Pró-reitoria. Passamos a ser maioria e, apesar dos dissabores, resolvemos aprovar a permanência informal do Cabeça, sob a condição de ele largar as farras na casa. Durante pouco mais de uma semana o acordo foi regularmente cumprido; depois, tudo voltou ao anormal.
No começo do ano recebemos Irmão Chico, protestante que aparentava austeridade na fé cristã, mas já acumulava três expulsões de residências diferentes. Nada obstante, com a chegada dele alimentamos a esperança de virar definitivamente o jogo contra a turma da farra.
T.A. era um hóspede que aparecia volta e meia de um interior distante fazendo amizade com gerações sucessivas da casa para filar um ou dois dias acomodado na capital enquanto pegava um dinheiro com o chefe do partido e fazia uma visita sorrateira a uma mulher casada no Zé Walter. Certa manhã, enquanto T.A. tomava café sem tirar os olhos de uma loira bonita de saia que dormia no chão da sala com as pernas entreabertas, Irmão perguntou-lhe o significado da sigla T.A.
– É tabaco arreganhado, Irmão! É tabaco arreganhado!
Ninguém acreditava no puritanismo do Irmão depois de sua vida eivada de perversão. De qualquer sorte, não se lhe pode negar a importância no processo de reorganização da casa. O primeiro passo foi estabelecer a proibição de bebida alcoólica e cigarro (de qualquer gênero) no interior da casa. Como a medida foi reiteradamente descumprida, aprovamos, em meio a acalorados debates que por pouco não culminaram nas vias de fato, a expulsão da famigerada dupla Pedro Henrique e Bittencourt. Como ambos protestaram contra o tratamento desigual dado a Cabeça, fixamos para os três o prazo de trinta dias para se retirarem da casa. Durante esse prazo, ainda testemunhamos resignadamente ao menos umas vinte festas dionisíacas, afixando no flanelógrafo a cada cinco dias o tempo remanescente do trio.
No dia designado para a saída, permanecemos todo o tempo na sala de estudo, reunidos, à esperada da iniciativa deles, que não eram vistos desde o dia anterior. Quando já escurecia e as esperanças esmaeciam, apareceram os três, serenos e indiferentes, numa camionete de mudança que, em alguns minutos, partiu sem nenhuma despedida.
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