A turma da 8.ª Série da Escola de 1.º Grau Vilebaldo Aguiar passara o ano organizando o passeio do final do curso. Fui escolhido líder e sobrou para mim, logo o mais tímido, a responsabilidade pela realização do passeio. Com o Livro de Ouro, começamos a arrecadar dinheiro. A pessoa escrevia o nome e o valor com que contribuiria com a turma. Muita gente contribuiu: políticos, comerciantes, funcionários públicos, até gente desempregada fazia questão de assinar o nome no Livro de Ouro... Antônio Cará, dono do bar mais tradicional da cidade, doou cento e vinte cruzeiros, quase o dobro do que havíamos arrecado até então. Fiquei surpreso com a generosidade. Chico da Bomba também doou. Perguntou de quem eu era filho, tirou cem cruzeiros do bolso e assinou o nome. Padre Rômulo doou quarenta cruzeiros. A maioria dava entre dez e quinze cruzeiros. Certo dia, a pedido de Djany e Dorinha, as duas colegas de turma mais engajadas, o professor Luiz Dico nos levou, em sua Pampa, até Moraújo, para rodarmos o Livro de Ouro. Voltamos com dezoito assinaturas, cento e trinta cruzeiros e a declaração do professor de que sairia candidato a prefeito na próxima eleição. No final do ano, arrecadamos a quantia considerável de dois mil e quinhentos cruzeiros e conseguimos acertar os detalhes do passeio. Iríamos ao Icaraí, próximo a Fortaleza, na época um balneário bastante concorrido. O prefeito recém-eleito disponibilizou um ônibus, a turma fretou outro; o vice-prefeito pagou a hospedagem em dois blocos de um condomínio no Icaraí, arrecadamos alimentos e, à meia-noite do dia três de janeiro de 1993, finalmente partimos.
Os dois ônibus iam lotados de gente e de coisa. Cada concludente tinha direito a levar um acompanhante, mas no final das contas cada um acabou levando três. Além disso, gente que tinha ido passar o final de ano em Coreaú pediu carona; gente doente que precisava ir a Fortaleza pediu carona; gente que não tinha nada a ver também foi junto... Enfim, não recusei nenhum pedido, quem quisesse ir conosco podia ir. Naquela época não havia essa coisa de só viajar sentado na poltrona. Ia gente em pé, sentada no corredor, deitada em cima das outras...
No meio da madrugada, fui até a cabine do motorista, sentei do lado dele, trocamos algumas palavras e contemplei as luzes distantes e a estrada iluminada pelos faróis do ônibus, com a impressão, por um instante, de estar levando toda a minha aldeia para uma fantástica volta ao mundo. Para um adolescente cuja cidade mais longe que tinha ido era a vizinha Sobral, levar toda aquela gente para um passeio distante era um desafio e tanto. Pela primeira vez, aos catorze anos, me vi diante de uma responsabilidade de tamanha complexidade. Acho que aquele foi o meu ritual de passagem para a idade adulta.
Foram cinco dias no Icaraí. Foi a primeira vez que vi o mar. À primeira vista, tive a impressão de que o
mar era uma serra, semelhante à Serra Grande, na perspectiva que a víamos de Coreaú. Conhecemos Fortaleza, fomos ao Iguatemi, à Beira-mar, à Praia do Futuro... Conta-se que o irmão de uma concludente perguntou por três vezes as horas a uma moça esbelta e elegante no Iguatemi sem nenhuma resposta, e só se deu conta ao tocar o seu braço frio de plástico que estava falando com um manequim de loja... Zoélio, herdeiro da típica canalhice coreauense, quase mata Dona Maria Raimunda ao inventar que seu filho Idelmon havia morrido afogado e já estava duro, boiando nas ondas. No entanto, Idelmon tinha apenas perdido a noção de tempo ao tomar umas doses na última barraca da praia. Um estudante de Direito foi visitar a turma e, ao dormir numa cama com fundo falso, foi atacado por um fantasma que se pusera ali de propósito e ficara cutucando o assustado visitante... O rapaz que confundiu o manequim com uma moça chegou tarde do forró e, depois de uma demorada procura, descobriu que sua rede tinha sido enrolada e virado picolé no congelador...
A fartura era tamanha que no final se estava brincando de guerra de carne de lata. Havia duas cozinheiras especialmente contratadas para preparar a comida. De manhã se comprava pão, queijo e presunto na padaria e se preparava um farto café coletivo; durante o dia inteiro a cozinha funcionava a todo vapor. Teve gente que comeu em cinco dias o que não comia em um mês...
Uma parte da turma preferia ficar na piscina do condomínio. Alguns no banheiro do lado espiando as moças de biquíni... Quem ia para a praia já levava a farofa, o arroz e a carne assada. Alguns já levavam a cachaça e ficavam por lá o dia e a noite. Nesse tempo as pessoas eram felizes com muito pouco. Não havia outra opção.
Ao final, depois de tentar disfaçar os estragos no condomínio, voltamos para Coreaú, sãos e salvos.