terça-feira, 26 de junho de 2012

AS VEIAS ABERTAS DA AMÉRICA LATINA



Há dois lados na divisão internacional do trabalho: um em que alguns países especializam-se em ganhar, e outro em que se especializaram em perder. Nossa comarca do mundo, que hoje chamamos de América Latina, foi precoce: especializou-se em perder desde os remotos tempos em que os europeus do Renascimento se abalançaram pelo mar e fincaram os dentes em sua garganta. Passaram os séculos, e a América Latina aperfeiçoou suas funções. (...) Mas a região continua trabalhando como um serviçal. Continua existindo a serviço de necessidades alheias, como fonte e reserva de petróleo e ferro, cobre e carne, frutas e café, matérias-primas e alimentos, destinados aos países ricos que ganham, consumindo-os, muito mais do que a América Latina ganha produzindo-os. (...) É a América Latina, a região das veias abertas. Desde o descobrimento até nossos dias, tudo se transformou em capital europeu ou, mais tarde, norte-americano (...) Tudo: a terra, seus frutos e suas profundezas, ricas em minerais, os homens e sua capacidade de trabalho e de consumo, os recursos naturais e os recursos humanos. O modo de produção e a estrutura de classes de cada lugar têm sido sucessivamente determinados, de fora, por sua incorporação à engrenagem universal do capitalismo e a cadeia das dependências sucessivas torna-se infinita, tendo muito mais de dois elos, e por certo também incluindo, dentro da América Latina, a opressão dos países pequenos por seus vizinhos maiores e, dentro das fronteiras de cada país, a exploração que as grandes cidades e os portos exercem sobre suas fontes internas de víveres e mão-de-obra. (Eduardo Galeano. Las Venas Abiertas de América Latina, p. 5/6)


As Veias Abertas da América Latina, publicada em 1971, foi escrita pelo uruguaio Eduardo Galeano, retratando a história da América Latina, desde o período da colonização europeia até a atualidade, com olhos postos na exploração econômica e na dominação política do continente, inicialmente pelos europeus e seus descendentes e, depois, pelos Estados Unidos.
Há quem diga, ultimamente, que a obra é uma grotesca e mecanicista simplificação das ideias de Caio Prado Júnior, André Gunder Frank e Rodolfo Stavenhagen, ao escreverem, respectivamente, sobre o "sentido da colonização", o "desenvolvimento do subdesenvolvimento" e o "colonialismo interno". Há quem diga que se trata de uma obra maniqueísta que vicejou no terreno fértil de um cenário de ditadura militar e de "Guerra Fria". Há quem diga que a obra não passa de um consolo aos subjugados e inferiorizados, vítimas de uma culpa sempre atribuída aos outros, os que estão em situação melhor, invocando inclusive Freud e Nietzsche, que já haviam teorizado a respeito da "transferência da culpa", oriunda de "ressentimento" e de um "sentimento de inferioridade" (Visentini).
Não há dúvida de que se trata de uma crítica rebuscada, mas notoriamente conservadora e alheia à realidade, posto que a exploração econômica e a dominação política secular da América Latina não desapareceu num passe de mágica nas 03 (três) últimas décadas pós-ditadura militar. 
Em verdade, o que efetivamente mudou entre a época do lançamento da obra e os nossos dias foi somente a ditadura militar...
Demais disso, se a história da humanidade é um inexorável confronto entre vassalos e suseranos, o ressentimento contra o explorador não é um inconsequente complexo de inferioridade, mas um primeiro despertar, chamado de consciência, rumo à liberdade, ao passo que a recalcitrância conservadora se chama alienação e somente se presta a perpetuar o quadro de dominação.                  

Nenhum comentário: