sábado, 13 de outubro de 2012

FAMÍLIA SOCIOAFETIVA


"Em face do repúdio social, fruto da rejeição de origem religiosa, as uniões de pessoas do mesmo sexo receberam, ao longo da história, um sem-número de rotulações pejorativas e discriminatórias. Porém, essa é uma realidade que não se pode mais fazer de conta que não existe. O fato é que as pessoas não perdem a mania de buscar a felicidade. Abandonam relacionamentos jurados como eternos, partem em busca de novos amores, ingressam em novos vínculos afetivos, mesmo afrontando o estabelecido pelo Estado como forma única de constituição da família. Mas a felicidade nem sempre se encontra no relacionamento heterossexual.
A homossexualidade acompanha a história do homem. Não é crime nem pecado; não é uma doença nem um vício. Também não é um mal contagioso, nada justificando a dificuldade que as pessoas têm de ser amigas de homossexuais. É simplesmente uma outra forma de viver. A origem não se conhece. Aliás, nem interessa, pois, quando se buscam causas, parece que se está atrás de um remédio, de um tratamento para encontrar cura para algum mal. Mas tanto a orientação homossexual não é doença que, na Classificação Internacional de Doenças - CID, está inserida no capítulo Dos Sintomas Decorrentes de Circunstâncias Psicossociais. O termo "homossexualismo" foi substituído por homossexualidade, pois o sufixo "ismo" significa doença, enquanto o sufixo "dade" quer dizer modo de ser.
A Igreja fez do casamento forma de propagar a fé cristã: crescei e multiplicai-vos. A infertilidade dos vínculos homossexuais levou a Igreja a repudiá-los, acabando por serem relegados à margem da sociedade. Claro que a forma de demonstrar reprovação a tudo que desagrada à maioria conservadora é condenar à invisibilidade. O legislador, com medo da reprovação do seu eleitorado, prefere não aprovar leis que concedam direitos às minorias alvo da discriminação. Assim, restam as uniões homossexuais marginalizadas e excluídas do sistema jurídico. No entanto, a ausência de lei não significa inexistência de direito. Tal omissão não quer dizer que são relações que não mereçam a tutela jurídica.
É no âmbito do Judiciário que, batizadas com o nome de uniões homoafetivas, as uniões de pessoas do mesmo sexo começaram a encontrar reconhecimento. Com isso as barreiras do preconceito vêm, aos poucos, arrefecendo e cedendo lugar a que os vínculos afetivos sejam compreendidos sem que se interrogue a identidade dos parceiros. Vencer o preconceito é uma luta árdua, que vem sendo travada diuturnamente, e que, aos poucos, de batalha em batalha, tem se mostrado exitosa numa guerra desumana." (Maria Berenice Dias, Manual de Direito das Famílias. Editora RT. 4.ª edição. 2007, pp. 182/183)  

A quebra das barreiras do preconceito teve um relevante marco no dia 05 de maio de 2012, quando o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277/DF e da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132/RJ, reconheceu a união estável para os casais do mesmo sexo, conferindo interpretação conforme à Constituição Federal para excluir qualquer significado do artigo 1.723 do Código Civil que obste o reconhecimento da união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
O art. 1.723 do Código Civil dispõe que: "É reconhecida como entidade familiar a união estável entre homem e mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família." 
O ministro Ayres Britto, relator das ações, argumentou que o artigo 3.º, inciso IV, da CF veda qualquer discriminação em virtude de sexo, raça, cor e que, nesse sentido, ninguém pode ser diminuído ou discriminado em função de sua preferência sexual. "O sexo das pessoas, salvo disposição contrária, não se presta para desigualação jurídica", observou o ministro, para concluir que qualquer depreciação da união estável homoafetiva colide, portanto, com o inciso IV do artigo 3.º da CF.
Com a decisão do STF, cuja eficácia é erga omnes e os efeitos são vinculantes, as uniões homoafetivas foram reconhecidas como uniões estáveis para todos os fins de direito, garantindo-se aos conviventes direitos como pensão alimentícia, herança, regulamentação da comunhão de bens e previdência, além de facilidades no tocante à adoção de crianças.
Há de se ressaltar que a decisão do STF reconheceu a união estável dos casais homoafetivos, não lhes assegurando, porém, expressamentecasamento civil. De todo modo, assim como a união estável, o casamento civil não pressupõe a oposição de sexo (ubi eadem ratio ibi idem jus), podendo, portanto, ser autorizado com base na decisão do STF, por analogia.
O Superior Tribunal de Justiça possui decisão específica autorizando o casamento civil homoafetivo, ao dar provimento, por maioria, ao Recurso Especial n.º 1.183.378/RS, em 25 de outubro de 2011, ressaltando o relator Luis Felipe Salomão que os arts. 1.514, 1.521, 1.523, 1.535 e 1.565 do Código Civil "não vedam expressamente o casamento entre pessoas do mesmo sexo e não há como enxergar vedação implícita ao casamento homoafetivo sem afronta a caros princípios constitucionais, como o da igualdade, o da não discriminação, o da dignidade da pessoa humana e os do pluralismo e livre planejamento familiar" (DJe 1º.02.2012). No entanto, como a decisão do STJ não possui efeitos vinculantes, é possível que a barreira do preconceito ainda se erija à habilitação do casamento civil homoafetivo, restando ao casal a alternativa de ajuizar uma ação judicial postulando a autorização para que o cartório proceda à habilitação ou converter, diretamente no cartório, a união estável homoafetiva, caso já estabelecida, em casamento, observado o disposto no art. 1.726 do Código Civil, com lastro no art. 226, § 3.º, da Constituição Federal.
Inspirados pela alvissareira orientação dos Tribunais superiores, os Tribunais de Justiça dos Estados de Alagoas, de São Paulo, de Sergipe e da Bahia já editaram provimentos estabelecendo que os cartórios de registro civil procedam à habilitação dos casamentos homoafetivos, rompendo em seus respectivos Estados, definitivamente, a barreira jurídica preconceituosa. 

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