A influência que determinadas produções literárias exerce sobre outras já existentes contribui para se chegar a uma conclusão superficial de que nada se gera ao acaso. Os estudos comparativos em literatura foram fundamentais, pois através deles pôde-se pensar que a literatura e a cultura latinas têm suas relações e especificidades em face da literatura e cultura grega, ou mesmo da Idade Média, que integrou e reformulou a herança clássica, bem como, no decorrer dos anos, em face de várias escolas literárias, sendo notório que a influência da cultura clássica está presente em muitos escritos, atravessando, portanto, as fronteiras do tempo.
Partindo dessa premissa, nosso trabalho fará um breve estudo em torno de duas produções literárias assaz conhecidas e reconhecidas por leitores de todo o mundo, a saber: o conto "A Bela e a Fera", escrito originalmente pela escritora francesa Barbot, Dama de Villeneuve (1740), e o romance "O Corcunda de Notre-Dame", do também francês Victor Hugo (1831). Tentaremos traçar algumas comparações entre ambas as obras, bem como suas influências para outras produções literárias, incluindo filmes e também as várias adaptações.
O conto de fadas "A Bela e a Fera" apresenta diferentes versões, sendo adaptado também ao cinema. De acordo com a versão de Barbot, conta a estória de Bela, uma moça humilde, dedicada, linda que adora ajudar seu pai, um mercador abastado. Um dia, o mercador perdeu toda a sua fortuna, teve que partir para tentar arrumar trabalho e sustentar suas filhas. Fugindo de uma tempestade, ele se abrigou em um castelo onde um monstro, a fera, impôs uma condição para ele viver: trazer uma de suas filhas para se oferecer em seu lugar. Bela se ofereceu para ir e os dois, Bela e Fera, passaram a se conhecer. A Fera foi se mostrando aos poucos como um ser sensível e amável, tratando Bela como uma princesa. Aos poucos Bela se apaixona por Fera e aceita o pedido de casamento que tanto Fera a propunha. Ao ouvir de Bela que aceitava seu convite, a Fera se transforma em um príncipe, casam-se e vivem felizes para sempre.
O conto "A Bela e a Fera" atravessou mundos e passou por várias adaptações. Foi tema de "romances de banca", A Bela e a Fera, em que uma babá (Laura) é contratada para cuidar da filha de um homem, Richard Blackthorne, que sofrera um acidente, e ficou com o rosto deformado. Ele apresenta bem suas virtudes interiores, os dois se apaixonam e têm um final feliz.
Uma adaptação moderna do conto é o livro "A Fera" do autor Alex Flinn. O cenário é a cidade de Nova York. "A arrogância do protagonista Kyle Kingson, um jovem rico e inteligente, faz com que ele seja amaldiçoado pela colega de classe Kendra após humilhá-la na frente de toda a escola. Transformado numa aberração e rejeitado pelos pais, Kyle passará uma temporada exilado no Brooklyn, onde precisará descobrir a beleza em si e assim, possivelmente, quebrar a maldição". (Wikipédia, a enciclopédia livre, 2011).
Não sabemos ao certo se, por influência, mas o conto de fadas "A Princesa e o Sapo" dos irmãos Grimm também apresenta uma estória parecida com "A Bela e a Fera", pois nele está também presente o contraste belo (princesa) e feio (sapo), embora não se percebam valores no sapo, apenas a beleza exterior depois do encanto que o transformou em príncipe.
O "Corcunda de Notre-Dame", do escritor Victor Hugo (1831) está inserido no romantismo e o enredo passa-se em Paris da Idade Média (1482), onde os acontecimentos ocorrem dentro e em torno da catedral de Notre-Daame. As personagens da estória proveem de todas as camadas sociais existentes em Paris na Idade Média: membros do clero e fidalgos cruzavam-se com ciganos e mendigos nas ruas. Assim sendo, dois personagens são relevantes para as comparações entre as obras: a cigana Esmeralda e o sineiro Quasímodo. Esmeralda é uma bela cigana, cortejada por alguns fidalgos e também por Quasímodo (o corcunda de Notre Dame). Embora corcunda, surdo e coxo, Quasímodo ama-a de uma forma desinteressada, incondicional, e enfrenta uma série de peripécias por conta desse amor não correspondido. No final, os dois morrem e, depois de muito tempo, o túmulo de Esmeralda é aberto e são encontrados dois esqueletos abraçados. Um deles, com uma visível deformação da espinha.
Esses dois personagens acima estudados, sobretudo Quasímodo, nos reporta ao conto "A Bela e a Fera" mais especificamente aos caracteres do Corcunda em relação à Fera. Ambos externamente deformados, feios, porém amáveis, cheios de valores, o que nos faz enxergar o que está além dos olhos, amar o que há de belo dentro das pessoas. Ou mesmo a aparência pode ser enganadora e o que realmente importa é o que temos a oferecer àqueles que amamos.
O "Corcunda de Notre-Dame" foi traduzido por várias línguas e adaptado também ao cinema. Em nossa Literatura brasileira serviu de estímulo para Bernardo Guimarães no romance "A Escrava Isaura" traçar o perfil do personagem Belchior: símbolo da estupidez submissa, corcunda, feio, cabeludo, porém de boa índole e apaixonado pela escrava Isaura.
Auricélia Fontenele
Prof.ª de Literatura
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