quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O SERMÃO DO BOM LADRÃO



Padre Antônio Vieira (1608-1697), grande orador sacro e um dos ícones das Literaturas Brasileira e Portuguesa, com estilo Barroco, era inimigo dos corruptos. Apresentou-se, certa vez, diante de D. João IV e, com severas críticas, escancarou com a corrupção, através do "Sermão do bom ladrão", do qual esta passagem, a seguir transcrita, é memorável: "Não são só ladrões – diz o Santo – os que cortam bolsas ou espreitam os que vão banhar, para lhe colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos e legiões, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais já com manha, já com força, roubam e despojam os pobres. Os outros ladrões roubam um homem; estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo de seu risco; estes, sem temor, nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados; estes, furtam e enforcam (...)."
É incrível como, depois de passados estes séculos, o conteúdo do Sermão em comento encontra-se tão atualizado, tão próximo de nossa realidade, sobretudo na passagem "a administração das cidades", porquanto vemos, quase todo dia na imprensa cearense e nacional, notícias escandalosas de gestores municipais que, sem um pingo de escrúpulo, surrupiam o dinheiro destinado à população, roubando cidades, "despojando", destarte, os pobres.
Vale salientar, em tom de redundância, visto que todos sabem disso, que o prefeito de uma cidade é um ente público, exclusivamente público, para servir a todos indistintamente. Afinal, muito bem disse o Dr. Roberto Rosas, ex-ministro do TSE: "O mandato não pertence ao candidato, ao eleito, e sim ao partido, e este, à comunidade, à sociedade devidamente representada" (Revista In Verbis, IMB, n.º 16, ano 03, p. 36).
O político deve vestir a camisa da transparência, da dignidade moral. Será tão saudável para a alma de um ex-prefeito, quando estiver no fim da vida e, ao olhar para trás, ser capaz de dizer: "Vejam, caros amigos, aquelas obras, aquela escola, aquele hospital, praças, ruas, avenidas, creches, pontos de diversões, etc. etc., quem fez fui eu, na época em que eu era prefeito. Naquela época o povo era alfabetizado, o povo era educado, o povo era sadio, o povo vivia bem, porque eu tratava meu povo bem, tão bem que às vezes assim agia até em detrimento do meu próprio bem".
Os agentes políticos carecem de seriedade e de hombridade. Se os homens públicos que estão no poder, e que se acham o máximo, pensassem diferente, ou seja, pensassem a vida no seu lado humano, solidário, gente com fome, gente desempregada, gente sofrendo, gente chorando, gente morrendo, e pusessem em suas cabeças que ninguém leva nada materialmente para o túmulo, a não ser a carne, e que, aquilo conquistado por meios ilícitos nesta vida, é efêmero, com certeza teríamos uma visão mais nobre acerca de certos políticos.
Ninguém é dono do mundo, ao contrário, somos inquilinos. Nunca ouvimos falar de um ex-prefeito que agiu corruptamente e esteja bem hoje. Isso porque a indigestão do que eles comeram indevidamente (diga-se o fruto do roubo) foi tão grande, tão grande mesmo, que eles foram acometidos de uma "diarreia aguda", levando-os aos braços da "morte social". Caíram em ruínas, sozinhos, no ostracismo, amaldiçoados.
Roubar é um crime. Contudo quem rouba um povo, o galinheiro todo, sem dúvida, paga mais caro que aquele que rouba somente um homem, uma galinha.

Fernando Machado Albuquerque
Professor/Membro da APL

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