Por quase uma década, regularmente, percorri uma rua entre a Duque de Caxias e a Domingos Olímpio. Até aqui nada de mais, a Avenida do Imperador é conhecida de todos os fortalezenses, eu imagino, dois colégios tradicionais da cidade e classes bem diferentes. Nessa mesma rua, na casa K, havia uma velha que durante muito tempo ao me aproximar me pedia um cigarro, eu nada respondia. Pensava que talvez fosse apenas a força do habito e da dependência de longos anos de fumo. O curioso é que todas as vezes que eu a mirava nos olhos ela falava exatamente da mesma maneira de outras tantas vezes em que eu me aproximava da casa de porta e janela. Para meu espanto, um dia me aproximava e num gesto inconsciente resolvi antes que proferisse o seu mantra ao desconhecido, sorri sem reservas, e ela não me pediu cigarro como de outras vezes. Ela simplesmente sorriu muito satisfeita, como se sorri a um velho conhecido. Resolvi não mais cruzar a calçada da casa K. Fiquei com a impressão de que o que ela realmente me pedia não era apenas a velha lembrança do vício, o que queria talvez fosse simplesmente um contato, estranho que fosse, mas um contato.
Gilmar Paiva
Poeta
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