segunda-feira, 15 de abril de 2013

OS ENSINAMENTOS DE JESUS



"A doutrina do Reino dos Céus, que era a principal pregação de Jesus, é certamente uma das mais revolucionárias entre as doutrinas que sacudiram e transformaram o pensamento humano. Pouco surpreende o fato de que o mundo da época não compreendeu todo o seu significado, recusando-se, com espanto, a apreender sequer a metade dos tremendos desafios que a doutrina oferecia aos hábitos e às instituições estabelecidas da humanidade. Pois a doutrina do Reino dos Céus, como Jesus parece ter afirmado, não exigia nada menos que uma transformação completa, uma depuração ousada e intransigente na vida da nossa exaurida raça, uma limpeza profunda, por dentro e por fora. (...)    
Os judeus estavam convencidos de que Deus, o Deus único do mundo inteiro, era um deus justo, mas também acreditavam que ele fizera um acordo com o patriarca Abraão, um acordo que era muito vantajoso para eles e que lhes garantia, no futuro, uma predominância sobre a Terra. Com desalento e raiva, viram Jesus destruindo suas mais preciosas certezas. Deus, ele ensinava, não fazia acordos com ninguém; não havia um povo escolhido, não havia favoritos no Reino dos Céus. Deus era o pai amoroso de toda a vida, incapaz, como o Sol universal, de favorecer quem quer que fosse. E todos os homens eram irmãos – tanto os pecadores quanto os filhos amados – para esse pai divino. (...)
Mas Jesus não ofendeu apenas o imenso patriotismo tribal dos judeus. Eles valorizavam imensamente a lealdade familiar, e Jesus acabaria liquidando as superficiais e restritivas afeições familiares na grande inundação do amor de Deus. O Reino dos Céus seria a família dos seus seguidores. (...)
E Jesus não apenas atingiu o patriotismo e os laços de família em nome do Deus Pai e da irmandade de toda a humanidade; fica claro que sua pregação condenava todas as gradações do sistema econômico, todas as riquezas e vantagens pessoais. Todos os homens pertenciam ao reino; todos os seus bens pertenciam ao reino; a vida virtuosa para todos os homens, a única virtude possível, era servir a vontade de Deus com tudo o que possuíssemos, com tudo o que fôssemos. Muitas e muitas vezes Jesus denunciou riquezas privadas e individualismos. (...)
Além disso, em sua extraordinária profecia sobre esse reino que uniria todos os homens em Deus, Jesus demonstrou ter pouca paciência com a retidão de barganha da religião formal. Uma grande parte de seus discursos critica a meticulosa observância de ritos religiosos. (...)
Por mais que os ouvintes de Jesus, surdos e cegos, não tenham compreendido os seus discursos, eles compreenderam bem seu firme propósito de revolucionar o mundo. O teor da oposição que se levantou contra ele, as circunstâncias de seu julgamento e sua execução mostram com clareza que, aos olhos de seus contemporâneos, seu propósito evidente parecia ser, e era mesmo, transformar e unir e expandir a vida humana por inteiro.
Com base no que ele disse de forma clara, será de admirar que todos os homens ricos e prósperos tenham se horrorizado e temido coisas estranhas, que seu mundo tenha sido ameaçado pelas coisas que ele disse? Jesus estava expondo à luz de uma vida religiosa universal tudo que eles haviam escondido na vida social. Ele era uma espécie de caçador implacável que tirava os seres humanos das tocas aconchegantes em que eles haviam vivido até então. No clarão do seu reino não haveria propriedade, privilégio, orgulho ou primazia, não haveria motivos, a única recompensa seria o amor. Será de se admirar que os homens tenham ficado estonteados e ofuscados, que o tenham acusado? Até seus discípulos o acusaram, quando ele não os poupou da luz. Será de se admirar que os sacerdotes tenham percebido que entre Jesus e o sacerdócio, que um dos dois teria de perecer? Será de se admirar que os soldados romanos, confrontados e espantados com algo que pairava acima de sua compreensão e que ameaçava suas vidas rotineiras, tenham reagido com  risos e zombarias, fazendo dele uma imitação de César, com uma coroa de espinhos e um manto púrpura? Pois levar Jesus a sério significava ingressar numa vida estranha e inquietante, abandonar hábitos, controlar instintos e impulsos, experimentar uma felicidade inacreditável..."
(H. G. Wells. Uma Breve História do Mundo. L&PM Pocket. pp. 177/182)      

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