Um dos grandes dramas do Direito são os malabarismos interpretativos volta e meia empregados para atender a conveniências incompatíveis com o espírito do sistema jurídico. A Constituição Federal estabelece que "Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável” (CF/88, art. 53, § 2º). A prisão em flagrante do senador Delcídio Amaral foi justificado pelo ministro Teori Zavascki como crime permanente, no caso, fazer parte de crime organizado (da Petrobras – Lei 12.850/13, art. 2º). O crime permanente (que dura no tempo) realmente permite a prisão em flagrante em qualquer momento (CPP, arts. 302 e 303), não havendo nesse aspecto qualquer problema. No entanto, de acordo com a mesma Constituição Federal, são inafiançáveis os crimes de "tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem" (art. 5.º, inciso XLIII), bem como "a prática do racismo" (art. 5.º, inciso XLII) e "a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático" (artigo 5.º, inciso XLIV). A partir da Lei nº 12.403/11 (que ampliou as hipóteses de fiança para praticamente todos os crimes, ressalvados aqueles com vedação constitucional), o "fazer parte de crime organizado" não é crime inafiançável, não autorizando, portanto, a prisão em flagrante de um senador no exercício do mandato. E não é a citação de três ministros do STF no caso motivo suficiente para tornar inafiançável o crime e autorizar a prisão... Malabarismos interpretativos para atender conveniências de plantão são sempre reprováveis e prejudiciais ao regime democrático, não importando se o alvo seja um corrupto inveterado ou uma pessoa inocente, algo que só pode ser esclarecido depois do contraditório e da ampla defesa. Que sejam presos todos os corruptos, mas com o devido processo legal, sempre.
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