domingo, 8 de fevereiro de 2015

CIRCO




A rotina da pacata cidade mudava por completo com a chegada do circo. No fim de tarde, o palhaço circulava pelas ruas, com suas pernas de pau, seguido de um magote de menino, anunciando a apresentação daquela noite.
– Hoje tem espetáculo?!
 Tem, sim, senhor! 
– Um, dois, três, quatro! 
– A mulher do palhaço! 
– Quatro, três, dois, um! 
– Ela pega qualquer um! (...) 
A despeito da simpatia do palhaço, a maior atração do circo era um leão moribundo que rugia a madrugada inteira e cuja dieta, diziam os boatos, incluía gatos e cachorros comprados dos moradores locais.
Naquela noite, o circo estava lotado. Apresentou-se o palhaço, o mágico, o equilibrista, o leão moribundo, a anã odalisca, até chegar ao trapezista. Antes do número terminar, o locutor ofereceu cinquenta cruzeiros para qualquer um da plateia que tivesse coragem de se apresentar junto com o trapezista. Inicialmente ninguém se habilitou, mas, depois de muita instigação dos amigos, Mudinho resolveu se dirigir ao palco, ainda sem entender o que iria fazer.  
Subiu até a plataforma, que, vista de cima, pareceu bastante alta, e, um tanto hesitante, se lançou agarrado no trapézio para o outro lado, onde o trapezista o esperava.
Com uma impulsão fraca, Mudinho não conseguiu alcançar a plataforma oposta. O trapezista, mesmo se esticando todo, não conseguiu segurar os pés do voluntário. Mudinho teve de voltar agarrado no trapézio, no afã de atingir a sua plataforma, mas, como era de esperar, não conseguiu nem tocá-la com os pés. Assim, ficou como um pêndulo de um relógio, cada vez mais distante de ambas as plataformas, até a parada completa.
O locutor, o trapezista e toda a plateia – no início sorridentes e, por fim, já impacientes – gritavam para que Mudinho largasse aquele trapézio; afinal, a rede de proteção o apararia.
– Solta! Solta! Solta!
– Solta, homem! Nós não temos a noite toda!
– Solta, rapaz! Esse cara parece que é surdo!
Em verdade, Mudinho era surdo-mudo de nascença e estava alheio a qualquer apelo sonoro. A doze metros de altura, paralisado pelo medo, tinha no trapézio a sua tábua de salvação. Estava disposto a não largá-la, até que, de repente, alguém o resgatasse. Sabia que, antes do chão, havia uma rede de proteção, mas tão coberta de remendos que já se imaginava espatifado no chão duro do picadeiro.
Tentava não olhar para baixo. A rede parecia tão distante – e tão frágil! O tempo foi passando e, não por falta de força, mas pelo suor frio que umedecia suas mãos, a resistência apavorada do Mudinho foi chegando ao fim. Deu um último aperto no trapézio escorregadio, fechou os olhos e caiu.
Quando abriu os olhos, estava deitado na rede, são e salvo. Nem se deu conta dos detalhes da queda, nem das gargalhadas da plateia. Ergueu-se ainda atônito, tentou em vão pronunciar um impropério para o locutor, que lhe oferecia o prêmio de cinquenta cruzeiros, e foi embora para casa prometendo nunca mais voltar a um circo. 

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