domingo, 9 de junho de 2013

ESTATUTO DO NASCITURO



O aborto é um tema profundo milenarmente arraigado na literatura e alma humana, numa relação de carne, unha, amor e ódio, dentre outros fatores, em função de configurar um conflito direto entre o direito à vida e o direito de alguém que teve esse direito assegurado de dispor se o nascituro terá ou não o direito ao nascimento com vida. 
Objetivando uma melhor compreensão, veja que nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não nascido (artigo 2.º do PL 478/2007). Penso que as duas principais razões propulsoras da conduta abortiva, ao longo dos tempos, são culturais e financeiros. Explica-se: há algumas décadas, aqui mesmo no Brasil, uma mulher ter um filho sem casar era uma desonra para toda a família. Logo, era muito comum mulheres, mesmo de famílias tradicionais, ao engravidarem de um relacionamento, terem basicamente três destinos: casar, ser trancafiada num convento de freira ou simplesmente ser expulsa de casa e ter como destino os bordeis da vida. Nesse viés, muitas das vezes, o aborto era a alternativa para evitar tais destinos. 
Vejo, em linhas gerais, após uma detida leitura ao Projeto de Lei 4878/2007, que o Estatuto do Nascituro representa um avanço das políticas públicas do Estado Brasileiro visando imprimir concretude aos preceitos constitucionais do direito à vida e da dignidade humana. Afinal, somos um Estado de Direito, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos (preâmbulo da Constituição de 1988). 
Ademais, o direito à vida é o mais importante de todos os direitos, eis que, sem ele, nenhum dos outros direitos tem importância. A inviolabilidade do direito à vida é uma garantia constitucional estampado na cabeça do artigo 5.º da Lei Política Fundamental de 1988. Acresce-se o fato de que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito. Nessa contextura, temos uma aparente colisão de, pelo menos, dois direitos fundamentais: o direito à vida versus o direito da mulher ou do Estado (eis que em algumas hipótese, no nosso ordenamento jurídico, como o estupro, o Estado autoriza o aborto) em dispor da vida do nascituro. 
Assim, tenho que, em linhas gerais, o aludido Projeto de Lei está em consonância com a Constituição Federal, mormente com arrimo no princípio da concordância prática ou da harmonização, impondo a coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito ou em concorrência, de forma a evitar o sacrifício total do direito à vida, numa hipervalorização do direito individual da mulher de dispor de seu corpo. Contudo, o Estatuto aborda temas polêmicos, como os direitos civis dos seres humanos concebidos "in vitro", os produzidos através de clonagem ou por outro meio científico e eticamente aceito, necessitando de um estudo mais aprofundado.

Edival Braga
Procurador do Estado/RR
Professor da UFRR

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