sábado, 31 de março de 2012

O MUNDO DE SOFIA - UMA LEITURA ESSENCIAL



DOIS CÍRCULOS CULTURAIS

PÓS-ESCRITO

        "O que estou tentando mostrar, cara Sofia, é que tudo está inter-relacionado. A entrada do cristianismo no mundo greco-romano significou o encontro dramático de dois universos culturais. Mas significou também uma grande transformação histórico-cultural.
         Estamos quase deixando para trás a Antiguidade. Quase mil anos são passados desde os primeiros filósofos gregos. À nossa frente se descortina agora a Idade Média. E ela também durou cerca de mil anos.
         O poeta alemão Johann Wolgang von Goethe escreveu:

         Wer nicht von dreitausend Jahren
         Sich weiß Rechenschaft zu geben,
         Bleib im Dunkeln unerfahren,
         Mag von Tag zu Tage leben.

         E uma possibilidade de tradução seria a seguinte:

         Quem, de três milênios,
         Não é capaz de se dar conta
         Vive na ignorância, na sombra,
         À mercê dos dias, do tempo.

      E eu não quero que você seja uma dessas pessoas. Estou me esforçando ao máximo para familiarizá-la com suas raízes históricas, pois só assim você se tornará uma pessoa de verdade. Só assim você será mais do que um macaco sem roupas. Só assim você não vai ficar flutuando no espaço vazio.
           
        "Só assim você se tornará uma pessoa de verdade. Só assim você será mais do que um macaco sem roupas..."
      Sofia ainda ficou algum tempo olhando o jardim por entre os galhos de sebe. Aos poucos ela ia entendendo o quando era importante conhecer suas raízes históricas. Pelo menos para o povo de Israel tinha sido importante.
       Ela própria não passava de uma pessoa comum. Mas se viesse a conhecer suas raízes históricas, ela passaria a ser alguém menos comum. Sofia sabia que viveria apenas alguns anos neste planeta. Mas se a história da humanidade era também a sua própria história, de certa forma ela, Sofia, já tinha alguns milhares de anos.
   Sofia reuniu todas as páginas e saiu engatinhando de seu esconderijo. Atravessou o jardim com passos firmes, entrou em casa e foi para o seu quarto."  

(O Mundo de Sofia, Jostein Gaarder, p. 180/181. Cia das Letras)

sexta-feira, 30 de março de 2012

SOLIDARIEDADE AOS BLOGUEIROS DA PALMA

Fco Eliton A Meneses Grande Romildo, é notório que seu blog prima pela imparcialidade, não promovendo propaganda antecipada de candidato algum; portanto, lamentamos bastante a decisão judicial. Noutro passo, é deveras doloroso prestar voluntária e graciosamente um serviço de utilidade pública de suma relevância para a população regional e ainda ser alvo de notificação judicial! Mas não é hora de desânimo; muito pelo contrário, se chegaram a tal ponto é porque reconhecem o potencial do blog como veículo formador de opinião! Assim, a caravana tem que continuar passando, com altivez e segurança, sem tocar claro em questões eleitorais, porque a imprensa é pública e pretensamente imparcial, e as eleições se avizinham. De todo modo, pensar em encerrar o blog é cair no canto da sereia, porque talvez seja o sonho acalentado por uma risível minoria, sedenta pelo retorno ao obscurantismo da desinformação. O seu RM no Foco, Romildo, é um grande patrimônio imaterial da nossa Palma e tem que continuar, porque as coisa grandes não detêm o passo diante de obstáculos pequenos! Mais uma vez nossa incondicional solidariedade!
P.S.: Tais palavras são extensivas, mutatis mutandis, ao companheiro Benedito Aguiar (Bob), do blog Coreaú Online (Notícias de Coreaú), a quem também prestamos nossa solidariedade. 

quarta-feira, 28 de março de 2012

DEFENSORIA PÚBLICA. INTIMAÇÃO PESSOAL. ENVIO DOS AUTOS


"(...) a despeito da presença do defensor público na audiência de instrução e julgamento, a intimação pessoal da Defensoria Pública somente se concretiza com a respectiva entrega dos autos com vista, em homenagem ao princípio constitucional da ampla defesa." (STJ, 3ª Turma) cf. http://www.stj.jus.br/portal_stj/publicacao/engine.wsp?tmp.area=398&tmp.texto=105198

sábado, 24 de março de 2012

CONFISSÕES DE UM POETA


"De como o poeta conheceu Drummond eu já sabia, desde os idos de 1998, na velha 1665; agora quero saber como conheceu Rimbaud, Poe, Borges, Rilke (...)" Fco. Eliton: 20.03.2012.
Blog do Gilmar Paiva: Fortaleza, 24 de março de 2012: Caro e dileto amigo Eliton, Poe foi herança de livros deixados pelo meu irmão que partia para metrópole. Rilke devo a cidadela 1665, poi...

ARTHUR RIMBAUD



Jean-Nicolas Arthur Rimbaud (*20.10.1854 +10.11.1891) foi um gênio da poesia que produziu suas obras mais impressionantes quando ainda era adolescente, sendo descrito por Victor Hugo, à época, como "um jovem Shakespeare". Rimbaud viveu mais 18 anos, depois de abandonar a poesia aos 19 anos de idade. Não que ele tenha exaurido o demônio, mas o seu gênio, ou um outro eu, o deixara exasperado, forçando-o ao exílio, segundo Harold Bloom. 
Como parte do movimento decadente, Rimbaud influenciou a literatura, a música e a arte modernas. Era conhecido por sua fama de libertino e por uma alma inquieta, viajando de forma intensiva por três continentes antes de morrer de câncer aos 37 anos de idade.   
A poesia de Rimbaud, bem como sua vida, impressionou escritores, músicos e artistas do século XX. Pablo Picasso, Dylan Thomas, Allen Ginsberg, Vladimir Nabokov, Bob Dylan, Patti Smith, Giannina Braschi, Léo Ferré, Henry Miller, Van Morrison e Jim Morrison foram influenciados por sua poesia e por sua vida.
A vida de Rimbaud foi retratada em vários filmes. Em Una stagione all'inferno (Uma Temporada no Inferno), de 1970, do cineasta italiano Nelo Risi, o  poeta foi interpretado por Terence Stamp; em 1995, a cineasta polonesa Agnieszka Holland dirigiu Eclipse Total de uma Paixão, no qual Leonardo DiCaprio interpreta Rimbaud.  
Rimbaud tornou-se uma grande referência para a poesia do século XX, servindo de argumento à tese que nascia sobre a impossibilidade de ser considerada a dissociação entre o poeta e sua poesia. O poeta, assim, vive e é sua poesia  pensamento vigente ainda hoje, segundo algumas escolas. 


Un poème d'une simplicité apparente. D'un lyrisme contenu et efficace. Entre le corps et le sentiment. Rimbaud n'a que seize ans. Rupture avec l'ingénuité enfantine. Du paysage exterieur au paysage intérieur. Une ascension spirituelle et contemplative qui transcende l'espace et le temps. 

SENSAÇÃO 

Nas tardes azuis de verão, irei pelos vergéis,
Picado pelo trigo, a pisar a erva miúda:,
A sonhar, sentirei um frescor sob os  pés,
E o vento há de banhar-me a cabeça desnuda.

Em silêncio, eu não pensarei em nada:
Mas o amor infinito montará minh'alma,
E irei longe, muito longe, com o pé na estrada,
Pela natureza, feliz  na companhia da amada. 

Arthur Rimbaud

sexta-feira, 23 de março de 2012

SALVE O GÊNIO DO HUMOR!



CHICO ANYSIO - NOSSO GRANDE GÊNIO DO HUMOR
* 12.04.1931 + 23.03.2012



Chico Anysio não está mais entre nós. Um imenso vazio invadiu todo o País nesse 23.03.2012. Confesso que me emocionei bastante – e até marejei os olhos – com a partida do grande mestre do humor e com as tantas homenagens que lhe foram devotadas, na televisão, na internet, no futebol (...).
Chico Anysio não foi somente um grande artista, foi um gênio. Um gênio na mais plena acepção da genialidade. Chico Anysio, tal qual Shakespeare, multiplicou personagens, não somente os inventando – todos os 209 – com características semelhantes às conferidas pela própria natureza, mas dando-lhes vida própria, atuando com eles no palco, tal qual Charles Chaplin, magistralmente.
Sempre adorei o artista, como todos os seus personagens, especialmente o Professor Raimundo, que me acompanhou durante toda a infância e adolescência. Hei, porém, de ressaltar também o homem, a despeito de lamentavelmente nunca o ter encontrado pessoalmente. O Chico homem me despertou uma particular simpatia desde os idos de 1997, aos meus 19 anos, quando, em minha primeira visita ao Rio de Janeiro, tendo ficado hospedado próximo ao apartamento onde ele, à época, morava, tive excelentes impressões a seu respeito. As pessoas o veneravam, dos mais bastardos aos mais humildes, não apenas pelo grande talento que possuía, mas sobretudo pela sua especial simplicidade e simpatia. Chico tratava todos igualmente; os porteiros dos edifícios, quase todos nordestinos, o reverenciavam igualmente a Padre Cícero. Um deles me confidenciou que Chico era tão autêntico que no seu apartamento, na cobertura do prédio, resolveu, a contragosto do síndico, plantar um coqueiro, talvez para se sentir mais próximo do seu Ceará. E plantou... De longe ainda contemplei a copa da frondosa árvore.
O extraordinário talento de Chico não se prestou apenas ao humor, mas também à música, ao cinema, à literatura, ao rádio, às artes plásticas (...). Poderíamos dizer, talvez ainda sendo injustos, que Chico foi um gênio de mil faces, tamanho o número e a qualidade de suas personagens. Alguém disse, na onda de homenagens póstumas, que, se ele tivesse nascido na Europa ou nos Estados Unidos, teria sido reverenciado no mundo todo. Decerto nossas limitações de país dominado não permitiram projetar o talento do grande mestre para o mundo inteiro, mas, de todo modo, o gênio não obedece ao tempo nem ao espaço, tampouco depende de reconhecimento alheio. O gênio só depende do sopro divino que lhe confere a genialidade. Nisso decerto Chico Anysio foi soprado mais de 209 vezes.
Chico foi tão genial que resolveu ser genial inclusive na própria vida pessoal. Chico honrou como ninguém suas origens. Chico nunca esqueceu sua Maranguape, tornando o Ceará o maior celeiro do humor do Brasil. Com Chico, o viés do humor autodepreciativo do cearense ruiu por completo, pela sua elegância e inteligência. Com Chico o humor virou escola, permitindo-lhe, com sua generosidade e sensibilidade, desvendar e patrocinar tantos outros talentos pelo país inteiro, especialmente no Ceará, consolidado como a terra do humor. O Brasil aprendeu a sorrir não mais do cearense, historicamente vítima da seca, mas com o cearense, com sua inteligência, com sua irreverência, com a sua maneira de encarar o mundo. Marcou-me particularmente a emocionada homenagem que os humoristas cearenses prestaram ao grande mestre, uníssonos em admitir a orfandade com a partida do grande padrinho Chico Anysio, de quem sempre se despediam, em vida, tomando a sua bênção...  
Chico foi grande até ao morrer. Pediu que seu corpo fosse cremado e que metade de suas cinzas fossem lançadas na sede da emissora de televisão que considerava sua casa, no Rio de Janeiro, e a outra metade fosse lançada em Maranguape, sua terra natal, talvez para que suas cinzas fertilizem o solo cearense, fazendo nascer senão outros gênios iguais a ele, ao menos outros grandes talentos, que também elevem e dignifiquem o Ceará, como ele genialmente o fez. 
Salve Chico Anysio, o maior gênio do humor que o mundo conheceu!

Francisco Eliton A Meneses

quarta-feira, 21 de março de 2012

GRANDES ENCONTROS




"Se eu tivesse 3 mil páginas, não seriam suficientes para falar da importância de Noite Ilustrada. Mas como tenho só duas frases, só vou dizer que é mais um grande sambista que desfalca a nossa música popular brasileira. Fiz dois shows com ele no ano passado, e foi ótimo. Era um cantor de voz maravilhosa e uma divisão espetacular, mas, como dizia Zé Keti, a gente morre sem querer morrer." (Nelson Sargento, sambista mangueirense) (julho/2003)

"Noite Ilustrada foi um dos maiores intérpretes de samba que tivemos. É o que está faltando hoje, e a garotada que está chegando tem de ouvir seus discos para aprender com ele. Fiquei fã dele quando o vi cantar na Rádio Tupi, há muitos anos, e desde então virou meu ídolo. No ano passado, quando fui a Recife, fiquei feliz porque ele fazia sucesso lá. Estava arrebentando a boca do balão, embora tivesse fora da mídia aqui." (Noca da Portela, sambista) (julho/2003)

"Sempre fui um grande admirador não só de suas obras, como de sua pessoa. Fechei contrato com a gravadora Philips no mesmo ano em que Noite Ilustrada estourava com Volta por Cima. Nos tornamos muito amigos. Ele tinha um bar no Largo do Arouche, como eu morava perto estava sempre ali. Ele era um monstro, um baluarte da música." (Jair Rodrigues, cantor) (julho/2003)

Obs.: A caçamba é um balde preso a uma corda para tirar água dos poços, muito comuns nos morros cariocas d'outrora. Quando se joga a corda, o balde só alcança até o comprimento da corda, além de não ter serventia sem a corda; portanto, ser corda e caçamba é estar sempre junto, unido, como carne e unha...


segunda-feira, 19 de março de 2012

OS CÃES LADRAM E A CARAVANA PASSA


É preciso humor para não morrer de realidade.
É preciso destemor para prosseguir o caminhar.
É preciso ignorância para ofender a liberdade.
É preciso inteligência para poder incomodar.

É preciso precaver a censura.
É preciso um lampejo de luz.
É preciso agir com candura.
É preciso ler Manuel de Jesus.

É preciso tanger o pássaro negro,
Que teima em dizer: "- Never more!" 
É preciso não se apiedar do degredo, 
De forasteiro aspirante a capitão-mor.
r
É preciso não viver de esquivança.
É preciso calar quando o silêncio convém.
É preciso reinventar a esperança.
É preciso saber que o novo sempre vem.

Francisco Eliton A Meneses


P.S.: Nossa solidária homenagem – enlutada  – ao dia sem blog de Coreaú - 20.03.2012. 

sábado, 17 de março de 2012

LEON TOLSTOI


 Ah, que sujeito extraordinário!  exclamou o chefe. – Foi agraciado com muita terra!
O empregado de Pahóm chegou, correndo, e tentou erguê-lo, mas viu que o sangue lhe jorrava da boca. Pahóm estava morto!
Os Bashkir estalaram a língua, demonstrando compaixão.
O criado pegou a pá e cavou uma sepultura suficientemente longa para conter o corpo de Pahóm, e ali o enterrou. Um metro e oitenta e cinco, dos pés à cabeça, era tudo o que ele precisava. 
(De quanta terra precisa um homem? Tolstoi)


"Definir o gênio de Tolstoi é empreendimento absurdo; o escritor russo possuía a exuberância e a criatividade de Balzac e Hugo, mas quase nada da inibição e do atrevimento dos colegas franceses. A avaliação que Tolstoi faz da grande literatura é mais enigmática do que afrontosa. Ele censura Shakespeare, especialmente Rei Lear, mas aceita Falstaff, porque o mestre da espiritualidade "não fala como um ator". De certa forma, Tolstoi percebia que Shakespeare era o seu grande rival, como ficcionista. (...) Tudo o que Tolstoi escreveu, inclusive os tratados morais e teológicos mais desvairados, constitui leitura sumamente interessante. À semelhança de Shakespeare, tem-se, em Tolstoi, a ilusão de que a natureza é quem escreve. (...)" (Harold Bloom)      

VIDAS SECAS - A MORTE DA BALEIA



"A cachorra Baleia estava para morrer. Tinha emagrecido, o pêlo caíra-lhe em vários pontos, as costelas avultavam num fundo róseo, onde manchas escuras supuravam e sangravam cobertas de moscas. As chagas da boca e a inchação dos beiços dificultavam-lhe a comida e a bebida. Por isso Fabiano imaginava que ela estivesse com um princípio de hidrofobia e amarrara-lhe no pescoço um rosário de sabugos de milho queimados. (...) Então Fabiano resolveu matá-la. Foi buscar a espingarda de pederneira, lixou-a, limpou-a com o saca-trapo e fez tenção de carregá-la bem para a cachorra não sofrer muito. (...) Pobre Baleia. Escutou, ouviu o rumor do chumbo que se derramava no cano da arma, as pancadas surdas da vareta na bucha. Suspirou. Coitadinha da Baleia. Os meninos começaram a gritar e espernear (...) Como o animal estivesse de frente e não apresenta-se bom alvo, adiantou-se mais alguns passos. Ao chegar às catingueiras, modificou a pontaria e puxou o gatilho. A carga alcançou os quartos traseiros e inutilizou uma perna de Baleia, que se pôs a latir desesperadamente. (...) E Baleia fugiu precipitada, rodeou o barreiro, entrou no quintalzinho da esquerda, passou rente aos craveiros e às panelas de rosna, meteu-se por um buraco da cerca e ganhou o pátio, correndo em três pés. Dirigiu-se ao copiar, mas temeu encontrar Fabiano e afastou-se para o chiqueiro das cabras. Demorou-se aí um instante, meio desorientada, saiu depois sem destino, aos pulos. Defronte do carro de bois faltou-lhe a perna traseira. E, perdendo muito sangue, em dois pés, arrastando com dificuldade a parte posterior do corpo. Quis recuar e esconder-se debaixo do carro, mas teve medo da roda. Encaminhou-se aos juazeiros. Sob a raiz de um deles havia uma barroca macia e funda. Gostava de espojar-se ali: cobria-se de poeira, evitando as moscas e os mosquitos, e quando se levantava, tinha folhas secas e gravetos colados às feridas, era um bicho diferente dos outros. Caiu antes de alcançar esta nova arredada. Tentou erguer-se, endireitou a cabeça e estirou as pernas dianteiras, mas o resto do corpo ficou deitado de banda. Nesta posição torcida, mexeu-se a custo, ralando as patas, cravando as unhas no chão, agarrando-se nos seixos miúdos. Afinal esmoreceu e aquietou-se junto às pedras onde os meninos jogavam cobras mortas. Uma sede horrível queimava-lhe a garganta. Procurou ver as pernas e não as distinguiu: um nevoeiro impedia-lhe a visão. Pôs-se a latir e desejou morder Fabiano. Realmente não latia: uivava baixinho, e os uivos iam diminuindo, tornavam-se quase imperceptíveis. (...) Passou a língua pelos beiços torrados e não experimentou nenhum prazer. O olfato cada vez mais se embotava: certamente os preás tinham fugido. Esqueceu-os e de novo veio o desejo de morder Fabiano, que lhe apareceu diante dos olhos meio vidrados, com um objeto esquisito na mão. Não conhecia o objeto, mas pôs-se a tremer, convencida de que ele encerrava surpresas desagradáveis. Fez um esforço para desviar-se daquilo e encolher o rabo. Cerrou as pálpebras pesadas e julgou que o rabo estava encolhido. Não poderia morder Fabiano: tinha nascido perto dele, numa camarinha, sob a cama de varas, e consumira a existência em submissão, ladrando para juntar o gado quando o vaqueiro batia palmas. O objeto desconhecido continuava a ameaçá-la. Conteve a respiração, cobriu os dentes, espiou o inimigo por baixo das pestanas caídas. (...) Não se lembrava de Fabiano. Tinha havido um desastre, mas Baleia não atribuía a esse desastre a impotência em que se achava nem percebia que estava livre de responsabilidades. Uma angústia apertou-lhe o pequeno coração. Precisava vigiar as cabras: àquela hora cheiros de suçuarana deviam andar pelas ribanceiras, rondar as moitas afastadas. (...) Agora parecia que a fazenda se tinha despovoado. Baleia respirava depressa, a boca aberta, os queixos desgovernados, a língua pendente e insensível. Não sabia o que tinha sucedido. O estrondo, a pancada que recebera no quarto e a viagem difícil do barreiro ao fim do pátio desvaneciam-se no seu espírito. (...) A tremura subia, deixava a barriga e chegava ao peito de Baleia. Do peito para trás era tudo insensibilidade e esquecimento. Mas o resto do corpo se arrepiava, espinhos de mandacaru penetravam na carne meio comida pela doença. Baleia encostava a cabecinha fatigada na pedra. A pedra estava fria, certamente Sinhá Vitória tinha deixado o fogo apagar-se muito cedo. Baleia queria dormir. Acordaria feliz, num mundo cheio de preás. E lamberia as mãos de Fabiano, um Fabiano enorme. As crianças se esponjariam com ela, rolariam com ela num pátio enorme, num chiqueiro enorme. O mundo ficaria todo cheio de preás, gordos, enormes." (Graciliano Ramos)

segunda-feira, 12 de março de 2012

IMAGENS HISTÓRICAS



Aborígenes escravizados por ingleses na Austrália.

Eis o subterrâneo do esplendor da Era Vitoriana: exploração odiosa dos povos, sob o cínico pretexto de levar as "luzes da civilização" para o resto do mundo afundado nas "trevas da ignorância e da barbárie". Eis o cristão civilizado praticando o que era à época a última moda na Europa: capitalismo com escravidão. Eis o nosso ingênuo paradoxo, povo historicamente explorado: condenar somente a escravidão... 


Tuxaua Orlando: Um dos ícones da luta pela demarcação contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, homologada pelo Supremo Tribunal Federal, em março de 2009 (cf. PET 3388-4-RR). Esse homem simples e extremamente sábio, sempre vivendo nos altiplanos do extremo norte do Brasil, praticamente isolado do mundo, compreende muito bem o cinismo do homem "civilizado", no seu voraz propósito de escravizar outros povos do mundo, explorando-os material, cultural e espiritualmente, sob a bandeira do reles e vil metal, erigindo-se num mestre da defesa das causas das minorias excluídas e da construção ativa de um mundo mais justo.  
O honroso encontro com o grande líder da comunidade de Uiramutã se deu em março de 2010, coincidentemente por ocasião das comemorações de um ano da decisão do Supremo. No dia seguinte, o presidente Lula estaria no evento em alusão à data, que congregaria todas as etnias de Roraima na comunidade de Maturuca, a algumas léguas dali, vindo num voo com escala em Pacaraima, evitando parada na capital Boa Vista, onde a população revoltada com o propósito da visita presidencial já preparava insultosos manifestos.
Não pude ir, lamentavelmente, ao evento, apesar de gentilmente convidado; de todo modo, a conversa de duas horas com o tuxaua Orlando, regada a caxiri, a bebida típica dos macuxis, no terreiro da maloca, foi um surpreendente brinde ao meu encontro com o extremo norte do Brasil. Fiquei extremamente encantado com o grande homem, com os seus princípios, com os seus valores, com os seus conhecimentos da aldeia e do mundo, com a sua luta, que, de um modo geral, é a luta das minorias. Voltei a Boa Vista com as energias renovadas, com a bagagem repleta de experiência ímpar, e convicto de haver adotado a posição acertada no conflito demarcatório, malgrado esmagadoramente minoritária na terra de Makunaima.

quinta-feira, 8 de março de 2012

DIA INTERNACIONAL DA MULHER


       

 Bella,
 como en la piedra fresca
 del manantial, el agua
 abre un ancho relámpago de espuma,
 así es la sonrisa en tu rostro,
 bella.

Bella,
de finas manos y delgados pies
como un caballito de plata,
andando, flor del mundo,
así te veo,
bella.

Bella
con un nido de cobre enmarañado
en tu cabeza, un nido
color de miel sombría
donde mi corazón arde y reposa,
bella.

Bella,
no te caben los ojos en la cara,
no te caben los ojos en la tierra.
Hay países, hay ríos,
en tus ojos,
mi patria está en tus ojos,
yo camino por ellos,
ellos dan luz al mundo
por donde yo camino,
bella.

Bella,
tus senos son como dos panes hechos
de tierra cereal y luna de oro,
bella.

Bella,
tu cintura
la hizo mi brazo como un río cuando
pasó mil años por tu dulce cuerpo,
bella.

Bella,
No hay nada como tus caderas,
tal vez la tierra tiene
en algún sitio oculto
la curva y el aroma de tu cuerpo,
tal vez en algún sitio,
bella.

Bella, mi bella,
tu voz, tu piel, tus uñas,
bella, mi bella,
tu ser, tu luz, tu sombra,
bella,
todo eso es mío, bella,
todo eso es mío, mía,
cuando andas o reposas,
cuando cantas o duermes,
cuando sufres o sueñas,
siempre,
cuando estás cerca o lejos,
siempre,
eres mía, mi bella,
siempre.

(Pablo Neruda)                           

domingo, 4 de março de 2012

DICA DE PORTUGUÊS - O MESMO


É recomendável evitar o emprego - já banalizado - do pronome demonstrativo mesmo fora de sua função morfossintática. 
A expressão mesmo, etimologicamente, significa próprio, semelhante, exatamente igual, análogo, parecido, etc... Vem do latim vulgar: "metìpsìmus,a,um, sup. de metipse, da partícula met + pronome de ipse,a,um '(próprio), mesmo, mesma; ele mesmo, ela mesma; de si mesmo, de si mesma'; f.hist. 1265 meesma, sXIII mesmo, sXIII menesmo, sXIII meesmo, sXIII mismo", segundo Houaiss. 
O pronome demonstrativo mesmo designa um termo igual a outro que já ocorreu no texto: "A reclamação da população é sempre a mesma". Ou é utilizado como reforço dos pronomes pessoais: "Ele mesmo passou a roupa".
Se, v.g., alguém requer o levantamento do depósito realizado por outrem, em favor do mesmo, não há precisão quanto a quem favorecerá o levantamento. Em favor de alguém ou de outrem? Não dá para saber, ainda que se tolere o emprego vulgarizado do demonstrativo mesmo, fruto de uma certa ojeriza - infundada, gize-se - pelos termos ele, ela, esse, essa, desse, dessa, dele, dela...
O emprego excessivo do mesmo demonstra especialmente pobreza de estilo, como pondera Napoleão Mendes de Almeida. Imaginem Camões declamando: "Mas não servia ao pai, servia a mesma, E a mesma só por prêmio pretendia." (Gramática Metódica).
Houve tempo em que o mesmo tornou-se modismo, mormente em meio ao palavreado policialesco, e até mestres da pena, por descuido, lançaram mão do mesmoMas foi um modismo que não prosperou, por razões etimológicas, sintáticas e estilísticas.  
É preferível, portanto, não complicar, sigamos Camões: "Mas não servia ao pai, servia a ela, E a ela só por prêmio pretendia."  

REFLEXÕES - A FUNÇÃO DA IGUALDADE


A única solução do problema da liberdade está na igualdade. "Até porque não há verdadeira liberdade senão entre os iguais. Era o que sentiam os atenienses, quando respondiam aos emissários da pequena ilha de Melos - Isso de Direito só existe entre iguais. Entre fortes e fracos, os fortes fazem o que podem e os fracos sofrem o que devem". (Pollard,  The evolution of Parliament)                                                                                                                                             
"A democracia, devemos admitir, superou o desafio do comunismo histórico. Mas de que meios e ideais dispõe para enfrentar os mesmos problemas que deram origem ao desafio comunista?" (Norberto Bobbio)

GARDEL Y SINATRA: ANÉCDOTA DESCONOCIDA


En 1934 Carlos Gardel estava viviendo en la ciudad de Nueva York. Havía llegado desde Francia, contratado por la cinematográfica Paramount a fines de realizar una serie de películas para el público hispanoparlante. 

Entre filmación y filmación Carlitos mataba el tiempo cantando por radio. A principios de ese año la prensa neoyorkina anuncia que habrá dos nuevos programas en la cadena WEAF-NBC a partir del 14 de enero, los cuales serán un programa semanal con la orquesta de Richard Hommer y la segunda nueva programación incluirá la presentación de Carlos Gardel, barítono argentino (textual), todos los día a las 21 horas. 

La National Broadcasting Corporation (NBC) era un poco como Radio Belgrano en la Argentina: ni tan populachera como Radio Porteña ni tan finoli y nariz levantada como Radio El Mundo. Decenas de millones de yankis seguían sus programas de costa a costa tratando de olvidar las penurias 

Es entonces que a ver y escuchar el programa de Gardel llega una noche de ese gélido invierno de 1934 un muchacho venido de la barriada de Hoboken en la vecina Nueva Jersey. 

Se trata de Francesco Albertino Sinatra Agravantes, hijo de genovesa y siciliano que a sus apenas 18 años de edad no ha dejado macana sin hacer: ha sido expulsado la escuela tras innumerables amonestaciones por su caracter provocador. Sus incursiones laborales: camionero, repartidor de diarios, cadete, etc. terminaban siempre en el abandono de todos esos trabajos. 

Al filo de la ley, es un pibe rápido pa los mandados, sobre todo los de los mafiosos de cabotaje, lo que le lleva a tener mas de una entrada en las comisarías. En plena juventud, Frank Sinatra anda a los tumbos por la vida. 

Si esa noche concurre a los estudios de la NBC a escuchar a Gardel, es un poco porque le gusta la música y un mucho porque quien le insiste en ir para alejarlo de las malas compañias, es su novia Nancy Barbato, que tambien desciende de inmigrantes italianos, nacida en Nueva Jersey.

Sinatra queda embelesado al escuchar a Gardel y cuando termina el programa se atreve a acercarse junto a Nancy para saludarlo. Medio en italiano y medio en castellano se establece el diálogo. Gardel le pregunta a que se dedica y Sinatra calla, notandosele avergonzado. 

Nancy entonces le cuenta a Gardel que su novio está desperdiciando su talento ya que tiene una voz muy hermosa, y en vez de cultivarla anda todo el día con otros muchachones de dudoso vivir. Gardel entonces le pone una mano en el hombro y le dice a Sinatra: -"Mirá ragazzino, cuando yo tenía tu edad, andaba allá en Buenos Aires como vos andás ahora en Nueva York. Pasaba todo el día en compañía no muy recomendable cerca del mercado de Abasto, con squenunes como los que vos frecuentás. Especialmente con unos malandrinos genoveses, los fratelli Traverso, cuyo padre tenía una fonda llamada O´Rondeman, que era una guarida de la Mano Negra, la Camorra y tutti cuanti. Logicamente cada dos por tres me portaban en galera. No te voy a decir que ahora soy un santo, pero el cantar no solo me dio fama y fortuna, también me apartó de ese ambiente donde solo me esperaba pudrirme en la carcel o morir violentamente".
 
Sinatra lo escuchaba atentamente y en algún momento se atreve a preguntar: -"Mister Gardel, ¿usted que me aconseja que haga?".
 
Gardel le contesta: - "Por lo pronto ragazzino, aprovechá que estás aquí en la radio y anotate en un concurso de cantantes que creo que se llama "Major Bowes Amateur Hour". Hacelo ragazzino que con probar nada se pierde".
 
Sinatra le hizo caso Se presentó a ese concurso acompañando al trío Three Flashes, que para la ocasión se hicieron llamar Hoboken Four (todos vivían en ese barrio de Nueva Jersey) y ganaron el primer premio, lo que les llevó a una gira patrocinada por el programa. No obstante, por desavenencias con el resto de sus compañeros, a los tres meses Sinatra abandonó la gira. Pero ya la simiente de su fulgurante carrera artística estaba plantada gracias al oportuno consejo que le diera ese barítono argentino en los pasillos de la NBC.

Muchos años después de estos episodios, el consagradísimo en todo el orbe Frank Sinatra llegó en agosto de 1981 por primera vez y unica vez a la Argentina y debutó en el Luna Park de Buenos Aires ante 20.000 personas en un concierto que interpretó sus más famosas canciones. Se sintió muy identificado con nuestra gente. 

Afirmó que apreciaba a los argentinos. Le gustaba el asado y el vino -de hecho, lo calificó de excelente-. Según La Voz , el espectáculo que dio en el Luna Park fue uno de los mejores shows que había hecho desde hacía mucho tiempo. Cuando subió al escenario, comentó: -"Se me puso la piel de gallina". ¿Por que tanta generosidad con este pasi al que recién llegaba y no estaría en el mas que unas cuantas horas. 

Muy pocos supimos que el día anterior, convenientemente camuflado para tratar de pasar de incógnito se hizo llevar hasta la zona del Abasto. Había pedido previamente al agregado cultural de la Embajada de EE.UU. que lo acompañaba, que tratara de ubicar donde había estado el café O´Rondeman. Este lo condujo a la esquina de Aguero y Humahuaca, donde un terreno baldío dejaba ver entre yuyales viejos cimientos. 

En la fría tarde porteña, Sinatra sacó de su sobretodo una amarillenta entrada de un espectáculo radial de 1934, la besó, la puso en tierra y para asombro de todos chapurreó en un castellano casi fonético : -"¿Dónde estarán Traverso, el Cordobés y el Noy, el pardo Augusto, Flores y el morocho Aldao… los guapos del Abasto rimaron mi cantar".
 
Y en voz fuerte para que todos lo oyeran La Voz agregó: -"thanks for helping me to live, Mister Gardel".

(www.portaldeamerica.com)



sábado, 3 de março de 2012

ANIVERSARIANTES DO DIA




Hoje, 03 de março de 2012, fazem aniversário meu filho e meu pai! João Pedro nasceu no mesmo dia em que o velho Oneon completava 70 (setenta) anos de idade. João Pedro faz 04 (quatro) anos e o avô 74. Oneon é uma verdadeira lenda vida da velha Palma, cujas estórias e lições me marcaram profundamente; João Pedro, o menino mais lindo e inteligente que já conheci, tão jovem e já tão cheio de estórias para contar.
Feliz aniversário e vida longa, com saúde e paz, para ambos.
Eis duas singelas homenagens: a primeira para o João Pedro; a segundo para o Seu Oneon.