sábado, 6 de junho de 2015

SEU LÁZARO


Dona Antônia recolhia suas galinhas soltas na rua quando começava a escurecer em Coreaú. Todas atendiam prontamente ao chamado, até os pintos e o galo. 
 Til, til, til...
Naquele dia, seu filho Lázaro estava particularmente triste. Contemplou com o olhar vago da janela a entrada das galinhas e me chamou com um leve aceno. Pediu que lhe comprasse na farmácia três ampolas de Epocler. Achei estranho uma pessoa que havia largado a cachaça há tantos anos ter necessidade de remédio para o fígado. Papai costumava tomar Epocler somente depois de um porre excepcional.     
Seu Lázaro era um moreno claro, alto, de meia idade, vistoso, sereno e de uma elegância incomum. Eu, menino de sete anos de idade, admirava demais aquele vizinho que me tratava como amigo, de igual para igual, a despeito da diferença de idade de mais de trinta anos. A partir daquele dia, porém, meu amigo começou a definhar. Ainda lhe fiz alguns favores na farmácia, mas nenhum remédio surtia efeito. A magreza ficava a cada dia mais evidente. Não tive coragem de perguntar-lhe se estava doente. Soube depois por mamãe que era câncer no fígado. Aquela cachaça com coca-cola e limão que Seu Lázaro havia tomado sem limite tempos atrás, dez anos depois, sorrateiramente, lhe cobrava um alto preço.
Quando Seu Lázaro ficou prostrado na rede, eu costumava sentar do lado para tentar numa prosa reanimá-lo. A gente mais se entreolhava do que conversava. Ele sabia que estava a caminho da morte iminente e eu não sabia o que lhe dizer. Não conseguia entender como uma pessoa que estava viva de repente morresse e fosse enterrada no cemitério. Disse-lhe que ele não iria morrer, que, se continuasse tomando o chá de boldo com Xantinon, em menos de um mês, estaria novinho em folha. Seu Lázaro sorriu e me disse que eu ainda iria ver muita coisa nesta vida.  
Em menos de um mês, o choro de Dona Antônia nos avisou da morte do seu filho querido. Quando vi meu amigo no caixão, por um instante, pensei que tivesse poderes para despertá-lo. Balbuciei umas palavras mágicas e pedi baixinho que ele abrisse os olhos. Não adiantou. Toquei seu braço, rígido e frio, e só então me dei conta de que a alma do amigo havia abandonado o seu corpo. Senti uma coisa ruim no peito e os olhos cheios de lágrima. 
Permaneci a noite quase toda no velório. Somente às quatro mamãe veio me chamar. Sonhei com Dona Antônia chamando as galinhas, com Seu Lázaro forte e sorridente na janela, dizendo-me que eu estivera certo, que ele não tinha morrido, que o chá de boldo com Xantinon o tinha deixado novinho em folha. Fiquei bastante contente. No sonho, tinha a certeza de que o velório não passara de um pesadelo, que felizmente estava tudo bem com meu amigo, que a vida continuava como sempre fora. 
 Til, til, til...
Ao meio dia fui despertado pelo sino da igreja; perguntei assustado por seu Seu Lázaro e mamãe me respondeu que o enterro tinha acontecido às dez horas.

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