quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

O ESTADO, AS COTAS E A RELIGIÃO


O Prof. Glauco Barreira Filho, livre-docente da Faculdade de Direito da UFC, é contrário à política das cotas nas Universidades. Em abono de sua tese, o professor invoca Martinho Lutero, que teria distinguido a lei da graça, não somente sob o prisma da salvação, mas também como princípios ativos. Na Teologia da Reforma, somente Deus poderia usar da graça, cabendo ao Estado agir somente na esfera da lei. A partir de tais premissas, o professor conclui que: "A política de cotas para as Universidades Públicas é uma tentativa do Estado de usurpar a esfera da graça, de colocar-se no lugar de Deus. Fugindo da lógica da lei, o Estado fatalmente se corromperá, originando um governo populista, arbitrário e tirânico."
Ora, para Estados, como o Brasil, afeitos historicamente a promover e a tolerar desigualdades sociais, a tentativa de repará-las com especial atenção aos grupos excluídos não é propriamente uma graça, mas uma forma de conferir eficácia ao princípio constitucional da isonomia, sob o prisma material, tratando igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida das desigualdades (art. 5.º, CF/88). 
Num Estado Democrático de Direito, cujos objetivos fundamentais são constituir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades, além de promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3.º, CF/88), nenhuma medida de solidariedade estatal adotada no afã de alcançar os objetivos fundamentais pode ser tida por graça, mas como obrigação do Estado e direito dos cidadãos. Talvez no Estado absolutista em que vicejou a Teologia da Reforma, toda e qualquer medida estatal sensível às desigualdades poderia ser confundida com uma graça; numa república democrática, não.    
A lógica da lei dos nossos tempos é a lógica da igualdade substancial, bem diferente da lógica da igualdade meramente formal da época do absolutismo. Quando o Estado trata desigualmente, no acesso ao ensino superior, quem teve condições materiais de preparação educacional diferentes, está absolutamente nos passos da lógica legal. O populismo, a arbitrariedade e a tirania não resultam da observância da lei com olhos postos nos fins sociais a que ela se destina e nas exigências do bem comum (art. 5.º, LICC), mas no seu descumprimento puro e simples, mesmo a pretexto de não invadir prerrogativas supostamente indelegáveis de Deus.  
Quando um Estado laico resolve assumir a missão de reduzir as desigualdades sociais, não pode recear eventuais suscetibilidades divinas, mas se preocupar prioritariamente com as pessoas humanas.    

Vide:
http://www.direito.ufc.br/index.php?option=com_content&task=view&id=248&Itemid=1

Um comentário:

Benedito Rodrigues disse...

Um comentário direto e bem fundamento característico de Etim.