domingo, 30 de abril de 2017

REFLEXÕES DO MÊS


"Não somos responsáveis pelos nossos sentimentos: não escolhemos quem amamos." (Sigmund Freud)

"Os eruditos são aqueles que leram coisas nos livros, mas os pensadores, os gênios, os fachos de luz e promotores da espécie humana são aqueles que as leram diretamente no livro do mundo." (Arthur Schopenhauer)

"Die Philosophen haben die Welt nur verschieden interpretiert; es kömmt drauf an, sie zu verändern." (Karl Marx)

"Os filósofos nada mais fizeram do que interpretar o mundo, mas o que mais importa é transformá-lo." (Karl Marx)

sábado, 29 de abril de 2017

PASSEIO DA 8.ª SÉRIE


A turma da 8.ª Série da Escola de 1.º Grau Vilebaldo Aguiar passara o ano organizando o passeio do final do curso. Fui escolhido líder e sobrou para mim, logo o mais tímido, a responsabilidade pela realização do passeio. Com o Livro de Ouro, começamos a arrecadar dinheiro. A pessoa escrevia o nome e o valor com que contribuiria com a turma. Muita gente contribuiu: políticos, comerciantes, funcionários públicos, até gente desempregada fazia questão de assinar o nome no Livro de Ouro... Antônio Cará, dono do bar mais tradicional da cidade, doou cento e vinte cruzeiros, quase o dobro do que havíamos arrecado até então. Fiquei surpreso com a generosidade. Chico da Bomba também doou. Perguntou de quem eu era filho, tirou cem cruzeiros do bolso e assinou o nome. Padre Rômulo doou quarenta cruzeiros. A maioria dava entre dez e quinze cruzeiros. Certo dia, a pedido de Djany e Dorinha, as duas colegas de turma mais engajadas, o professor Luiz Dico nos levou, em sua Pampa, até Moraújo, para rodarmos o Livro de Ouro. Voltamos com dezoito assinaturas, cento e trinta cruzeiros e a declaração do professor de que sairia candidato a prefeito na próxima eleição. No final do ano, arrecadamos a quantia considerável de dois mil e quinhentos cruzeiros e conseguimos acertar os detalhes do passeio. Iríamos ao Icaraí, próximo a Fortaleza, na época um balneário bastante concorrido. O prefeito recém-eleito disponibilizou um ônibus, a turma fretou outro; o vice-prefeito pagou a hospedagem em dois blocos de um condomínio no Icaraí, arrecadamos alimentos e, à meia-noite do dia três de janeiro de 1993, finalmente partimos. 
Os dois ônibus iam lotados de gente e de coisa. Cada concludente tinha direito a levar um acompanhante, mas no final das contas cada um acabou levando três. Além disso, gente que tinha ido passar o final de ano em Coreaú pediu carona; gente doente que precisava ir a Fortaleza pediu carona; gente que não tinha nada a ver também foi junto...  Enfim, não recusei nenhum pedido, quem quisesse ir conosco podia ir. Naquela época não havia essa coisa de só viajar sentado na poltrona. Ia gente em pé, sentada no corredor, deitada em cima das outras... 
No meio da madrugada, fui até a cabine do motorista, sentei do lado dele, trocamos algumas palavras e contemplei as luzes distantes e a estrada iluminada pelos faróis do ônibus, com a impressão, por um instante, de estar levando toda a minha aldeia para uma fantástica volta ao mundo. Para um adolescente cuja cidade mais longe que tinha ido era a vizinha Sobral, levar toda aquela gente para um passeio distante era um desafio e tanto. Pela primeira vez, aos catorze anos, me vi diante de uma responsabilidade de tamanha complexidade. Acho que aquele foi o meu ritual de passagem para a idade adulta. 
Foram cinco dias no Icaraí. Foi a primeira vez que vi o mar. À primeira vista, tive a impressão de que o mar era uma serra, semelhante à Serra Grande, na perspectiva que a víamos de Coreaú. Conhecemos Fortaleza, fomos ao Iguatemi, à Beira-mar, à Praia do Futuro... Conta-se que o irmão de uma concludente perguntou por três vezes as horas a uma moça esbelta e elegante no Iguatemi sem nenhuma resposta, e só se deu conta ao tocar o seu braço frio de plástico que estava falando com um manequim de loja... Zoélio, herdeiro da típica canalhice coreauense, quase mata Dona Maria Raimunda ao inventar que seu filho Idelmon havia morrido afogado e já estava duro, boiando nas ondas. No entanto, Idelmon tinha apenas perdido a noção de tempo ao tomar umas doses na última barraca da praia. Um estudante de Direito foi visitar a turma e, ao dormir numa cama com fundo falso, foi atacado por um fantasma que se pusera ali de propósito e ficara cutucando o assustado visitante... O rapaz que confundiu o manequim com uma moça chegou tarde do forró e, depois de uma demorada procura, descobriu que sua rede tinha sido enrolada e virado picolé no congelador...
A fartura era tamanha que no final se estava brincando de guerra de carne de lata. Havia duas cozinheiras especialmente contratadas para preparar a comida. De manhã se comprava pão, queijo e presunto na padaria e se preparava um farto café coletivo; durante o dia inteiro a cozinha funcionava a todo vapor. Teve gente que comeu em cinco dias o que não comia em um mês...
Uma parte da turma preferia ficar na piscina do condomínio. Alguns no banheiro do lado espiando as moças de biquíni... Quem ia para a praia já levava a farofa, o arroz e a carne assada. Alguns já levavam a cachaça e ficavam por lá o dia e a noite. Nesse tempo as pessoas eram felizes com muito pouco. Não havia outra opção.
Ao final, depois de tentar disfaçar os estragos no condomínio, voltamos para Coreaú, sãos e salvos. 

terça-feira, 25 de abril de 2017

28 DE ABRIL


Caros amigos, em relação à greve do dia 28, peço licença para fazer uma pequena reflexão.
Conforme divulgado pelos meios de comunicação, amanhã ocorrerá a primeira votação para a reforma trabalhista e no dia 10 de maio será a votação para a reforma da Previdência.
Dentre as mudanças, a aposentadoria no serviço público e no celetista acima de 02 salários mínimos dar-se-á com 40 anos de contribuição.
Entendo que a exigência desse período é desumano e muitas vezes impossível de se alcançar.
Vamos tomar, inicialmente, como exemplo, o cargo de médico, que após sua graduação e cursar sua especialidade e passar no concurso público, provavelmente aos 30, é obrigado a trabalhar até a idade de 70 anos, para receber seu salário integral.
Em relação à iniciativa privada, vamos tomar como exemplo a profissão de engenheiro de produção ou mecânico. Será que ele conseguiria passar 40 anos de carteira assinada, quando, muitas vezes, as empresas passam por reestruturação e consequentemente alteram ou diminuem seu quadro de empregados.
Vamos agora falar da classe mais baixa da sociedade, onde os trabalhadores são analfabetos ou possuem pouca instrução e ganham em sua maioria (01) salário mínimo. Será que estas pessoas conseguirão passar 25 anos de carteira assinada, quando hoje poucos conseguem atingir o período de 15 anos, que é, atualmente, a exigência legal?
Apesar dessas reformas não me atingirem diretamente, estou preocupada com seus efeitos, uma vez que vai aumentar a desigualdade social e consequentemente aumentar a criminalidade.
Trabalho no sistema criminal que envolve adolescentes e acreditem, muitos assaltos estão relacionados com a situação econômica deles.
É por isso que eu vou para a manifestação no dia 28, na Praça da Bandeira.
Não será surpresa para mim se lá tiver faixas volta Lula ou coisa do tipo, pois os sindicatos sempre foram próximos do PT. Mas o meu objetivo e de todos aqueles que conheço que vão para a mobilização é manifestar insatisfação contra as reformas, no modelo que estão postas.
Um abraço.

Elizabeba Rebouças

domingo, 23 de abril de 2017

SONETO XX


Ele era feliz com muito pouco;
Fora sempre na vida comedido;
Tudo quanto lhe havia sucedido
Lhe fizera não ter ouvido mouco.

Não juntava mil coisas, feito louco;
 Desde cedo seu pão foi dividido;
Aprendeu num casebre desvalido
A não ter e aparecer, tampouco.

Com o sopro na vela, que se apaga,
Levantou-se sereno e já sem pressa,
Ao cruzar pelo mar a pé enxuto.

Logo viu-se curado de uma chaga,
Pela força da crença que professa,
No caminho que leva o Absoluto.

Eliton Meneses

sexta-feira, 21 de abril de 2017

CASA-GRANDE & SENZALA




Dei por fim a leitura desse grande clássico da sociologia brasileira: "Casa-Grande & Senzala", de Gilberto Freyre. Tal como a obra posterior, "O povo brasileiro", de Darcy Ribeiro, trata-se de dois importantes ensaios para uma compreensão mais profunda da formação sociocultural brasileira, a partir da miscigenação entre brancos, sobretudo portugueses, negros e indígenas.
A miscigenação deu-se aqui no Brasil Colonial pelo fato de, à época, existirem poucas mulheres brancas disponíveis para os portugueses colonizadores, restando à índia nativa e posteriormente à escrava negra essa determinação.
Em Casa-Grande & Senzala, a formação cultural da sociedade brasileira é traçada, sobretudo, pela perspectiva do senhor de engenho (proprietário de terras) e seus escravos. Assim, em suas mais de 500 páginas, vamos adentrando a rotina diária nos cômodos dos casarões coloniais brasileiros com seus senhores, os “nhonhôs”, autoritários e também libertinos; suas sinhás submissas, desocupadas e também perversas, e, mais aos fundos, seus escravos, responsáveis pela manutenção braçal da economia açucareira e também doméstica, além de responsável pela formação mais ímpar e, portanto, decisiva do ser mais íntimo brasileiro.
Particularmente gostei muito do livro, deveria ser lido, divulgado como estudo obrigatório nas escolas, sobretudo para nós professores, formadores de opinião e de senso crítico! Um dos comentários mais comuns acerca de Casa-Grande & Senzala diz com o fato de ter retratado muito o aspecto sexual, erótico de portugueses com as escravas, muitas vezes ocasionando ciúmes nas suas senhoras que agiam de modo perverso para com as escravas. Também é retratado de forma bem poética a culinária colonial, composta com vários ingredientes de diferentes povos, sobretudo os dos negros escravos que predominaram em nossa culinária! Por fim chegaremos à conclusão de que não foi à miscigenação brasileira do século XVIII que nos deixou de legado muito de nossos problemas atuais e sim a escravidão e sua mentalidade que ainda está presente em boa parte do Brasil do século XXI.

Auricélia Fontenele
Professora da Escola de Ensino Médio Almir Pinto 

quinta-feira, 20 de abril de 2017

SONETO XIX


Como o asno que chega belo e forte,
Tu vomitas convicto a verdade;
Te reputas no espelho uma deidade,
Apesar de não teres nem um norte. 

O que pensas não passa de recorte;
Tens a mente encoberta de vaidade; 
Outro dia falaste em liberdade
Como algo que vem depois da morte.

O passado já foi – hoje é quimera;
Tu devias sorrir enquanto podes;
Amanhã não se sabe o que te espera.

Muito embora praguejes tristes odes,
Com as flores se achega a primavera,
Mesmo quando tu mesmo não te acodes.

Eliton Meneses

quarta-feira, 19 de abril de 2017

9 VERDADES E UMA MENTIRA SOBRE MIM


1. Nasci em Coreaú, na Maternidade Thomaz Porto, pelas mãos de Dona Laíre Fontenele;
2. Sou o 10.º filho do casal Leda e Oneon. Entre os dois irmãos mais velhos e mim, vieram, de permeio, sete irmãs; duas delas, as mais novas, as gêmeas Ivone e Ivonete, faleceram ainda bebês;
3. Vovó Maria do Carmo faleceu pouco antes de eu nascer;
4. Estudei todo o Ensino Fundamental (antigo 1.º Grau) na Escola Vilebaldo Aguiar (o Grupo);
5. Fui expulso uma única vez da aula por brigar com um crente atrevido, depois de ser importunado durante todo o Hino Nacional;
6. Na despedida da escola, como melhor aluno e líder da 8.ª série, quando todos esperavam de mim um belo discurso, travei e não disse coisa com coisa;
7. Aos quinze anos fui morar em Fortaleza e, ao longo do Ensino Médio (então 2.º Grau), passei por três escolas públicas do subúrbio até chegar no Liceu do Ceará;
8. Com menos de três anos da partida de Coreaú, estava na Faculdade de Direito da UFC, sem saber ler nem escrever;
9. No meio da faculdade, passei num concurso público e resolvi casar com o amor da minha vida, Auricélia Fontenele;
10. Meu filho João Pedro nasceu numa noite chuvosa de março de 2008.

terça-feira, 18 de abril de 2017

O PEQUENO PRÍNCIPE :: LE PETIT PRINCE


"O essencial é invisível aos olhos."
"L’essentiel est invisible pour les yeux."

"Foi o tempo que perdeste com tua rosa que fez tua rosa tão importante."
"C'est le temps que tu as perdu pour ta rose qui rend ta rose si importante."

"Tu te tornas eternamente responsável por aquilo que cativas."
"Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé."

"É preciso suportar duas ou três larvas para conhecer as borboletas."
"Il faut bien que je supporte deux ou trois chenilles si je veux connaître les papillons."

"– Adeus, disse ele à flor.
Mas a flor não respondeu."
"– Adieu, dit-il à la fleur.
Mais elle ne lui répondit pas."

(Antoine de Saint-Exupéry)

sábado, 8 de abril de 2017

SONETO XVIII


Quando menos se espera a nuvem passa;
A paixão é uma onda traiçoeira;
Dentro em pouco, converte-se em poeira,
Uma tênue cortina de fumaça. 

O que fora um alento, perde a graça;
Um desejo que volta da fronteira;
 Duas flores na noite derradeira
 Definharam no chão da mesma praça.

De repente, uma mente se alumia;
 Uma chama no peito se apaga,
Como um fruto caído da videira. 

 Um lampejo desterra a fantasia;
Foi apenas um sopro, que afaga,
Nesta vida que segue passageira.

  Eliton Meneses


domingo, 2 de abril de 2017

O RIO



Da curva do rio cheio avisto as ruínas da Ponte Velha. Na barreira à direita não vejo mais o juazeiro. As pedras, o Socavão e, mais adiante, a curva da barragem permanecem iguais. A mutambeira também resiste. O galho de onde pulávamos ainda é o mesmo, oscilante como sempre. Algumas coisas mudaram. Mudaram menos que eu. O cemitério velho foi tomado pelo mato. O castelo do Bolão está abandonado. Não há mais o campo beira-rio que me alimentou tantos sonhos num time chamado Vitória. Nos quintais, os muros substituíram as cercas. Os muros agora dividem as pessoas. Seu Onofre, Dona Terta e Seu Benedito Mussum não são mais testemunhas da cheia do rio. Seus quintais estão solitários, separados do rio por um muro. O pau-do-rio ainda tem o mesmo sabor. Sabor de uma infância ainda tão viva na memória. Quase trinta anos. Era um menino quando tomava banho neste rio todo santo dia. Quando descia de câmara de ar do Alto até a Barragem. Aprendi a nadar nele. Aprendi a viver nele. Zé Ponte dizia a cada cheia que descia um caixão preto na correnteza. Às vezes o rio roncava como anúncio de alguma tragédia. Quando a canoa virou na barragem, Zé Ponte teria avistado três caixões e escutado um ronco ensurdecedor. Zé Ponte também foi arrastado pelo rio da vida. Assim mesmo, os pássaros ainda cantam nos galhos da moita. O bigodeiro entoa o mesmo canto fascinante. Sonhava em ter um bigodeiro cantador. Os dois que tive eram bem ordinários. Hoje não tenho mais coragem de aprisioná-los. Bom mesmo é vê-los cantar em liberdade. Zé Mocó ainda arma suas poitas. Meu amigo Dedé parece um velho. Deve ter quarenta anos e já parece um velho. Pesca com o pai  e o filho já adolescente. Como o tempo passa! Zé Mocó está com o corpo tomado pelo vitiligo. Meu amigo Dedé segue o mesmo caminho. Muita gente que tomava banho no rio foi embora. Pescávamos piaba com anzol e garrafa furada. As mulheres lavavam roupa nas pedras, as moças tomavam banho no Socavão, os velhos no Poço do Carro e os meninos no rio inteiro. Diziam que havia uma cobra-grande na gruta da mutambeira. Na dúvida, preferia não mergulhar sozinho por lá. No canto da Meruoca ainda avisto o grande jacarandá. As lavadeiras não são as mesmas. São as filhas, as netas, das antigas lavadeiras. Alguns meninos são os mesmos, Dedé e eu permanecemos na beira do rio. É importante saber que algumas coisas não mudam, que ainda somos os mesmos e que mergulhamos como meninos, depois de tanto tempo, no mesmo rio.