Confesso que 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses depois, eu já não sou mais nenhum neófito! Depois de tomar uma "aula de direito penal" de um preso ou mesmo de atender um "bebum" exalando cachaça da calçada até dentro da minha sala, juro que vi, ouvi e contei tantas e quantas histórias que um defensor público pode passar. Mas é exatamente quando penso já ter visto de tudo que surge alguém pra fazer... o defensor se emocionar!
Dessa feita, esse alguém foi "mais além"... De uma tacada só, fustigou emoção e recuperou a estima de um defensor chateado e injustiçado! Injustiçado e prejudicado! Prejudicado e prejudicando... a mim e aos meus assistidos! Na verdade, eu estava há quase três dias sem conseguir trabalhar direito por conta de uma "labareda" lançada por "Dona Brasa" junto à... Corregedoria.
Nem vale a pena aqui extrair mérito da "injusta agressão", mas, em verdade, eu cerrei o punho por raiva e, sim, deixei sentir na pele e refletir no meu rosto.... o calor da difamação! Uma confusão de sentimentos, enfim, se formava em minha cabeça!
Passados dois dias, eu ainda não havia produzido uma peça sequer! Iniciais, réplicas e alegações esperavam de mim uma resposta.... que simplesmente não vinha!
Dizia e expressava o sentimento que há de me acompanhar sempre.... Sonho com o dia em que a Defensoria Pública me cobrará o "Q" de "qualidade"! Sonho com o dia em que o tal expediente forense nunca será maior do que a minha responsabilidade! Sonho com a hora em que os números que exigirão de mim serão os do "sorriso no rosto dos meus assistidos"!
Esta é a Defensoria Pública que, um dia, eu trabalho pra ver!
Definitivamente, eu senti que não era mais o mesmo! Faltava, como bem disseram em Itapipoca, "o velho brilho dos meus olhos"! Onde estava aquele Defensor "aguerrido" de sempre?
E foi quando este defensor se viu, assim, desanimado e desgastado, que o povo do meu município veio me buscar...
Quarta-feira, 12 de dezembro, início de tarde. Era por volta de 13h15min, ainda antes do almoço. Eu iniciava ali uma mediação que mudaria a mim mesmo.
Duas irmãs que "brigavam" por uma herança, numa confusão que se iniciou ainda antes da morte da mãe. Sem entrar em detalhes, digo apenas que, mais de uma hora depois, eu não cheguei a ver um acordo 100% fechado.
Mesmo assim, ao final dela, uma das irmãs olhou pra mim e perguntou:
- Dr., o senhor estudou psicologia?
- Não, jovem! Por quê?
- Porque são poucas as pessoas que procuram entender a alma da gente como o senhor fez hoje! Muito obrigado!
Eu simplesmente agradeci, me levantei e dei um abraço... Nada mais!
Depois disso, eu saí para almoçar. Ressalto que saí bem acompanhado, levando as duas meninas que trabalham comigo pra degustar um velho... "frango à parmegiana"! Bom demais, não?
O problema é que nem isso me animava! Eu ainda soltava faísca pra todo lado! Puxa vida, do que adiantava aquela frase se o que a instituição queria de mim era o cumprimento de um ridículo "expediente forense"?
De volta ao Juizado, eu pedi ao policial da guarda pra dizer que eu não estava. O objetivo era ver se eu, enfim, produziria alguma coisa.
Ao final daquela tarde, entretanto, sou surpreendido com a porta aberta e o policial dizendo:
- Dr., o senhor precisa receber essa senhora!
Ah amigo, quando a porta abre, e o recado é esse, lá vem chumbo! Me ajeitei na cadeira e me preparei para uma urgência! Quando imaginava alguém precisando de medicamento, para minha surpresa era uma das irmãs que voltava e trazia consigo uma sacola! Nela um pequeno creme de barbear e um enorme... sentimento!
Ela me entregou a sacola e disse simplesmente:
- Dr., obrigado pelo que o senhor fez pela minha família!
Sabe Deus de onde vieram forças em mim para agradecer! Meu Deus, naquela tarde, com a raiva que estava, eu nunca imaginava que seria tão importante na vida de uma família inteira!
E foi com raiva, mesmo sem produzir nada, que eu arrumei forças e palavras pra ser importante na vida de uma família inteira!
Eu queria chorar, mas não ali, não na frente da minha assistida, não na frente do Juizado inteiro... Verdade seja dita, foram poucos segundos que mais pareciam uma eternidade até ela sair!
Depois disso, eu fechei a porta, rapidamente guardei o notebook e juntei as minhas coisas. Saí quase sem falar com ninguém. Mal entrei no carro e não suportei! Chorei por tanto e quanto tempo um homem... pode chorar!
Chorei e chorei com vontade! Chorei porque, enfim, eu havia visto o que é capaz de fazer... o sentimento de gratidão!
Gratidão de um povo que, muito longe de qualquer ranço, só queria uma coisa... O velho defensor, chato, aguerrido e elétrico de volta!
Nem preciso dizer que isso não tem preço! Ganhei o dia e ganhei mês! Ganhei ainda mais... Ganhei o meu sorriso de volta! Ganhei o "velho brilho dos meus olhos"!
E é por essa família e por tantas outras pessoas neste município que eu digo, amigo, de coração:
- Obrigado! Obrigado por, mesmo sem saber de nada, acreditarem em mim e no meu trabalho! Obrigado por me buscar de volta e por me ensinar que vocês... valem muito mais!
Neste final, uma perguntinha pra remeter ao começo dessa história:
- Dá pra entender por que a Defensoria Pública é tão apaixonante?
Respondo apenas dizendo que sou Defensor Público, sim, com muito carinho, por todos vocês! Eu sou Defensor Público por isso... pra fazer o bem e levar o bem!
E, pra isso, contem sempre comigo!
Raphael Esmeraldo Nogueira
Cronista/Defensor Público de Itapipoca
Um comentário:
Crônica carregada de sentimento, característica marcante do seu autor! Um quadro fiel do atribulado cotidiano defensorial e suas contínuas oscilações emocionais!
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