quinta-feira, 8 de novembro de 2012

A SAGA DO DIVÓRCIO NO BRASIL



O autoritarismo estatal e a moral religiosa ainda estão muito impregnados no ordenamento jurídico pátrio, tendo no Direito das Famílias um de seus principais alvos. Até o advento da Emenda Constitucional n.º 09, de 28 de junho de 1977, regulamentada pela Lei n.º 6.515/77, vingava o princípio da indissolubilidade do casamento civil, calcado em postulados cristãos que imaginavam o casamento como a única via para a constituição da família, elemento nuclear da sociedade. 
Antes da emenda, havia o desquite, instituto que determinava o rompimento da sociedade conjugal, pondo fim aos deveres de coabitação e de fidelidade recíproca e ao regime de bens, mas mantinha incólume o vínculo matrimonial.  
Não foi fácil romper a resistência conservadora, especialmente da Igreja Católica, para a introdução do divórcio no Brasil. Foi necessária inclusive a redução do quórum de dois terços para o de maioria simples para a aprovação da EC n.º 09/77, com a contribuição de Ernesto Geisel, que, não sendo católico, não simpatizava com as forças contrárias ao divórcio. Ainda assim, o divórcio veio acompanhado do instituto da separação judicial, semelhante ao desquite; afinal, os católicos não deveriam se divorciar... Era o que orientava, e ainda orienta, a Igreja Católica.    
Ora, mas se as pessoas são livres para casar, não há como obrigá-las a manterem-se casadas. O casamento  mantém-se graças ao afeto entre os cônjuges e ao desejo de uma comunhão de vida, jamais por pura e simples obrigação legal ou religiosa. Não há motivo convincente para o Estado intervir na liberdade e nos sentimentos das pessoas cujo casamento não é mais do que mera hipocrisia.   
A adoção do divórcio no Brasil representou um enorme avanço legislativo, ainda que tenha sofrido inicialmente severas limitações, como a impossibilidade de se divorciar por mais de uma vez, o prazo de 05 (cinco) anos de separação de fato para o divórcio direto e o de 03 (três) anos para o indireto (ou por conversão). 
A Constituição Federal de 1988 promoveu um avanço acanhado na sistemática do divórcio, apenas reduzindo os prazos para 02 (dois) anos no divórcio direto e para 01 (um) ano na conversão da separação judicial em divórcio.  
A Lei n.º 7.841/89 autorizou a realização de divórcios sucessivos. A Lei n.º 11.441/2007 estabeleceu que o divórcio e a separação consensuais, caso não existam filhos menores ou incapazes, podem ser realizados administrativamente, sem necessidade de ação judicial, bastando que as partes compareçam ao Cartório de Notas acompanhadas por advogado ou defensor público, nos passos do movimento de desjudicialização dos conflitos, tendente a desafogar o Judiciário.
Finalmente, com a promulgação da Emenda Constitucional n.º 66, de 13.07.2010, conferindo nova redação ao art. 226, § 6.º, da Constituição Federal, foi abolido o anacrônico instituto da separação judicial, que suscitava uma descabida discussão em torno da culpa pelo fim do relacionamento. Doravante, o Estado deixa os cônjuges livres para por fim ao casamento, tal como o são para casar. 
Caso não haja mais afeto nem desejo de uma comunhão de vida, propõe-se o divórcio, até mesmo no dia seguinte ao casamento. Havendo acordo entre os cônjuges, o divórcio é consensual, podendo ser realizado perante o próprio Cartório; caso não haja acordo, o divórcio será litigioso, mediante uma ação judicial, mas sem espaço para qualquer discussão acerca de supostas culpas. O desejo de somente um dos cônjuges não é suficiente para manter o vínculo matrimonial. Quando um não quer, dois não casam, nem se mantêm casados.         
O divórcio não destruiu a família, tampouco desestruturou as relações sociais, como outrora propalaram  alguns moralistas. O divórcio simplesmente deixou as pessoas mais livres, permitindo que um casamento que de fato não mais existe seja dissolvido sem empecilhos legais, para que novos vínculos surjam naturalmente, com olhos postos na dignidade da pessoa humana, no afeto e no amor.     

Nenhum comentário: