quinta-feira, 17 de maio de 2012

RIO JAGUARIBE - DEMÓCRITO ROCHA



Rio Jaguaribe
  
O Rio Jaguaribe é uma artéria aberta  
por onde escorre
e se perde
o sangue do Ceará.
O mar não se tinge de vermelho
porque o sangue do Ceará
é azul ...
 
Todo plasma
toda essa hemoglobina
na sístole dos invernos
vai perder-se no mar.
 
Há milênios... desde que se rompeu a túnica
das rochas na explosão dos cataclismos
ou na erosão secular do calcário
do gnaisse do quartzo da sílica natural ...
 
E a ruptura dos aneurismas dos açudes...
Quanto tempo perdido!

E o pobre doente — o Ceará — anemiado,
esquelético, pedinte e desnutrido —
a vasta rede capilar a queimar-se na soalheira —
é o gigante com a artéria aberta
resistindo e morrendo
resistindo e morrendo
resistindo e morrendo
morrendo e resistindo...
 
(Foi a espada de um Deus que te feriu
a carótida
a ti — Fênix do Brasil.)
 
E o teu cérebro ainda pensa
e o teu coração ainda pulsa
e o teu pulmão ainda respira
e o teu braço ainda constrói
e o teu pé ainda emigra
e ainda povoa.
 
As células mirradas do Ceará
quando o céu lhe dá a injeção de soro
dos aguaceiros —
as células mirradas do Ceará
intumescem o protoplasma
(como os seus capulhos de algodão)
e nucleiam-se de verde
— é a cromatina dos roçados no sertão...
 
(Ah, se ele alcançasse um coágulo de rocha!)
 
E o sangue a correr pela artéria do rio Jaguaribe...
o sangue a correr
mal que é chegado aos ventrículos das nascentes ...
o sangue a correr e ninguém o estanca...
 
Homens da pátria — ouvi:
— Salvai o Ceará!
 
Quem é o presidente da República?
Depressa
uma pinça hemostática em Orós!
 
Homens —
o Ceará está morrendo, está
esvaindo-se em sangue ...
 
Ninguém o escuta, ninguém o escuta
e o gigante dobra a cabeça sobre o peito
enorme,
e o gigante curva os joelhos no pó
da terra calcinada,
e
— nos últimos arrancos — vai
morrendo e resistindo
morrendo e resistindo
morrendo e resistindo

Demócrito Rocha