Com a curiosidade de menino maluvido, na Palma do final dos anos 80 e começo dos anos 90, escutei muita história interessante. Numa época de intensa reforma da rodovia que cruza a cidade, a empresa de asfaltamento se instalava, com todo o maquinário e pessoal, na margem da pista oposta ao matadouro público.
Os muitos trabalhadores da firma acabavam vivendo em Coreaú, incorporando-se ao seu cotidiano. Um dos mais marcantes, sujeito magricela de altura e idade mediana, metido a boêmio romântico, costumava beber no bar da esquina com meu pai, para contar e ouvir algumas anedotas. Sentado atento num velho banco de madeira, eu escutava por horas a prosa autobiográfica de duas vidas repletas de experiências.
Zé Mazim contou que, certa feita, naquele mesmo bar, havia sido de tal forma afrontado por um moço impertinente das bandas do Alto que teve que partir para as vias de fato, manchando sua reputação de homem pacífico e equilibrado.
O sujeito havia destratado os camaradas da firma, chamando-os de vagabundos, raparigueiros e forasteiros desonestos. Zé Mazim ainda tentou ser diplomático, pedindo calma e oferecendo uma dose de cana ao detrator. Não adiantou. O sujeito, embriagado, mas ainda com ares de empáfia, continuou o ataque verbal. Até que Zé Mazim não se conteve e partiu para tomar satisfação.
Ao primeiro arroubo de Zé Mazim, o sujeito foi logo tentando encabular:
- Você sabe com quem está falando?
Ao que Zé Mazim respondeu:
- Sei! Com um fuleragem!
E cobriu-lhe de socos e pontapés, sangrando-lhe o nariz e o canto da boca.
Logo em seguida apareceu a turma do deixa disso e apartou a briga, tomando cada um dos lutadores o seu caminho. Ao despedir-se, o derrotado ainda lançou uma sombria advertência:
- Pode-se preparar para dormir na cadeia, cabra safado!
Zé Mazim seguiu taciturno até a Rua do Peão, onde morava, preocupado com a perspectiva de ser preso ainda naquela noite que já começava a cair.
Deitou-se na rede, permanentemente armada, atinando em cada voz e em cada passo que percorria sua rua deserta. Chegara há pouco na cidade. Não conhecia praticamente ninguém. O moço que acabara de enfrentar poderia pertencer a alguma família importante, poderia ter alguma influência política. Era provável que a polícia logo o viesse recolher.
Nunca havia sido preso. Tinha um certo trauma de polícia, desde a adolescência marcada pelo auge da ditadura militar.
Conseguiu dormir um sono leve e atribulado, acordando a cada passo repentino na calçada, a cada cochicho que se achegava a sua porta. Olhou ainda umas três vezes pela fresta da porta e somente viu uma rua vazia. Depois o cansaço o pegou.
Aos primeiros raios do dia, Zé Mazim tomou o café, preparado pela vizinha Marlene, aprontou-se e seguiu, ainda com uma leve ressaca, para a firma, pedalando, com um suor frio, a velha bicicleta.
Ficou contente por não ouvir qualquer comentário dos camaradas sobre o incidente do dia anterior. Seguiu o trabalho confiante e já sorridente, até que uma visão sinistra o paralisou!
Na entrada da firma, já se identificando, dois guardas enormes estavam vindo prendê-lo. Não hesitou. Pulou rápido do caminhão que acabava de descarregar e embrenhou-se pela mata que cobre o serrote vizinho, subindo até a uma altura que imaginou livre de uma possível perseguição.
Na firma, os camaradas deram logo pela falta do Zé. Ninguém o tinha visto sair. Ainda fizeram uma busca no entorno, na rua, comunicaram o sumiço à polícia, mas, algumas horas depois, seguiram contrariados a dura rotina de trabalho.
No serrote, bebendo os pingos que desciam de um olho d'água e sem nada para comer, Zé Mazim ainda suportou um dia e uma noite na mata, sentado numa pedra e dormindo numa cama improvisada de galhos. Imaginando ter livrado o flagrante, resolveu reaparecer.
Na manhã seguinte, apresentou-se reticente na firma, perguntando apressado para a primeira turma que avistou por onde andava a polícia que o tinha ido prender no dia anterior.
Os camaradas o saudaram com efusão, estranhando a história de polícia e de prisão, tendo um deles respondido:
- Que polícia? Não andou polícia nenhuma por aqui! Ontem, antes do seu sumiço, só vieram aqui dois guardinhas da SUCAM para dedetizar o depósito de material!
Só então os camaradas compreenderam, às gargalhadas, a razão do sumiço do Zé!
Os muitos trabalhadores da firma acabavam vivendo em Coreaú, incorporando-se ao seu cotidiano. Um dos mais marcantes, sujeito magricela de altura e idade mediana, metido a boêmio romântico, costumava beber no bar da esquina com meu pai, para contar e ouvir algumas anedotas. Sentado atento num velho banco de madeira, eu escutava por horas a prosa autobiográfica de duas vidas repletas de experiências.
Zé Mazim contou que, certa feita, naquele mesmo bar, havia sido de tal forma afrontado por um moço impertinente das bandas do Alto que teve que partir para as vias de fato, manchando sua reputação de homem pacífico e equilibrado.
O sujeito havia destratado os camaradas da firma, chamando-os de vagabundos, raparigueiros e forasteiros desonestos. Zé Mazim ainda tentou ser diplomático, pedindo calma e oferecendo uma dose de cana ao detrator. Não adiantou. O sujeito, embriagado, mas ainda com ares de empáfia, continuou o ataque verbal. Até que Zé Mazim não se conteve e partiu para tomar satisfação.
Ao primeiro arroubo de Zé Mazim, o sujeito foi logo tentando encabular:
- Você sabe com quem está falando?
Ao que Zé Mazim respondeu:
- Sei! Com um fuleragem!
E cobriu-lhe de socos e pontapés, sangrando-lhe o nariz e o canto da boca.
Logo em seguida apareceu a turma do deixa disso e apartou a briga, tomando cada um dos lutadores o seu caminho. Ao despedir-se, o derrotado ainda lançou uma sombria advertência:
- Pode-se preparar para dormir na cadeia, cabra safado!
Zé Mazim seguiu taciturno até a Rua do Peão, onde morava, preocupado com a perspectiva de ser preso ainda naquela noite que já começava a cair.
Deitou-se na rede, permanentemente armada, atinando em cada voz e em cada passo que percorria sua rua deserta. Chegara há pouco na cidade. Não conhecia praticamente ninguém. O moço que acabara de enfrentar poderia pertencer a alguma família importante, poderia ter alguma influência política. Era provável que a polícia logo o viesse recolher.
Nunca havia sido preso. Tinha um certo trauma de polícia, desde a adolescência marcada pelo auge da ditadura militar.
Conseguiu dormir um sono leve e atribulado, acordando a cada passo repentino na calçada, a cada cochicho que se achegava a sua porta. Olhou ainda umas três vezes pela fresta da porta e somente viu uma rua vazia. Depois o cansaço o pegou.
Aos primeiros raios do dia, Zé Mazim tomou o café, preparado pela vizinha Marlene, aprontou-se e seguiu, ainda com uma leve ressaca, para a firma, pedalando, com um suor frio, a velha bicicleta.
Ficou contente por não ouvir qualquer comentário dos camaradas sobre o incidente do dia anterior. Seguiu o trabalho confiante e já sorridente, até que uma visão sinistra o paralisou!
Na entrada da firma, já se identificando, dois guardas enormes estavam vindo prendê-lo. Não hesitou. Pulou rápido do caminhão que acabava de descarregar e embrenhou-se pela mata que cobre o serrote vizinho, subindo até a uma altura que imaginou livre de uma possível perseguição.
Na firma, os camaradas deram logo pela falta do Zé. Ninguém o tinha visto sair. Ainda fizeram uma busca no entorno, na rua, comunicaram o sumiço à polícia, mas, algumas horas depois, seguiram contrariados a dura rotina de trabalho.
No serrote, bebendo os pingos que desciam de um olho d'água e sem nada para comer, Zé Mazim ainda suportou um dia e uma noite na mata, sentado numa pedra e dormindo numa cama improvisada de galhos. Imaginando ter livrado o flagrante, resolveu reaparecer.
Na manhã seguinte, apresentou-se reticente na firma, perguntando apressado para a primeira turma que avistou por onde andava a polícia que o tinha ido prender no dia anterior.
Os camaradas o saudaram com efusão, estranhando a história de polícia e de prisão, tendo um deles respondido:
- Que polícia? Não andou polícia nenhuma por aqui! Ontem, antes do seu sumiço, só vieram aqui dois guardinhas da SUCAM para dedetizar o depósito de material!
Só então os camaradas compreenderam, às gargalhadas, a razão do sumiço do Zé!
Um comentário:
Caro amigo, essa engraçada estória muito bem contada, bem que poderia integrar uma coletãnea de contos "Contos Palmenses" editados pela APL. Essa oralidade popular é riquíssima, merece e deve ser preservada como lídima cultura de um lugar.
Um forte abraço
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