Sargento Pincel foi nomeado para comandar o destacamento militar da cidadezinha e, como se diz agora, tocou o terror entre a meninada. Com os adultos ele era um tanto condescendente, não costumava importunar arruaceiros, bêbados inoportunos, nem maridos violentos. O problema dele era com as crianças. Não podia flagrar um grupo delas, ou uma que fosse, se divertindo que apressava o passo enfurecido para estragar-lhes o prazer. Em regra, Pincel chegava abrupta e sorrateiramente, enxotava as crianças e tomava o brinquedo que julgava ilegal, normalmente bolas, bilas e tampas.
– 'Bora todo mundo pra casa!
Numa das celas da delegacia contaram-se para mais de seiscentas bolas. As bilas, tampas e demais apreensões ficavam no gabinete do próprio sargento. A maioria dos pais não se importava ou até aplaudia o rigor do Pincel; quem não concordava não ousava dizer nada. Alguns diziam que os meninos eram muito soltos, precisavam ter regras, como os pais eram frouxos, a polícia precisava controlar. Nessa época não havia direitos de criança, ou ao menos consciência deles.
Sargento Pincel parecia onisciente, onipresente e onipotente. Onde quer que houvesse uma brincadeira de criança, logo chegava ele botando todo mundo pra correr.
– 'Bora todo mundo pra casa!
Nos campinhos de futebol, levava as bolas e desfazia as traves; no jogo de bila, levava as bilas e tapava os buracos; no jogo de tampas, levava as tampas e apagava a marcação. Quando Pincel conseguia por a mão em algum menino, levava-o para casa pela orelha. Houve um que tentou se refugiar debaixo da cama de uma casa próxima e foi arrastado pelo pé...
Na gata-da-turma da praça da Matriz, Pincel tentava, mas não conseguia intimidar a meninada. Logo que ia embora, reiniciavam a brincadeira, até o dia em que o sargento reuniu todos os policiais do destacamento e resolveu sitiar a praça.
Depois de dois anos de atuação do sargento Pincel, a despeito de alguns focos de resistência, a vida da meninada, de modo geral, ficou bastante monótona, até os banhos de rio findaram proibidos. Quando se soube da transferência do sargento para outro destacamento, uma grande euforia tomou conta da cidade, até os pais respiraram aliviados.
Dez anos depois, já mais velho e cansado, Pincel retornou à cidadezinha, mas não foi mais nem a sombra do que fora. A nova geração de meninos aplicava-lhe dribles desconcertantes, gritando: – Me pega, Pincel!; fazia-lhe caretas e até rebolava nele as bolas, bilas e tampas. A figura outrora monstruosa do sargento Pincel converteu-se ao final em algo folclórico.
Quando, caminhando pela rua, o sargento percebeu que arrastava umas latas velhas por uma longa calda de barbante amarrada na alça traseira do seu uniforme, resolveu finalmente ir para a reserva.
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