Não hei de negar que devo algo à meritocracia. Graças sobretudo aos estudos, muitos coreauenses, assim como eu, saíram de uma situação de quase miséria para uma vida melhor. Não obstante, não me entusiasma a nossa meritocracia tradicional despreocupada com as disparidades da vida.
A meritocracia capenga ainda predominante entre nós considera em pé de igualdade, p. ex., aquele sujeito que sempre estudou em colégio particular de renome e aquele outro, filho de pescador, estudante de escola pública sucateada e que ainda teve de trabalhar desde cedo para contribuir para o sustento da família.
Nessas condições, é natural que a elite socioeconômica defenda com ênfase o modelo de meritocracia calcado numa igualdade meramente formal; é natural que essa elite sinta calafrios ao defrontar a política de cotas que vem sendo corajosamente implantada no Brasil.
Historicamente, as vagas das ocupações mais cobiçadas eram quase exclusividade dos filhos da elite. Uma ou outra exceção perdida somente justificava a regra. Diante desse cenário, destinar uma reserva de vagas no ensino superior e em concursos públicos para pobres, negros e índios tem sido ultrajante para a elite, inconformada com a perda de vagas que naturalmente considerava suas.
Depois de 500 anos, o modelo de meritocracia começa a mudar. De um modelo estático pautado na igualdade formal, passa-se paulatinamente, na contramão da resistência elitista, a um modelo dinâmico, atento às reais condições de desigualdade.
Muitos coreauenses, assim como eu, mesmo no modelo tradicional de meritocracia, conquistaram, pelo sacrifício pessoal e pela confluência de outros fatores, um espaço ao sol, mas muitos outros ficaram pelo caminho; na verdade, a grande maioria ficou pelo caminho, vitimada pelas vicissitudes da vida e pela indiferença de um Estado caolho.
Sou uma exceção à regra da meritocracia tradicional e não me ufano por isso. Não poderia sinceramente render loas a um sistema cuja regra acabou eliminando quase todos aqueles que partiram junto comigo. Prefiro festejar o sistema de cotas, que promove uma meritocracia com olhos postos na justiça social. Prefiro render loas a um sistema que se preocupa em promover a igualdade substancial.
Um comentário:
Belissimo,corajoso e verdadeiro o artigo do amigo. Esse texto, como diria mino carta, se tivessemos uma imprensa, mídia e quejandos serios,seria o editorial de seus principais veículos de comunicação, dada a riqueza da reflexão da nossa realidade brasileira como forma de pedagogicamente informar e formar um cidadão politicamente consciente!.
Um forte abraço,
Gilmar Paiva
Postar um comentário