quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

EDUCAÇÃO DOMICILIAR



Domingo passado, no Programa Fantástico, da TV Globo, uma reportagem assaz intrigante chamou-me a atenção: a demanda de pais brasileiros que decidem por si mesmos assumir a responsabilidade de educar seus filhos sem recorrer à escola, na chamada homeschooling ou educação domiciliar. Esse modelo educacional é bastante comum nos Estados Unidos, como também em outros países. No Brasil há algum tempo vem ganhando adeptos. No Fantástico, os pais esclarecem a tomada de decisão, alegando que com tal método seus filhos aprendem com mais eficiência, ou seja, assimilam melhor os conteúdos, dado que os filhos escolhem seus próprios horários de estudo, dispõem de mais tempo e conforto para estudar, além de não serem interrompidos pelos colegas na hora da explanação das matérias. Como consequência, taxam as instituições escolares de ditadoras do conhecimento, reservatórios de alunos submetidos a regras estabelecidas, aos horários, ao calendário letivo, disciplinas desnecessárias, além de acreditarem que seus filhos, estudando em casa, estarão mais protegidos da violência e do preconceito, incluindo o bullying.
Com todo respeito aos pais adeptos desse modelo educacional, penso, como profissional da educação, que se deveria, a priori, procurar entender melhor e reconhecer o papel da escola, como instituição que transcende a mera transmissão de conhecimentos. Ora, é no ambiente escolar que a criança dá início ao seu processo de desenvolvimento social, aprende a conviver com o diferente, compreende e assimila regras de conduta para viver em sociedade etc. Um pouco distante dos olhos paternos e maternos, a criança aprende a lidar com conflitos, adquire independência, supera os medos, enfim, quanto mais a criança conviver com o pluralismo, com estímulos externos, mais se socializará, convivendo, assim, em harmonia com o diferente. A eficácia dessa análise já fora comprovada há anos pelo filósofo e psicólogo da educação Vigostki.
Noutra reportagem postada no página de vídeos Youtube, uma mãe que pratica a educação domiciliar com seus filhos afirma, com muito entusiasmo, que o motivo da retirada do filho de 08 anos da escola foi o fato de o menino não gostar de português, especialmente das aulas de pronome de tratamento. Segundo o menino, todos nós devemos ter o mesmo tratamento, pois somos iguais uns aos outros. Assim, não precisaríamos chamar um papa de Vossa Santidade, nem um médico ou advogado de doutor. É importante frisar que, para os adeptos da homeschooling, as disciplinas utilizadas pelos professores em sala restringem-se a mero acúmulo desnecessário de informações, que nada contribuem na vida prática. No entanto, os currículos escolares são elaborados por profissionais capacitados, neles se incluem disciplinas utilizadas não somente para transmitir informações e contribuir para o ingresso na faculdade, como também para os educandos absorverem uma visão do outro, podendo, desse modo, interagir e também contestar. Logo, os pais adeptos da homeschooling parecem contradizer-se, pois utilizam, em regra, as mesmas disciplinas escolares para ensinar seus filhos. Concernente ao uso dos pronomes de tratamento, é necessário sim atribuirmos tratamento diferencial para determinadas pessoas, pois não vivemos em guetos e sim numa sociedade em que há regras de conduta social, de comportamento, educação perante os demais. Também temos que ter humildade de reconhecer o valor profissional do outro, como também respeitá-lo. Além do mais, a maioria desses pais (professores) não tem formação teórica e técnica para suprir todas as disciplinas repassadas aos filhos, diferentemente da escola, onde há profissionais capacitados, com anos de estudo para esse propósito.
Diante das informações expostas, pode-se afirmar que precisamos sim melhorar a educação, e não simplesmente tentar abolir a escola. Temos algumas escolas públicas e privadas ruins, como também algumas outras de qualidade. É necessário rever e refletir, sobre os currículos escolares, procurar sempre aperfeiçoá-los, reduzindo umas disciplinas, acrescentando outras. Os PPPs (Projetos Políticos Pedagógicos) identificadores das instituições de ensino precisam ser realmente postos em prática, o profissional em educação também precisa ser valorizado, tanto pelo Estado, como pela comunidade. Agora, é preciso deixar claro que a construção de uma nação necessita da participação de toda a sociedade – a família é muito restrita para tanto. Acredito que, se for legalizada e adotada a educação familiar no Brasil, o desenvolvimento de muitas crianças inocentes correrá sério risco, em virtude do individualismo extremo de alguns pais e, como sociedade, ao invés de seguirmos em frente, entraremos num retrocesso.

Auricélia Fontenele
Prof.ª de Português

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