domingo, 2 de junho de 2013

OFÍCIO PRECOCE


Não recordo precisamente quando me iniciei no ofício. Num inverno promissor de meados dos anos 80, suponho. Dedé não deu conta de um dos cambos de curimatã. Deram-lhe as contas na primeira venda. Prossegui solitário vendendo peixes pelas ruas calmas da Palma pelos longos anos seguintes. A meninada, mesmo necessitada, considerava indigno o ofício de vender peixe. À época, peixe era comida de pobre.
A timidez e a falta de vocação não me permitiram aprimorar ao longo do tempo técnica comercial alguma. Caminhando cabisbaixo pelas calçadas, com os peixes fustigando as pernas, oferecia-os nas portas dos  poucos fregueses mais frequentes.
– Quer comprar peixe?
Geralmente a resposta era o silêncio. Um ou outro dava uma espiada, perguntava a origem do peixe, pedia desconto, reclamava do cheiro forte, quase sempre numa mera curiosidade maçante; ao final, recusava a oferta. Eu escutava resignado os praguejos irritantes do sapateiro Cordeiro, aguardava paciente a escolha demorada de Dona Evani e de Dona Fransquinha, depois dobrava o dinheiro e o guardava no cós do calção surrado e voltava para casa saltitante, sem atinar na relevância do apurado do dia para a debilitada economia familiar.
(...)    

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