domingo, 2 de abril de 2017

O RIO



Da curva do rio cheio avisto as ruínas da Ponte Velha. Na barreira à direita não vejo mais o juazeiro. As pedras, o Socavão e, mais adiante, a curva da barragem permanecem iguais. A mutambeira também resiste. O galho de onde pulávamos ainda é o mesmo, oscilante como sempre. Algumas coisas mudaram. Mudaram menos que eu. O cemitério velho foi tomado pelo mato. O castelo do Bolão está abandonado. Não há mais o campo beira-rio que me alimentou tantos sonhos num time chamado Vitória. Nos quintais, os muros substituíram as cercas. Os muros agora dividem as pessoas. Seu Onofre, Dona Terta e Seu Benedito Mussum não são mais testemunhas da cheia do rio. Seus quintais estão solitários, separados do rio por um muro. O pau-do-rio ainda tem o mesmo sabor. Sabor de uma infância ainda tão viva na memória. Quase trinta anos. Era um menino quando tomava banho neste rio todo santo dia. Quando descia de câmara de ar do Alto até a Barragem. Aprendi a nadar nele. Aprendi a viver nele. Zé Ponte dizia a cada cheia que descia um caixão preto na correnteza. Às vezes o rio roncava como anúncio de alguma tragédia. Quando a canoa virou na barragem, Zé Ponte teria avistado três caixões e escutado um ronco ensurdecedor. Zé Ponte também foi arrastado pelo rio da vida. Assim mesmo, os pássaros ainda cantam nos galhos da moita. O bigodeiro entoa o mesmo canto fascinante. Sonhava em ter um bigodeiro cantador. Os dois que tive eram bem ordinários. Hoje não tenho mais coragem de aprisioná-los. Bom mesmo é vê-los cantar em liberdade. Zé Mocó ainda arma suas poitas. Meu amigo Dedé parece um velho. Deve ter quarenta anos e já parece um velho. Pesca com o pai  e o filho já adolescente. Como o tempo passa! Zé Mocó está com o corpo tomado pelo vitiligo. Meu amigo Dedé segue o mesmo caminho. Muita gente que tomava banho no rio foi embora. Pescávamos piaba com anzol e garrafa furada. As mulheres lavavam roupa nas pedras, as moças tomavam banho no Socavão, os velhos no Poço do Carro e os meninos no rio inteiro. Diziam que havia uma cobra-grande na gruta da mutambeira. Na dúvida, preferia não mergulhar sozinho por lá. No canto da Meruoca ainda avisto o grande jacarandá. As lavadeiras não são as mesmas. São as filhas, as netas, das antigas lavadeiras. Alguns meninos são os mesmos, Dedé e eu permanecemos na beira do rio. É importante saber que algumas coisas não mudam, que ainda somos os mesmos e que mergulhamos como meninos, depois de tanto tempo, no mesmo rio.

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