terça-feira, 29 de dezembro de 2015

MISSA DO GALO


Estava chegando a hora da Missa do Galo. O sino da igreja tinha tocado a segunda chamada. À meia-noite começaria a tão aguardada cerimônia. Pitica havia dito, com ar sisudo, que durante a missa iriam procurar o sangue de Cristo na Bíblia; se não o encontrassem, o mundo se acabaria. Etim ficou bastante apreensivo com o possível malogro da empreitada. 
A meninada só pensava no presente de Natal, que afinal quase ninguém recebia, tamanha a pobreza que grassava por aqueles rincões sertanejos. Etim só pensava na bendita gota de sangue de Cristo que devia aparecer para salvar o mundo. Também pensava num galo enorme cantando em cima da igreja, anunciando a salvação do mundo, e no silêncio do galo que antecederia uma enorme explosão. Não se importava com presente, o pouco que tinha já lhe bastava. Preocupava-lhe mesmo era o fim do mundo. Não conseguia entender como, diante do risco iminente do fim do mundo, todas as pessoas se mostrassem tranquilas e ainda tivessem tempo para pensar em presente. De que adiantariam os presentes depois do fim do mundo? Até mesmo Pitica parecia bastante tranquilo, certo de que Papai Noel colocaria debaixo da sua rede uma bicicleta nova.      
Quando tocou a terceira chamada, Etim foi sentar-se ansioso no último banco da igreja. A cerimônia era comprida, a leitura lenta e rebuscada, o sermão longo e cansativo, os cânticos maçantes e desafinados... Tudo confluía para aumentar a irritação e a ansiedade do menino. Depois de quase uma hora, que mais pareceu uma eternidade, o padre finalmente parou numa certa altura da Bíblia, ergueu-a aberta e os sinos repicaram com força. O menino respirou aliviado; deviam ter achado o sangue de Cristo. O galo não cantou, mas as palavras de alívio do padre e o dobrar alegre dos sinos deram a certeza de que o mundo estava salvo.    
Na manhã seguinte, Pitica apareceu contrariado por não ter encontrado nada debaixo da sua rede; Etim, muito contente por saber que o mundo estava salvo por mais um ano. 

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