sábado, 20 de maio de 2017

NONATO


Num mundo, em regra, tão egoísta como o nosso, é sempre importante ressaltar o encontro com pessoas altruístas. Em Coreaú, ainda menino, encontrei uma delas. Nonato estudara para ser padre. No seminário de Recife, porém, viu o que não gostaria de ver e, decepcionado, largou a vida religiosa. Arranjou um emprego público, mas, pouco tempo depois, com o juízo avariado, voltou para Coreaú ainda jovem e aposentado.     
Como muitos outros meninos da minha geração, sentava toda noite no banco da Praça da Matriz para conversar com o Nonato, que, entre um cigarro e outro, contava-nos a sua vida. Interessava-me especialmente a parte do seminário. Os meninos arregalavam os olhos espantados com os episódios inusitados narrados pelo ex-seminarista, mas, quando ele falava da filosofia, do latim e da teologia que aprendera no seminário, apenas eu costumava ficar para ouvi-lo...    
Nonato era solteiro, vivia com a mãe e tinha três prazeres na vida: o primeiro era conversar toda noite com a meninada na praça; o segundo era fumar duas carteiras de cigarro por dia – fumava, mas não tragava, fazia questão de ressaltar – e o terceiro era distribuir seu aposento, logo que o recebia, com os meninos com quem conversava. Nessa divisão, adotava alguns critérios. Um deles era a carência da família do menino. Fiquei a meio caminho entre os que ganhavam mais e os que ganhavam menos. 
A mesada do Nonato era minha única fonte de renda. Com ela troquei o conga da escola, comprei o primeiro livro, paguei o conserto da bicicleta do meu pai... Fui embora aos quinze anos para Fortaleza, mas o Nonato continuou passando todo mês na porta de casa para deixar com minha mãe aquele dinheiro, até que, anos depois, a família o levou, já doente, para a capital.
Nonato acaba de falecer. Morreu como um pássaro, sem agonia, durante o sono da madrugada. Para pessoas como essa, que tanto fez o bem sem receber nada em troca, o que dizer num momento de partida? Além de muito obrigado, que vá em paz e receba em dobro, no Reino dos Céus, todo o bem que fizeste na vida.

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