sexta-feira, 7 de junho de 2013

SECA DE 1877-79



"Das grandes secas que marcaram a história cearense, uma das mais lembradas foi a de 1877-79. Foram três anos seguidos sem chuvas, sem semeaduras, sem colheitas, os rebanhos morrendo, os homens migrando para não perecer. O sertanejo havia sido pego, de certo modo, desprevenido – a última grande seca tinha ocorrido havia mais de trinta anos, em 1844-45. Até as famílias abastadas partiram em busca de refúgio junto a parentes que habitavam as serras sempre verdes ou o litoral. Os adultos iam nos cavalos, seguidos pelos carros de bois cheios de moças, crianças, mulheres e bagagens de toda sorte, tendo atrás os vaqueiros e ajudantes tocando o gado.
O pobre punha-se a pé, na poeira das longas jornadas, os adultos levando as crianças menores, puxando as vaquinhas e as cabras que restavam, o cachorro de estimação atrás. Essa massa humilde era denominada de retirantes ou flagelados. Perseguia-se ou mesmo expulsava-se estes sofredores quando acampavam nas vizinhanças de um povoado. Os habitantes temiam vê-los esgotar os 'olhos-d'águas' que ainda existiam ou saquear comércios e armazéns na ânsia de obter alimentos para saciar a fome, como rotineiramente acontecia.    
As cidades, além dos vales férteis, como o Cariri, ficaram apinhadas de flagelados. Aracati, que contava cinco mil moradores, passou a comportar mais de 60 mil. Fortaleza converteu-se na capital do desespero: de 21 mil habitantes, pelo censo de 1872, passou a 130 mil. O sertão quase esvazia. Muitos dos retirantes pereciam no caminho. Os que alcançavam os centros urbanos o faziam à beira de um colapso e impressionavam pela desnutrição.
A economia provincial, já abalada pela crise do algodão, quase que se aniquila. Escravos eram vendidos pelos donos para o sudeste. Os gados, salvo alguns conduzidos pelos fazendeiros para escaparem no Piauí, dizimaram-se pela ação das zoonoses, furtos, extravios, fome e sede. A fauna e a flora praticamente extintas. As lavouras, fenecidas. Era a natureza em plena rebelião contra o homem. O povo alimenta-se de raízes e de animais como cães, ratos e até urubus. Há casos de canibalismo. Um surto de varíola vitima milhares de pessoas. 
Mulheres se prostituem para ter o que comer. Multiplicam-se os casos de roubo e furto. Crianças seminuas são estupradas. Os senhores proprietários atribuem aqueles delitos a um desvio de ordem moral da gente mestiça, que deveria ser tratada com repressão. 
Na seca de 1877 perdera o Ceará um terço da população pela [migração] e pela morte [estimam-se em 200 mil os óbitos!]. A sua riqueza pastoril, que antes da seca calculava em 24000 contos de réis, não valia agora mais de 200 contos. A agricultura desaparecera completamente (GIRÃO, 1947:203).
Vale lembrar, contudo, que alguns setores beneficiaram-se com a seca, a exemplo das casas comerciais estrangeiras, como a Bóris Fréres, que comercializou gêneros de primeira necessidade. Empresas de navegação lucraram, também, conduzindo flagelados para o norte e sudeste, como veremos adiante. Joaquim da Cunha Freire, o Barão da Ibiapaba, lucrou com a exportação de navios cheios de cativos negros a partir de Fortaleza e Mossoró."
(Airton de Farias. História do Ceará. Armazém da Cultura. 6.ª edição. 2012. pp. 214-215) 

Um comentário:

Unknown disse...

Obrigada, estou trabalhando esse assunto em uma feira de ciências na minha escola aqui no ceará, e seu poste mim ajudou muito... Grata