sexta-feira, 27 de fevereiro de 2015

SEU CACÁ


Na porta do mercado, os vendedores de peixe viram, com certo ciúme, Seu Cacá passar feliz da vida com um enorme osso partido e pendurado numa embira. Não concebiam que o velhote pagasse doze cruzados num osso liso, se um bom cambo de sovela e piau custava o mesmo valor. 
Preto não conteve uma provocação:
– O que o senhor vai roer nesse osso, Seu Cacá?
– Ora, você está é por fora, Preto! As pessoas só veem a carne que falta por fora, mas não se importam com o tutano que sobra por dentro. Esse osso dá um caldo que é uma beleza! Disse Seu Cacá com sua voz rouca e cansada. 
Logo que chegou em casa, Seu Cacá sentiu que estava na hora de fazer as necessidades e, como era de costume, se dirigiu a sua moita por trás do monturo do Socavão, levando consigo dois sabugos de milho para evitar o infortúnio do dia anterior, quando, por descuido, apanhou uma folha de cansanção-de-fogo para limpar a bunda e teve de passar mais de uma hora de molho no rio para amenizar a queimação no ás
Quando não era importunado pelos porcos, Seu Cacá apreciava bastante a hora de pagar o Ferreira na tranquila solidão da sua moita. Naquela manhã uma única porca apareceu, mas foi enxotada para bem longe por Seu Cacá. A danada estava quase fuçando o traseiro do velhinho quando ele se deu conta do focinho atrevido e saiu no seu encalço com um cipó comprido e a voz roufenha.
– Sai daqui, porca velha!!
Afastada a companhia inconveniente, Seu Cacá deu início aos trabalhos. Depois de alguns instantes de paz e de reflexão, o supersticioso velhote pareceu escutar uma voz sombria e cavernosa oriunda de cima da moita, que dizia:
– Cacá, oh, Cacá! Você quer enricar?!
– Cacá, oh, Cacá! Você quer enricar?! (...)
No começo, o medo foi tamanho que Seu Cacá não ficou apenas rouco, mas inteiramente mudo, até que com dificuldade conseguiu responder:
– Sim, quero sim! 
A voz, em tom solene, respondeu:
– Então venha amanhã, nesta mesma moita, que eu lhe direi o segredo!
Seu Cacá resolveu não contar para ninguém a história da voz misteriosa, nem mesmo para a sua velha. Também começou a pensar no segredo e a nutrir muitos planos. Quem sabe uma botija, um dinheiro perdido, uma dádiva qualquer do céu... O importante era ficar rico.
No dia seguinte, Seu Cacá se dirigiu ansioso à moita, no mesmo horário.
A voz misteriosa demorou muito a aparecer. Somente quando Seu Cacá, já quase sem esperança, levantava as calças, escutou-a.
– Cacá, oh, Cacá! Você quer enricar?!
– Quero sim! Quero sim!
E a voz solene respondeu:
– Então venha amanhã, nesta mesma moita, que eu lhe direi o segredo!
Seu Cacá ficou muito contrariado. Não conseguia pensar em outra coisa. Dara como certo desvendar o segredo naquele dia.
No terceiro dia, a voz misteriosa apareceu cedo.
– Cacá, oh, Cacá! Você quer enricar?!
– Quero!
– Então venha amanhã, nesta mesma moita, que eu lhe direi o segredo!
De tão furioso, Seu Cacá pensou em não ir no dia seguinte, mas, como o sonho de riqueza ainda lhe inquietava, deu mais uma chance à voz.
No último dia, quando Seu Cacá já ia embora, triste e revoltado, a voz misteriosa, para o alívio do velhote, resolveu dar o ar da graça.
– Cacá, oh, Cacá! Você quer enricar?!
– Quero, porra! Diz logo!
– Então vai trabalhar, vagabundo!!  

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