domingo, 9 de março de 2014

ENCONTRO MARCADO


Seu Gomes estava certo da visita. Havia contado o número de pedras do revestimento da parede da Matriz. Entre a primeira e a última, à época sinalizadas com um P e um U, havia 185 pedras, cuja soma resultava 14, o seu número da sorte. Contou 14 janelas abertas da barragem até sua casa. A escultura da deusa grega do seu quarto media 14 centímetros. A lua se tornaria crescente a partir do dia 14 do mês... Não havia dúvida, o dia marcado era mesmo 14 de fevereiro, dia de São Valentim, padroeiro dos namorados. 
Ao entregar o jornal no cartório, o tabelião lhe assegurou:
– Pode-se preparar, rei! Quarta-feira ela estará na Palma para lhe ver. 
O dono da farmácia confirmou a informação:
– Ela virá de helicóptero e pousará no campo de aviação. 
– Quarta-feira, agora?!
– Sim, quarta-feira! 
Não conseguia disfarçar a ansiedade. Iria enfim conhecer sua rainha. Tratavam-na por princesa Diana, mas na cabeça dele era a sua rainha, que viria do distante Reino Unido para conhecê-lo.  
A própria princesa teria conversado com ele pelo telefone, combinando os detalhes da chegada, num português bastante claro.
As pessoas tratavam-no como rei sarcasticamente. Nada obstante, ele estava convicto da sua condição de monarca, somente não exercendo os poderes inerentes ao cargo, segundo seus conselheiros, por uma infeliz circunstância: a falta de uma rainha. 
Na véspera do encontro, quase não dormiu à noite. Levantou-se no meio da madrugada para mudar de lugar um paralelepípedo da rua, por um estranho pressentimento. Mudou de canto também a estátua da deusa grega no seu quarto. Contou novamente o número de pedras entre o P e o U da igreja... A noite parecia não ter fim.
Acordou bastante enfadado, com o pensamento em disparada, dores no corpo e um irritante barulho no ouvido esquerdo. Foi até a farmácia, comprou alguns medicamentos para dor de cabeça e saiu confiante após o piscar de olho do farmacêutico. 
Às 9 da manhã, vestido num terno surrado, com a melhor calça de linho e o sapato engraxado, seguiu solene pela rua rumo ao campo de aviação. No meio do caminho, colheu três flores numa roseira, amarrou-as numa fita e seguiu com um aspecto ainda mais sereno, com o singelo buquê na altura do peito. 
Um séquito de curiosos logo se pôs a acompanhar com euforia os passos do rei. Alguns perguntavam, em  meio a risos e gritos de canalhice: 
– Aonde esse maluco vai todo enfeitado?
Quando o vistoso rei chegou ao campo de aviação, a multidão contava para mais de quinhentas pessoas. Aos poucos cada um foi sabendo do encontro mirabolante. Ninguém para além dele acreditava na vinda da princesa Diana, mas ainda assim todos permaneceram na vigília jocosa.
Houve fogos de artifício, discursos, aplausos, orações e muita galhofa, mas nem sinal do helicóptero da princesa. Depois de algum tempo, cada um foi tomando seu rumo, até que por volta do meio-dia restou apenas o nosso solitário rei, no meio do sol quente, ensopado de suor, com a visão turva de tanta fome, sede e desolação.
A despeito de tudo, o rei permaneceu estoico, com as rosas na mão, no meio do sol quente do campo de aviação, não dando ouvido aos parentes que chegaram tentando dissuadi-lo da ideia disparatada. Não aceitou a comida, a água e nem a sombrinha que lhe ofereceram, demonstrando disposição para esperar pela princesa até quando as forças do seu corpo franzino permitissem. 
Felizmente, antes do final da tarde, uma alma engenhosa apresentou-lhe uma carta, supostamente assinada de próprio punho pela princesa. Diana justificava o cancelamento da visita por um problema de saúde e garantia-lhe que em breve realizaria o sonho de conhecê-lo. A carta fora redigida em português bastante ruim, mas animou-lhe particularmente o encerramento, que dizia: 
Kisses and embraces
E só então nosso rei, cheio de sonhos, resolveu retornar para casa.

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