sexta-feira, 1 de março de 2013

O LERUÁ NO SERINGAL



– Como é que pode, rapaz! Como é que pode?! 
Bradou Vicente Chico no pátio da mercearia modesta do decadente seringal. A dívida acumulada pelo seringueiro já não permitia novos acréscimos. O minguado salário dos próximos meses não comportaria nem mais um trago de cana.   
– Bota mais uma, rapaz! Bota aí mais uma! Eu sou é o Vicente Chico! O campeão do Leruá de Coreaú e de toda a região da Serra da Meruoca!
Insistiu Vicente Chico, já furioso, aos requebros e gatimanhos no terreiro, em meio à mata fechada do seringal paraense, articulando precariamente as palavras céleres e quase incompreensíveis.
O segundo ciclo da borracha havia cessado, com o fim da Segunda Guerra Mundial. Na Amazônia, os seringais estavam em extinção. Os remanescentes dos "soldados da borracha" começavam a voltar, quase todos, para o seu Nordeste, dentre eles Vicente Chico e Oneon, endividados, adoentados e sem perspectiva de vida.
O comerciante gaúcho, até então, nunca ouvira falar em Coreaú ou em Serra da Meruoca. Também não fazia a mínima ideia do que viria a ser o Leruá. Mas ficou um tanto intrigado pelo fato de aquele humilde seringueiro – alto e magricela – afirmar-se campeão em alguma coisa.
Oneon cedeu aos apelos de Dona Fransquinha e saiu contrariado de sua cabana em busca de Vicente na bodega do seringal. Ainda ao longe avistou a dança indignada do conterrâneo no terreiro e não conteve a  apreensão com uma possível represália da capangada. Ao aproximar-se, porém, viu aliviado que o próprio comerciante findou oferecendo ao irrequieto seringueiro uma dose de cana, arrefecendo-lhe o ânimo para tentar aplacar a curiosidade:
– O senhor é campeão mesmo em quê?
– Sou o campeão do Leruá da região da Serra da Meruoca, rapaz!
Antes que a conversa encompridasse, Oneon interveio, intimando o camarada para retornar para a cabana, onde a mulher o aguardava pressurosa.
Vicente declarou que homem nenhum o tiraria da bodega. E, diante da ameaça do camarada de levá-lo na marra, encarou irônico a pouca estatura do conterrâneo afoito e arrematou:
– Só acho pouco é o volume!  

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