domingo, 25 de outubro de 2015

VERÔNICA


Marcus conheceu Verônica pouco antes de anunciarem a apresentação dela no palco. Antes de começar ela pediu ao cliente para observar algo de diferente no seu corpo. 
Marcus atentou em cada detalhe no corpo da artista, mas a iluminação precária e a vista embaçada pelos tragos não lhe permitiram notar nada de diferente em Verônica.
 E, então, percebeu?
 O quê?
 Que eu estou grávida!
 Grávida?
 Isso.
 Não!
Verônica pareceu ter uma vertigem e sentou ao lado do cliente. Depois de algum tempo de silêncio, Marcus perguntou-lhe:
 Por que você não sai dessa vida?
 Talvez porque goste. Talvez porque não consiga ser fiel. Talvez porque seja a minha sina. Não sei.
 Infidelidade não é motivo para ser puta.
 Para mim é um bom pretexto.
 Você sabe de quem é o filho?  
 Do meu namorado. Um safado que não dá notícias desde que lhe falei da gravidez, mas vou levá-la adiante, contra tudo e contra todos.
Verônica marejou os olhos, apertou as mãos de Marcus e, soluçando, lhe deu um forte abraço. 
 Você é um cliente muito incomum. Tome o meu celular. Ligue quando desejar.
Uma semana depois Marcus e Verônica caminhavam na areia da praia da Barra. Ela confidenciou-lhe a decisão de abortar. Era a regra da casa; se engravidar, rua. Não tinha como morar fora da boate. O namorado Júlio lhe dissera que não ia assumir um filho de duzentos pais. O patrão ficara de comprar o remédio no dia seguinte e a vida voltaria ao normal. 
 Você não levaria a gravidez adiante, contra tudo e contra todos?   
 Aquilo era sentimentalismo de uma personagem bêbada. Na vida real não uso máscara. Sou eu mesma, realista e decidida.  
 Então, quem tomou a decisão de não abortar foi a personagem? 
 Foi. 
 A personagem também se chama Verônica?
 A personagem é a Verônica; eu me chamo Maria Clara. 
 O aborto vai ser de dia? 
 Que diferença faz?
 Se for de noite garanto que a Verônica não irá permiti-lo.
 A Verônica só se manifesta enquanto estou trabalhando. Se for abortar à noite, estarei de folga. 
 Você não vai conseguir se livrar tão facilmente da Verônica. Sinto isso no seu olhar. 
 Você é um romântico; um religioso, talvez. O que eu tenho na barriga ainda é um girino. Sou dona do meu corpo! 
 O que você tem na barriga é uma pessoa em formação, que depende, por enquanto, do seu corpo, mas não se confunde com ele. A Verônica sabe disso. 
 A Verônica não sabe nada da vida! 
 Acho que ela sabe mais do que a Maria Clara.
 Verônica é uma puta! 
 Uma puta com sentimentos. 
 Prefiro ser Maria Clara, realista e decidida. 
 Verônica e Maria Clara são uma só pessoa. Se a Maria Clara fosse tão realista e decidida não teria dito ao namorado que estava grávida. Teria abortado sem que o dono da boate soubesse; não correria o risco de ser demitida. 
 Não sei o que fazer. Estou desesperada. Ou tomo o remédio amanhã ou arrumo as malas. Não tenho para onde ir. Mamãe morreu há dois meses, depois de muitos anos de maus-tratos do meu pai, alcoólatra. Nem pude ir ao enterro, em Sobral.  
 Quanto você precisa para largar a boate? 
 Muito pouco. Algo para o aluguel de uma quitinete e um pouco mais para o sustento. Mas de onde vou tirar essa grana?
 Primeiro me responda: Com essa grana garantida, você arrumaria as malas? 
 Arrumaria.
 Quem está falando é a Maria Clara ou a Verônica?
 Ambas carregam uma criança na barriga. 
Terminada a relação, Maria Clara não aceitou o pagamento do encontro, mas dobrou, com cuidado, e pôs na bolsa o cheque de quinze mil reais para as despesas que teria em um ano fora da boate. 

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